Perguntaram-me se sou liberal (corrente político-econômica de natureza capitalista). Respondi que:
Não sou liberal, nem marxista. Sou, no entanto, 100% anti-marxista (afinal sou católico!), embora não seja 100% anti-liberal em termos econômicos. Explico: em termos econômicos, e puramente econômicos, o liberalismo tem coisas interessantes a oferecer, além de uma visão de mundo que pode, com as devidas cautelas, ser colocada em harmonia com a Doutrina Social da Igreja. Foi isso, por exemplo, que o Pinochet tentou fazer com os Chicago boys. Ele salvou a economia do Chile usando o receituário liberal, “temperado” com doses de intervenção estatal que fariam Adam Smith e Mises virarem no túmulo. As minas de cobre, por exemplo, principal produto de exportação do Chile, nunca foram privatizadas.
Um liberal 100% liberal acharia isso o horror dos horrores. Eu não acho. Acho até uma boa idéia, na medida em que isso garante uma maior autonomia econômica para o governo e permite que haja menos impostos engessando a economia.
Note que não considero – longe disso! – o Pinochet um modelo a ser seguido! Em termos econômicos, porém, é fácil perceber que enquanto os nossos governantes militares lançaram o Brasil em uma espiral de estatolatria e inflação, que ainda por cima possibilitou tremendamente a ação dos comunistas infiltrados no aparato estatal, o Chile foi um oásis de prosperidade na América Latina.
Meu ideal de governo para o Brasil seria uma monarquia constitucional, nos modelos do Império (voto censitário, o Imperador exercendo o Poder Moderador, emissão de moeda só com lastro, etc.), com uma economia (uma economia, só uma economia. Não uma imprensa, não um “mercado religioso”, não uma TV…) aberta e organizada em moldes liberais e de livre-concorrência. Nem um welfare state nem um “cada um por si e Deus por todos” liberal. O liberalismo puro é a elevação da ganância a princípio organizativo. A idéia liberal, porém, quando conjuminada a um governo que obedeça o princípio de subsidariedade, incentivando as associações civis livres (dentre as quais os partidos, que não deveriam ser obrigatórios para participação política, e especialmente as associações locais de moradores, consumidores, conselhos profissionais como o CRM, etc.), pode ser uma boa solução.
Algo que, creio, é inquestionável, é o tamanho absurdo do Estado no Brasil. O MEC, por exemplo – aí a questão já fica pessoal!, sou professor! – mete o bedelho em questões que não são absolutamente da alçada do governo, infringindo os direitos dos pais (ao tornar a “educação sexual” compulsória, a frequência a escolas compulsória, o currículo anti-católico compulsório…), impedindo a ação dos educadores particulares (vc sabia que se alguém não paga uma fita de vídeo pornô que alugou pode ir preso, mas se não pagar a escola por dois anos não acontece rigorosamente nada?). A enorme quantidade de funcionários vivendo do Estado no Brasil para não fazer absolutamente nada é espantosa. A dificuldade para qualquer pessoa estabelecer um negócio é igualmente apavorante (e mais apavorante ainda quando vemos que há no Brasil mais gente que trabalha por conta própria, tanto em termos absolutos qto relativos, que nos EUA, e a imensa maioria não consegue legalizar seu negócio). E por aí vai.
Nessa hora a crítica liberal é válida. Se, porém, eu um dia fosse feito ditador plenipotenciário do Brasil – que isso nunca aconteça, pelo bem de minh’alma! – provavelmente os liberais ficariam horrorizados com minhas posições em tudo o que não é estritamente econômico.
Este foi, aliás, o erro dos militares. Eles fizeram o Estado crescer tremendamente, e gastaram toda a sua energia combatendo meia-dúzia de jornalistas e universitários armados com fuzis M-1 enferrujados no meio do mato. Ao mesmo tempo, eles deixaram acontecer uma enorme infiltração comunista em todo o aparato estatal (ao ponto de hoje em dia a maneira mais fácil de ter um livro didático não aprovado pelo MEC é fazer um que não seja marxista e igualitarista), uma revolução cultural (em bom português: deixaram a Leila Diniz quieta e mobilizaram dezenas de milhares de soldados para prender meia-dúzia de comunistas no Araguaia), etc. Se eu fosse o governante – mais uma vez, que isso não aconteça! -, faria exatamente o contrário. Diminuiria tremendamente o poder do Estado, a ingerência do Estado na vida das pessoas, e procuraria reverter a revolução cultural. Melhor seria não a ter deixado acontecer, mas agora é tarde. Não adianta chorar sobre o leite derramado.
O Estado brasileiro, meu caro, é ainda patrimonial. A diferença é que de repente o Estado-patrimônio passou a ser um monopólio, coisa que nunca havia sido! A minha proposta é justamente diminuir o tamanho do Estado até que seja só umas dez vezes maior que o Estado patrimonial tradicional. Na monarquia portuguesa, de que somos herdeiros, jamais houve, por exemplo, nem um milésimo das restrições e obrigatoriedades que hoje o Estado coloca à educação (sei, estou voltando ao mesmo ponto. A questão é que não só é esta a minha profissão, logo algo que conheço bem, mas é tbm o que forma os futuros súditos). Do mesmo modo, jamais houve tamanha dependência do Estado em termos de sustento da população (funcionalismo público direto e indireto, etc.). O Estado era e é patrimônio do governante. A diferença é que o Estado era infinitamente menor e os governantes não eram uma Nomenklatura comunista dedicada a fazer valer pela força suas utopias igualitárias.
