“Princeps pastorum” (João XXIII: 28.11.1959)

Carta Encíclica
PRINCEPS PASTORUM
sobre as missões católicas.

Aos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e aos outros Ordinários do lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica.

INTRODUÇÃO

Algumas recordações pessoais

1. Desde quando, respondendo com consciente humildade ao convite do “Príncipe dos Pastores” (1 Pd 5, 4), mas confiante no seu poderosíssimo auxílio, assumimos o governo e a guarda dos “cordeiros” e das “ovelhas” do rebanho de Deus (cf. Jo 21,15-17) espalhado por toda a terra, sempre esteve presente à nossa alma “o problema missionário em toda a sua vastidão, beleza e importância”.[1] Por isto, nunca cessamos de volver para ele as nossas mais vivas solicitudes. E, na homília do primeiro aniversário da nossa coroação, quisemos inscrever entre os dias mais felizes do nosso Pontificado o dia onze de outubro passado, quando mais de quatrocentos missionários vieram à sacrossanta Basílica Vaticana para receberem das nossas mãos o crucifixo, antes de se espalharem pelo mundo todo, a serviço do Evangelho.

2. Neste campo, a Divina Providência, nos seus adoráveis e amorosos desígnios, bem cedo quis orientar o nosso ministério sacerdotal. Com efeito, terminada a primeira guerra mundial, o nosso predecessor Bento XV, de feliz memória, quis chamar-nos da nossa diocese nativa a Roma para nos dedicarmos à “Obra da propagação da fé”, à qual atendemos durante quatro felicíssimos anos da nossa vida sacerdotal. E ainda está viva na nossa mente a lembrança daquele memorável Pentecostes do ano de 1922, quando, com profunda alegria, nos foi dado participar, aqui em Roma, da celebração do terceiro centenário da fundação da S. Congregação “de Propaganda Fide”, à qual justamente está confiada a tarefa de fazer refulgir a verdade e a graça do Evangelho até aos extremos confins da terra.

3. Naqueles anos, também o nosso predecessor, de feliz memória, Pio XI, confortou-nos, com a sua palavra e com o seu exemplo, no apostolado missionário, e dos seus lábios aprendemos, na iminência do conclave em que o Espírito Santo o designaria para sucessor de Pedro, que “nada mais grandioso podia esperar-se de um vigário de Cristo, qualquer que fosse o eleito, do que o que está contido neste duplo ideal: irradiação extraordinária da doutrina evangélica no mundo, e espírito de pacificação”.[2]

Paternais solicitudes de Sumos Pontífices pelas missões

4. Com a mente cheia destas e de outras suaves recordações, e cônscio dos graves deveres que incumbem ao pastor supremo do rebanho de Deus, desejamos, veneráveis irmãos, aproveitar o 40° aniversário da memorável Carta Apostólica Maximum illud,[3] com a qual o nosso venerado predecessor Bento XV dava novo e decisivo impulso à ação missionária na Igreja para vos falar sobre as necessidades e as esperanças da dilatação do Reino de Deus naquela considerável parte do mundo onde se desenvolve o precioso e fatigante trabalho dos missionários, a fim de que surjam novas comunidades cristãs e produzam frutos salutares.

5. Sobre este assunto, também os nossos predecessores Pio XI e XII, de feliz memória, emitiram oportunas normas e exortações por meio de encíclicas, [4] que nós mesmos quisemos “confirmar com a nossa autoridade e com igual caridade” na nossa primeira encíclica.[5] Certamente, porém, nunca se fará o bastante para levar a cabo o desejo do divino Redentor, de que todas as ovelhas façam parte de um só rebanho sob a guia de um único pastor (cf. Jo 10, 16).

A nova encíclica

6. Ao volvermos a nossa particular atenção para os interesses sobrenaturais da Igreja nas terras de missão, aos nossos olhos se oferecem regiões fecundas de messes, regiões em que o trabalho dos operários da vinha de Deus é particularmente árduo, e regiões, ainda, onde a violência da perseguição e regimes hostis ao nome de Deus e de Cristo tentam sufocar a semente da palavra do Senhor (cf. Mt 13, 19). Mas em toda parte é grande a necessidade das almas, e de toda parte nos chega a invocação: “Ajuda-nos” (At 16, 9). Em todas essas zonas portanto, que foram fecundadas pelo sangue e pelo suor apostólico de heróicos arautos do Evangelho provenientes “de todas as nações que estão sob o céu” (At 2, 5), e onde agora germinam, como floração e frutificação de graça, apóstolos nativos, desejamos fazer chegar a nossa palavra afetuosa de louvor e de incentivo, e, ao mesmo tempo também de ensinamento, alimentada por uma grande esperança que não teme ser confundida, por fundar-se na infalível promessa do divino Mestre: “Eis que eu estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt 28,20); “Tende confiança: eu venci o mundo” (Jo 16,33).

