Preparação para o Matrimônio (IV)

– Que surpresa pode reservar-nos no Juízo Final o “estive com fome e sede…”? Será que os avisos de Nosso Senhor aplicam-se aos matrimônios e aos cônjuges?

Muitas são as dificuldades da vocação matrimonial. Em nossas formações, já falamos do dever de fidelidade, que é mais que ser fiel fisicamente, mas também é ser fiel ideológica e espiritualmente a seu cônjuge, e talvez configure um dos maiores desafios do sacramento; já discorremos sobre as virtudes da generosidade e da fecundidade, sem as quais o matrimônio se transforma em disputas egoísticas sobre a própria felicidade, sem abrir-se à Vontade de Deus; já meditamos também acerca do papel pascal do sacramento do matrimônio, isto é, o matrimônio configura os cônjuges à Cruz de Nosso Senhor, de modo que não há vida matrimonial cristã sem algum nível de sacrifício. Mas há um aspecto especial da vida matrimonial que é pouco explorado: a função medicinal do matrimônio.

No Evangelho de São Mateus, no capítulo 25, está o famoso discurso sobre o Juízo Final: “tive fome e me destes de comer, sede e me destes de beber…”. A ortodoxa tradição católica sempre viu nestas páginas do Evangelho um alerta sobre o Juízo Final, um critério de aplicação do cristianismo: quem passou pela radical conversão a Cristo não é insensível à dor do irmão que está preso, que está doente, que tem sede e fome. Mas quem é o próximo que está com sede? Quem o próximo que está com fome? Será que aplicam-se a esse texto os famintos e sedentos de nossos lares? Que surpresa pode reservar-nos no Juízo Final o “estive com fome e sede…”? Será que os avisos de Nosso Senhor aplicam-se aos matrimônios e aos cônjuges? Esse é o maior presente que Nosso Senhor deu aos casados: de transformar seus lares em verdadeiros sanatórios, onde se é médico e paciente, curando e sendo curado.

O convívio matrimonial revela aos cônjuges o pior e o melhor de cada um. Por isso, ninguém tem maior capacidade curativa no convívio familiar que os cônjuges, ninguém conhece mais as mazelas de cada um que os cônjuges. É nesse sentido que se diz que a vida matrimonial é uma caminhada de feridos, dois doentes que vivem para se ajudarem mutuamente a alcançar a santidade. Ora, se é assim e se um critério para o Juízo Final é o “tive fome, tive sede”, como não aplicar aos mais próximos os inúmeros e infindáveis atos de amor da vida cotidiana? Se nem um copo de água oferecido por causa do Senhor ficará sem recompensa, o que se dirá de um jantar caprichado para a esposa, mas com o olhar fixo nos Céus? Que poder possui um café da manhã preparado com carinho espiritual para agradar o cônjuge, mas principalmente por amor a Deus? Que capacidade espiritual o sofrimento por amor à família pode alcançar?

A vocação matrimonial é excelsa, pois permite a cada membro familiar exercitar a humildade cotidianamente, não conseguindo esconder do outro, que é sua própria carne, seus defeitos mais baixos, seus pecados mais vergonhosos. O matrimônio é sacramento de serviço e, desde que Nosso Senhor se fez servo de todos, o serviço familiar também se tornou caminho de salvação para seus membros. O lar cristão é um sanatório, um hospital. Cada qual ocupando-se em curar seu irmão torna-se, por isso mesmo, cura para outro e para si mesmo. Deus, que não se deixa vencer em generosidade, há de cumular de amor àqueles que se gastam em colocar amor em suas famílias.

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.