O Estado que é patrimônio do governante (e das autoridades supostamente delegadas) é o que faz com que o Brasil seja, graças a Deus, um país em que, apesar de todos os problemas, há enorme estabilidade. As relações entre o público e o governo-provedor são ainda relações de amizade, parentesco, clientela. Isso impede os confrontos violentos que houve e há na França por exemplo, desde que foi quebrada a ordem feudal e o povo passou a não ser mais retido pelo juramento que ainda retém a ação do governo.
Creio que agora já deu para entender a minha posição nesta questão, não? Não sou liberal, mas acho que a crítica liberal ao Estado inchado brasileiro é perfeitamente correta e pode conduzir a um sistema que esteja de acordo com o que realmente já acontece. Explico: temos, como afirmei acima, uma visão de governo que é completamente patrimonialista. E temos um sistema teórico de governo que não o é, em absoluto. Assim, para o brasileiro médio, o policial que multa ou deixa de multar está exercendo um poder *pessoal*, assim como o está um vereador que, sei lá, bota um posto de saúde em um bairro. Pela lei, no entanto, não é isso que acontece. O vereador seria em teoria um legislador (como se já não houvesse mais leis que o que um sábio poderia estudar ao longo de toda a sua vida); os grupos de interesse político, constantemente cambiantes em sua composição, seriam em tese partidos dedicados a uma posição política definida. O policial teria uma autoridade delegada impessoal. E por aí vai.
A visão política (no sentido grego; não quero usar a palavra “cidadania”, pois se presta a incompreensões) do brasileiro médio é, assim como a de seus (teoricamente, muito teoricamente) “representantes” eleitos, completamente patrimonial. Precisamos é de uma legislação que se adeqüe à realidade, não de tentar a ferro e fogo adequar a realidade à legislação (mesmo pq isso não funciona; basta ver os conflitos constantes na França quando se passou a basear a legislação política francesa na visão de contrato social). Há porém um problema enorme a resolver, algo aliás que só seria possível resolver dentro do quadro de uma ditadura: o tamanho do Estado. Patrimônio sim, monopólio não. Enquanto o Estado é gigantesco, é inviável assumir o patrimonialismo. Quem consegue segurar o Leviatã pela coleira?
Além disso, seria impossível diminuir o Estado enquanto tivessem poder os que dele vivem e querem que ele aumente cada vez mais (ACMs e PTs da vida). Se um presidente, em seu primeiro dia de mandato, tentasse, por exemplo, fechar o MEC (e mandar os burocratas do MEC colonizar a Amazônia se quisessem manter seus salários públicos. Ah, aí seria perfeito…), todos os deputados, governadores, prefeitos… todos os que vivem de verbas públicas e alojam seus cupinchas nas graciosas tetas MECquianas se levantariam contra o governo.
Então o Estado só não pode é liberar o aborto e proibir as armas? Isto basta, o resto é coisa de comuna comedor de criancinha?
Não, em absoluto. O que prego é que a União só pode fazer o que o governo estadual não pode fazer, e este só pode fazer o que o município não pode fazer, e este só pode fazer o que o bairro não pode fazer, e este só pode fazer o que a família não pode fazer… Não se trata de liberalismo puro (que pressupõe, como vc mesmo lembrou, relativismo religioso, etc.), mas de simples aplicação na prática à situação brasileira (Estado patrimonialista aumentado ao ponto de dominar completamente cada momento da vida dos cidadãos) do princípio da subsidariedade, somado à adeqüação da legislação à realidade.
O povo brasileiro é empreendedor. A livre iniciativa privada, no Brasil, tem muito mais chances de funcionar se for permitida que, por exemplo, na França ou no Peru. Se o Estado não coibisse tanto a livre iniciativa privada, provavelmente o Brasil seria mais rico que os EUA. Assim, aqui seria relativamente fácil fazer com que a iniciativa privada cubra aquilo que não é função do Estado cobrir.
Do mesmo modo, a visão política do povo brasileiro é patrimonialista. Todos os políticos de sucesso são “clientelistas”, ou seja, têm uma prática política de dispor pessoalmente de favores, considerados como seus. Assim – mais ainda quando consideramos o absurdo que é a idéia de mudar toda a realidade para que se adeqüe à legislação, como se tem tentado fazer há décadas – a legislação deve ser adeqüada à realidade: monarquia constitucional. O que é do Estado deve ser do Rei, não de ninguém (ou de quem pegar primeiro…).
O Estado, porém, é grande demais. Jamais houve um Estado tão grande sem derramamento de sangue e/ou pobreza e miséria generalizada. Nós temos impostos como se fôssemos um welfare state, mas não somos. O INSS tem uma burocracia proporcional e absolutamente maior que qualquer outro instituto de seguridade social estatal, sem que a população tenha algo em troca. O MEC se imiscui em cada detalhe do ensino (gastando fortunas e sustentando multidões de burocratas ineptos) sem que em doze anos as escolas sejam capazes de alfabetizar um aluno. E por aí vai. Assim, com um Estado gigantesco que impede uma população empreendedora de progredir e garantir seu próprio sustento, ao mesmo tempo sem que o Estado o garanta, a coisa fica preta. É aí que entra a crítica – econômica – liberal, que está neste ponto substancialmente correta.
A diferença é que o liberal vai ver o Estado como fruto de contrato, o que não ocorre no Brasil. Aqui a “otoridade” não recebeu do povo seu poder. O poder é dele.
- Fonte: A Hora de São Jerônimo