I. A HIERARQUIA E O CLERO LOCAL

Apelo da epístola “Maximum illud” em favor do clero indígena

7. Passado o primeiro conflito mundial, que proporcionara lutos, devastações e desconfortos a grande parte da humanidade, a Carta Apostólica Maximum illud de Bento XV [6] ressoou como um grito de levante espiritual em favor das novas e pacíficas conquistas do Reino de Deus: o único que pode assegurar a todos os homens filhos do Pai celeste uma paz duradoura e uma prosperidade verdadeira. Desde então, num ativíssimo e fecundíssimo quarentênio de atividade missionária, um fato da maior importância veio enriquecer os já felizes progressos das missões: o desenvolvimento da hierarquia e do clero local.

8. Conformemente ao “fim último” do trabalho missionário, “que é o de constituir de modo estável a Igreja no seio dos outros povos, e de confiá-la a uma hierarquia própria, escolhida entre os cristãos do lugar”,[7] esta Sé Apostólica sempre providenciou oportuna e maduramente, e nestes últimos tempos com significativa largueza, para estabelecer ou restabelecer a hierarquia eclesiástica naquelas regiões em que as circunstâncias permitiam e aconselhavam chegar à constituição de sedes episcopais, confiando-as, quando possível, a prelados nativos do lugar. Aliás, ninguém ignora que este tem sido constantemente o programa de ação da S. Congregação “de Propaganda Fide”. Todavia, foi a Carta apostólica Maximum illud que pôs em plena evidência, como nunca antes, toda a importância e urgência do problema, relembrando uma vez mais, com acentos lacinantes e prementes, o empenho urgente, por parte de quem presidia às missões, de cuidar das vocações e da educação daquele que então se chamava clero indígena, sem que este apelativo jamais haja revestido qualquer significado de discriminação ou de diminuição, que se deve sempre excluir da linguagem dos romanos pontífices e dos documentos eclesiásticos.

Oportunos desenvolvimentos durante os Pontificados de Pio XI e Pio XII

9. Esse apelo de Bento XV, renovado pelos seus sucessores Pio XI e Pio XII, de feliz memória, já teve os seus frutos providenciais e visíveis, e por isto vos convidamos a agradecerdes conosco ao Senhor, que suscitou nas terras de missão uma falange numerosa e escolhida de Bispos e de sacerdotes, irmãos e filhos nossos caríssimos, abrindo assim o nosso coração às mais alegres esperanças. Um rápido olhar, com efeito, às simples estatísticas dos territórios confiados à S. Congregação “de Propaganda Fide”, não incluídos aqueles atualmente sujeitos a perseguições, mostra-nos que o primeiro Bispo de raça asiática foi sagrado em 1923, e os primeiros Vigários Apostólicos de raça africana foram nomeados em 1939. Até 1959, contam-se 68 Bispos de raça asiática e 25 de raça africana. O clero nativo passou, de 919 membros, em 1918, a 5.553 em 1957 para a Ásia, e de 90 membros a 1.811, no mesmo espaço de tempo, para a África. Desse modo quis o Senhor das messes (cf. Mt 9, 58) premiar as fadigas e os méritos de quantos, com sua ação direta e com sua multíplice colaboração, se dedicaram ao trabalho das missões segundo os repetidos ensinamentos desta Sé Apostólica. Com razão, portanto, o nosso predecessor Pio XII, de feliz memória, podia, com legítima satisfação, afirmar: “Outrora, a vida eclesiástica, no que é visível, desenvolvia-se ubertosamente de preferência nos países da velha Europa, de onde se difundia, qual rio majestoso, para aquela que podia dizer-se a periferia do mundo: hoje, ao invés, aparece como que uma troca de vida e de energias entre todos os membros do corpo místico de Cristo na terra. Não poucas regiões, em outros continentes, de há muito ultrapassaram o período da forma missionária da sua organização eclesiástica, são dirigidas por hierarquia própria, e dão a toda a Igreja bens espirituais e materiais, quando antes somente recebiam”.[8] Ao Episcopado e ao clero das novas Igrejas desejamos dirigir a nossa paternal exortação para que orem e ajam, de modo todo particular a fim de que o seu sacerdócio se torne fecundo, com o empenho de falar freqüentíssimamente, nas instruções catequéticas e na pregação, da dignidade, da beleza, da necessidade e do alto mérito do estado sacerdotal, de modo a inclinar todos aqueles que Deus quisesse chamar a tão excelsa honra a corresponderem, sem delongas e com ânimo grande, à vocação divina. Façam rezar, outrossim, às almas a si comadas, enquanto a Igreja toda, segundo a exortação do divino Redentor, não cessa de elevar súplicas ao céu pelas mesmas intenções, a fim de que o Senhor “envie operários à sua messe” (Lc 10, 2), especialmente nestes tempos em que “a messe é muita e poucos são os operários” (Lc 10, 12).

Fraternal colaboração entre o clero local e missionários de outros países

10. As Igrejas locais dos territórios de missão, mesmo fundadas e estabelecidas com sua própria hierarquia, seja pela vastidão de território, seja pelo número crescente dos fiéis e pela ingente multidão dos que esperam a luz do evangelho, ainda continuam a ter necessidade da obra dos missionários vindos de outros países. Deles, por outro lado, bem se pode dizer: “Absolutamente não são estrangeiros, visto que todo sacerdote católico no desenvolvimento das suas atribuições acha-se como que na sua pátria, onde quer que o reino de Deus floresce ou está nos seus inícios”.[9] Trabalhem, pois, todos juntos, na harmonia de uma fraternal, sincera e delicada caridade, seguro reflexo do amor que eles têm ao Senhor e à sua Igreja, em perfeita, alegre e filial obediência aos bispos “que o Espírito Santo pôs para regerem a Igreja de Deus” (At 20, 28), cada um grato ao outro pela colaboração oferecida, “um só coração e uma só alma” (At 4, 32), a fim de que pelo modo como eles se amam refulja aos olhos de todos que eles são verdadeiramente discípulos daquele que aos homens deu como primeiro e maior preceito, como mandamento “novo” e seu, o do mútuo amor (cf. Jo 13, 34; 15, 12).

II. A FORMAÇÃO DO CLERO LOCAL

Primado da formação espiritual na educação do clero jovem

11. O nosso predecessor Bento XV, na carta apostólica Maximum illud, teve a peito inculcar aos dirigentes de missão que as suas solicitudes mais assíduas deviam ser dirigidas à “completa e perfeita”[10] formação do clero local, como aquele que, “tendo comuns com os seus conacionais a origem, a índole, a mentalidade e as aspirações, é maravilhosamente apto para lhes instilar nos corações a fé, porque mais do que qualquer outro conhece as vias da persuasão”.[11]

12. É apenas necessário lembrar que uma educação sacerdotal perfeita deve ser antes de tudo dirigida à aquisição das virtudes próprias do santo estado, sendo este o primeiro dever do sacerdote, isto é, “o dever de atender à própria santificação”.[12] O novo clero nativo deve entrar numa santa porfia com o clero das dioceses mais antigas, que deu ao mundo sacerdotes que, pela heroicidade das suas virtudes exemplares e pela eloqüência viva do seu exemplo, mereceram ser propostos como modelo do clero de toda a Igreja. Efetivamente, é especialmente pela santidade que o clero pode demonstrar que é luz e sal da terra (cf. Mt 5,13-14), isto é, da sua própria nação e de todo o mundo, pode convencer da beleza e poder do Evangelho, pode eficazmente ensinar aos fiéis que a perfeição da vida cristã é uma meta à qual podem e devem tender com todo esforço e com perseverança todos os filhos de Deus, seja qual for a sua origem, o seu ambiente, a sua cultura e a sua civilização.

13. No nosso ânimo paterno contemplamos o dia em que o clero local poderá em toda parte dar indivíduos capazes de educarem na santidade os próprios alunos do santuário, como seus guias espirituais. Aos Bispos e aos dirigentes de missões lançamos, antes, o convite de não hesitarem em escolher desde já, entre o clero local, sacerdotes que pela sua virtude e pela sua prudência inspirem confiança de serem, para os seminaristas seus compatrícios, mestres seguros na formação espiritual.

Educação adaptada ao ambiente

14. Além disto, a Igreja, como bem sabeis, veneráveis irmãos, sempre exigiu que os seus sacerdotes sejam tornados aptos para seu ministério mediante uma educação intelectual sólida e completa. Que de tanto sejam capazes os jovens de todas as raças e provenientes de todas as partes do mundo, isto nem sequer vale mais a pena lembrá-lo, tanto os fatos e a experiência o demonstraram com evidência. Obviamente, a formação do clero local deve ter na devida conta os fatores ambientais próprios das várias regiões. Para todos os candidatos ao sacerdócio vigora a sapientíssima norma segundo a qual eles não devem ser formados “num ambiente por demais arredio do mundo”[13], visto que desse modo, “quando forem para o meio da sociedade, encontrarão sérias dificuldades nas relações com o povo e com a classe culta, e daí sucederá, com freqüência ou assumirem eles uma atitude errada e falsa para com os fiéis, ou considerarem desfavoravelmente a formação recebida”.[14] Eles deverão ser sacerdotes espiritualmente perfeitos, mas também, “gradual e prudentemente inseridos naquela parte do mundo”[15] que lhes coube por sorte, para que a iluminem com a verdade, a santifiquem com a graça de Cristo. Para tal fim, também no que respeita ao regime de vida do seminário, convém insistir sobre o modo de viver local, não porém sem pôr a fruto todas aquelas facilitações de ordem técnica ou material que já agora são bem e patrimônio de todas as civilizações, enquanto representam um real progresso para um teor de vida mais elevado e para uma mais adequada salvaguarda das forças físicas.

Educação no senso de responsabilidade e no espírito de iniciativa

15. A formação do clero autóctone, dizia o nosso predecessor Bento XV, deve visar a torná-lo capaz de tomar em mãos, apenas isso for possível, o governo das novas Igrejas, e de guiar, com o ensino e com o ministério, os próprios compatrícios na trilha da salvação.[16] Para tal fim, afigura-se-nos sumamente oportuno que todos aqueles que, ou alienígenas ou nativos, cuidam dessa formação, se empenhem conscienciosamente em desenvolver nos seus alunos o senso de responsabilidade e o espírito de iniciativa,[17] de modo que estes estejam em condições de assumir bem depressa e progressivamente todas as tarefas, mesmo as mais importantes, inerentes ao seu ministério, em perfeita concórdia com o clero alienígena, mas também em igual medida. Esta será, com efeito, a prova da real eficácia da educação a eles ministrada, e constituirá o coroamento e o prêmio melhor dos que para ela contribuíram.

Utilização dos valores locais

16. Em vista justamente de uma formação intelectual que leve em conta as necessidades reais e da mentalidade de cada povo, esta Sé Apostólica sempre recomendou os estudos especiais de missionologia não só para o clero alienígena, como também para o clero nativo. Assim o nosso predecessor Bento XV, decretava a instituição do ensino de matérias missionárias no Pontifício ateneu Urbaniano “de Propaganda Fide”, [18] e Pio XII salientava com satisfação a ereção do Instituto missionário científico no mesmo ateneu Urbaniano, “e a instituição, quer em Roma, quer noutros lugares, de faculdades e cátedras de missionologia”.[19] Por isto os programas dos seminários locais em terra de missão não deixarão de assegurar cursos de estudo nos vários ramos da missionologia e o ensino dos diversos conhecimentos e técnicas especialmente úteis para o ministério futuro do clero daquelas regiões. Para tal fim prover-se-á a um ensino que, no espírito da mais pura e sólida tradição eclesiástica, saiba formar acuradamente o juízo dos sacerdotes sobre os valores culturais locais especialmente filosóficos e religiosos, na sua relação com o ensino e a religião cristã. “A Igreja Católica – disse o nosso imortal predecessor Pio XII – não despreza ou rejeita completamente o pensamento pagão, mas, antes, depois de o haver purificado de toda escória de erro, completa-o e aperfeiçoa-o com sabedoria cristã. Assim igualmente ela acolheu o progresso no campo das ciências e das artes… e consagrou de alguma maneira os costumes particulares e as tradições antigas dos povos; as próprias festas pagãs, transformadas, serviram para celebrar as memórias dos mártires e os divinos mistérios”.[20] Nós mesmo já manifestamos o nosso pensamento sobre este assunto: “Em toda parte… onde autênticos valores de arte e de pensamento são suscetíveis de enriquecer a família humana, a Igreja está pronta a favorecer tais trabalhos do espírito. Ela mesma, como sabeis, não se identifica com nenhuma cultura, nem mesmo com a cultura ocidental, à qual a sua história está estreitamente ligada. Porque a sua missão pertence a uma outra ordem, à ordem da salvação religiosa do homem. Porém a Igreja, tão rica de juventude que incessantemente se renova ao sopro do Espírito, está sempre disposta a reconhecer, antes a acolher, e mesmo animar, tudo aquilo que é de honra para a inteligência e para o coração humano nas outras partes do mundo, diverso desta bacia mediterrânea, que foi berço providencial do cristianismo”.[21]

Penetração entre as classes cultas

17. Bem preparados e adestrados neste campo tão difícil e importante, no qual estão em condições de oferecer contributos bastante preciosos, os sacerdotes nativos poderão, sob a direção dos seus Bispos, dar vida a movimentos de penetração mesmo entre as classes cultas, especialmente nas nações de antiga e alta cultura, a exemplo de famosos missionários, dos quais basta citar por todos o Pe. Matteo Ricci. Com efeito, também ao clero nativo cabe a tarefa de “reduzir todo intelecto ao obséquio de Cristo” (cf. 2Cor 10,5), como dizia aquele incomparável missionário que foi S. Paulo, e assim “atrair a si, na pátria, a estima mesmo das personalidades e dos doutos”.[22] A seu juízo, os Bispos providenciem oportunamente no sentido de constituir, para as necessidades de uma ou mais regiões, centros de cultura, nos quais missionários alienígenas e sacerdotes nativos tenham meios de fazer frutificar o seu preparo intelectual e a sua experiência em beneficio da sociedade em que vivem por escolha ou por nascimento. Neste campo é necessário também lembrar aquilo que o nosso imediato predecessor Pio XII sugeriu, isto é, que é dever dos féis “multiplicar e difundir a imprensa católica em todas as suas formas” [23], e preocupar-se outrossim com as “técnicas modernas de difusão e de cultura, sabida como é a importância de uma opinião pública formada e iluminada”.[24] Nem tudo se poderá fazer em toda parte, mas não se deve perder nenhuma boa ocasião para prover a estas reais e urgentes necessidades, mesmo se às vezes “quem semeia não é o mesmo que colhe” (Jo 4,37).

Cautelas nos empreendimentos de caráter social e assistencial

18. A difusão da verdade e da caridade de Cristo é a verdadeira missão da Igreja, que tem o dever de oferecer aos povos, “na medida máxima possível, as substanciais riquezas da sua doutrina e da sua vida, animadora de uma nova ordem social cristã”.[25] Por isto, nos territórios de missão, ela provê com toda a largueza possível também a iniciativas de caráter social e assistencial que são de sumo proveito para as comunidades cristãs e para os povos entre os quais elas vivem. Tenha-se, todavia, o cuidado de não atravancar o apostolado missionário com um complexo de instituições de ordem puramente profana. Fique-se nos limites daqueles serviços indispensáveis de fácil manutenção e de uso fácil, cujo funcionamento possa o mais depressa possível ser posto nas mãos do pessoal local, e disponham-se as coisas de modo que ao pessoal propriamente missionário seja oferecida a possibilidade de dedicar as melhores energias ao ministério de ensino, de santificação e de salvação.

Formação no espírito de caridade universal

19. Se é verdade que, para um apostolado o mais amplamente frutífero, é de primária importância que o sacerdote nativo conheça e saiba com toda inteligência e prudência estimar os valores locais, com ainda maior razão ficará sendo verdade que para ele vale aquilo que o nosso imediato predecessor dizia de todos os fiéis: “As perspectivas universais da Igreja serão as perspectivas normais da sua vida cristã”.[26] Para tal fim, deverá o clero local ser não somente informado dos interesses e das vicissitudes da Igreja universal, mas também deverá ser educado numa íntima, universal respiração de caridade. S. João Crisóstomo dizia das celebrações litúrgicas cristãs: “Quando estamos no altar, oramos antes de tudo pelo mundo inteiro e pelos interesses coletivos [27]; e Santo Agostinho lindamente afirmava: “Se queres amar Cristo, derrama a caridade por toda a terra, porque os membros de Cristo estão no mundo inteiro”.[28].

20. No desejo, justamente, de salvaguardar em toda a sua pureza este espírito católico que deve animar a obra dos missionários, o nosso predecessor Bento XV não hesitou em denunciar com expressões severas um perigo que podia fazer perder de vista as altíssimas finalidades do apostolado missionário e, assim, comprometer-lhe a eficácia: “Seria coisa bem triste se algum missionário se revelasse tão descuidado de sua dignidade que pensasse mais na pátria terrena do que na celeste, e se preocupasse excessivamente com dilatar o poder dela e lhe estender a glória. Este modo de agir constituiria um dano funestíssimo para o apostolado, e, no missionário, extinguiria todo impulso de caridade para com as almas e lhe diminuiria o prestígio na opinião do povo”.[29]

21. O mesmo perigo poderia hoje repetir-se sob outras formas, pelo fato de em muitos territórios de missão ir-se tornando geral a aspiração dos povos ao autogoverno e à independência, e a conquista das liberdades civis poder infelizmente acompanhar-se de excessos que absolutamente não estão em harmonia com os autênticos e profundos interesses espirituais da humanidade.

22. Estamos plenamente confiante de que o clero nativo, movido por sentimentos e por propósitos superiores em conformidade com as exigências universalistas da religião cristã, contribuirá outrossim para o bem real da própria nação.

23. “A Igreja de Deus é católica, e não é estrangeira, para nenhum povo ou nação”,[30] dizia o mesmo nosso predecessor, e nenhuma Igreja local poderá exprimir a sua união vital com a Igreja universal se o seu clero e o seu povo se deixarem sugestionar pelo espírito particularista, por sentimentos de malevolência para com os outros povos, por um mal compreendido nacionalismo que destruiria a realidade dessa caridade universal que edifica a Igreja de Deus, a única verdadeiramente “católica”.

III. O LAICATO DAS MISSÕES

Os leigos na vida da Igreja

24. Insistindo sobre a necessidade de preparar com o maior zelo o advento do clero autóctone e de formá-lo adequadamente para sua finalidade, o nosso venerado predecessor Bento XV certamente não pretendeu excluir a importância, também fundamental, de um laicato nativo à altura da sua vocação cristã e empenhado no apostolado. Isso fê-lo expressamente e com todo o relevo o nosso imediato predecessor Pio XII,[31] que muitas vezes voltou sobre este assunto vital que, hoje mais do que nunca, se impõe à consideração e requer ser resolvido, em toda parte, na medida máxima possível.

25. O mesmo Pio XII – e isto redunda em seu singular mérito e louvor – com copiosa doutrina e renovados incitamentos advertiu e incentivou os leigos a assumirem solicitamente o seu lugar ativo no campo do apostolado em colaboração com a hierarquia eclesiástica; com efeito, desde os primórdios da história cristã e em todas as épocas sucessivas, esta colaboração dos fiéis fez com que os Bispos e o clero pudessem eficazmente desenvolver a sua obra entre os povos, quer no campo propriamente religioso, quer no campo social. Pode e deve isto verificar-se também nos nossos tempos, que, antes, revelam maiores necessidades, proporcionais a uma humanidade numericamente mais vasta e com exigências espirituais multiplicadas e complexas. Aliás, onde quer que a Igreja é fundada, deve estar sempre presente e ativa com toda a sua estrutura orgânica, e portanto não somente com a hierarquia nas suas várias ordens, mas também com o laicato: e, portanto, é por meio do clero e dos leigos que ela deve necessariamente desenvolver a sua obra de salvação.[32]

Metas na formação do laicato em terra de missão

26. Nas novas cristandades, não se trata somente de proporcionar, com as conversões e os batismos, um grande número de cidadãos ao reino de Deus, mas também de os tornar aptos, por uma adequada educação e formação cristã, a assumirem, cada um segundo a sua condição e as suas possibilidades, as suas responsabilidades na vida e no futuro da Igreja. O número dos cristãos pouco significaria se faltasse a qualidade, se faltasse a solidez dos próprios fiéis na profissão cristã, e se faltasse o aprofundamento da sua vida espiritual; e se, depois de haverem nascido para a fé e para a graça, eles não fossem ajudados a progredir na juventude e na madureza do espírito que dá impulso e prontidão para o bem. Com efeito, a profissão de fé cristã não pode ser reduzida a um dado anagráfico, mas deve investir e modificar o homem no profundo (cf. Ef 4, 24), dar significado e valor a todas as suas manifestações.

Particulares deveres do clero

27. Os leigos não poderão chegar a essa meta de madureza se o clero, quer alienígena, quer nativo, não se propuser oportunamente o programa já sugerido, nas suas linhas essenciais, pelo primeiro Papa: “Sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” (1Pd 2,9).

28. Uma instrução e educação cristã que se considerasse satisfeita por haver ensinado e feito aprender as fórmulas do catecismo e os preceitos fundamentais da moral cristã com uma casuística sumária, sem envolver a conduta prática, expor-se-ia ao risco de proporcionar à Igreja de Deus um rebanho por assim dizer passivo. O rebanho de Cristo, ao invés, é formado de ovelhas que não só escutam o seu Pastor, mas têm a capacidade de reconhecê-lo e de lhe reconhecerem a voz (cf. Jo 10, 4, 14), de segui-lo fielmente, e com plena consciência, aos pastos da vida eterna (Jo 10, 9, 10), para poderem merecer um dia, do Príncipe dos Pastores, “a coroa imarcescível da glória” (1Pd 5,4), ovelhas que, conhecendo e seguindo o Pastor que por elas deu a vida (cf. Jo 10, 11), estejam prontas a dedicar a ele sua vida e a lhe cumprirem a vontade de levar a fazerem parte do único ovil as outras ovelhas que não o seguem, mas vagueiam longe dele, que é caminho, verdade e vida (Jo 14, 6).

29. O impulso apostólico pertence essencialmente à profissão de fé cristã: com efeito, “cada um é obrigado a difundir no meio dos outros a sua fé, seja para instruir ou confirmar os outros fiéis, seja ainda para repelir os ataques dos infiéis”,[33] especialmente nos tempos, como os nossos, em que o apostolado é uma tarefa urgente para as difíceis circunstâncias em que se acham a humanidade e a Igreja.

30. A fim de que seja possível uma completa e intensa educação cristã, requer-se que os educadores sejam capazes de achar as vias e os meios mais aptos para penetrar nas várias psicologias, por onde facilitar ao máximo, nos novos cristãos, a assimilação profunda da verdade com todas as suas exigências. O nosso Salvador, com efeito, impôs a cada um de nós o cumprimento deste supremo mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente” (Mt 22, 37). Aos olhos dos fiéis deve bem depressa brilhar em todo o seu esplendor a sublimidade da vocação cristã, a fim de que eficazmente se lhes acenda no coração o desejo e o propósito de uma vida virtuosa e ativa, moldada na própria vida do Senhor Jesus, que, tendo assumido a natureza humana, nos mandou seguir os seus exemplos (cf.1 Pd 2, 21; Mt 11, 29; Jo 13, 15).

Deveres do leigo de testemunhar a verdade

31. Todo cristão deve estar convicto do seu fundamental e primordial dever de ser testemunha da verdade em que crê e da graça que o transformou. “Cristo – dizia um grande Padre da Igreja – deixou-nos na terra a fim de que nos tornássemos faróis que iluminam, doutores que ensinam; a fim de que cumpríssemos o nosso dever de fermento; a fim de que nos comportássemos como anjos, como anunciadores entre os homens; a fim de que fôssemos adultos entre os menores, homens espirituais entre os carnais a fim de os ganharmos; a fim de que fôssemos semente e déssemos frutos numerosos. Nem sequer seria necessário expor a doutrina, se a nossa vida fosse irradiante a esse ponto; não seria necessário recorrer às palavras, se as nossas obras dessem um tal testemunho. Não haveria mais nenhum pagão, se nos comportássemos como verdadeiros cristãos”.[34]

32. Como é fácil de compreender, este é o dever de todos os cristãos do mundo inteiro. Mas é fácil compreender que, nos países de missão, ele poderia produzir frutos especiais e particularmente preciosos para os fins da dilatação do reino de Deus mesmo junto àqueles que não conhecem a beleza da nossa fé e o poder sobrenatural da graça, como já nos exortava Jesus: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, a fim de que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16); e S. Pedro advertia amorosamente os fiéis: “Exorto-vos, ó caros,… a que vos abstenhais dos desejos carnais, que promovem a guerra contra alma. Seja bom o vosso comportamento entre os gentios para que, mesmo que falem mal de vós, como se fôsseis malfeitores, vendo as vossas boas obras glorifiquem a Deus, no dia da Visitação” (1 Pd 2, 12).

Eficácia do testemunho da caridade

33. O testemunho dos indivíduos precisa ser confirmado e ampliado pelo da comunidade cristã inteira, à semelhança do que acontecia na estação primaveril da Igreja, quando a união compacta e perseverante de todos os fiéis “no ensino dos Apóstolos e na comum fração do pão e nas orações” (At 2, 42) e no exercício da mais generosa caridade, era motivo de satisfação profunda e de mútua edificação; com efeito, eles “louvavam a Deus e eram bem vistos por todo o povo. E o Senhor aumentava cada dia aqueles que vinham à salvação” (At 2, 47).

34. A união nas orações e na participação ativa na celebração dos mistérios divinos na liturgia da Igreja contribui de maneira particularmente eficaz para a plenitude e riqueza da vida cristã dos indivíduos e da comunidade, e é um meio admirável para educar naquela caridade que é o sinal distintivo do cristão; uma caridade que foge de toda discriminação social lingüística e racial, que estende os braços e o coração a todos, irmãos e inimigos. Sobre este assunto apraz-nos fazer nossas as palavras do nosso predecessor S. Clemente Romano: “Quando (os gentios) ouvem de nós que Deus diz: Não há mérito para vós se amais aqueles que vos amam, mas há mérito se amais os inimigos e os que vos odeiam (cf. Lc 6, 32-35), ao ouvirem estas palavras eles admiram esse altíssimo grau de caridade. Mas, quando vêem que nós não só não amamos os que nos odeiam, mas nem sequer amamos aqueles que nos amam, eles riem de nós, e o nome de Deus é blasfemado”.[35] O maior dos missionários, s. Paulo Apóstolo, escrevendo aos Romanos no momento em que se preparava para evangelizar o extremo Ocidente, exortava à “caridade sem fingimento” (Rm 12, 9ss), depois de haver elevado um hino sublime a esta virtude “sem a qual o cristão nada é” (l Cor 13, 2).

Dever de contribuir para as necessidades materiais da comunidade

35. A caridade torna-se, outrossim, visível no socorro material, como afirmava o nosso imortal predecessor Pio XII: “O corpo exige também uma multidão de membros, unidos entre si para se prestarem mútuo auxílio. Se no nosso organismo mortal, quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele, dando os membros sãos o próprio auxílio aos doentes, igualmente na Igreja todo membro não vive unicamente para si, mas ajuda também os outros para a sua mútua consolação, como também para um melhor desenvolvimento de todo o corpo místico”.[36]

36. As necessidades materiais dos fiéis incluem também a do organismo eclesiástico, e, para isso, é bom que os fiéis nativos se habituem a sustentar espontaneamente, na medida das suas possibilidades, as suas Igrejas, as suas instituições e o clero que a eles se dedicou completamente. Não importa se este contributo não pode ser notável; o importante é que seja testemunho sensível de uma viva consciência cristã.

IV. DIRETRIZES PARA O APOSTOLADO LEIGO NAS MISSÕES

Preparação para o apostolado

37. Os fiéis cristãos, membros de um organismo vivo, não podem ficar encerrados em si mesmos e acreditar que basta ter pensado e providenciado sobre as próprias necessidades espirituais para ter cumprido todo o seu dever. Em vez disso, cada um por sua própria parte deve contribuir para o incremento e para a difusão do reino de Deus na terra. O nosso predecessor Pio XII lembrou a todos este dever universal: “A catolicidade é uma nota essencial da verdadeira Igreja: a tal ponto que um cristão não é verdadeiramente afeiçoado e devotado à Igreja se não é igualmente afeiçoado e devotado à universalidade dela, desejando que ela lance raízes e floresça em todos os lugares da terra”.[37]

38. Todos devem entrar numa porfia de santa emulação e dar assíduos testemunhos de zelo para o bem espiritual do próximo, para a defesa da própria fé, para fazê-la conhecer a quem a ignora completamente ou a quem mal a conhece e por isto a julga mal. Desde a infância e desde a adolescência, mesmo nas mais jovens comunidades cristãs é necessário que o clero, as famílias e as várias organizações locais de apostolado inculquem este santo dever. Depois, há algumas ocasiões particularmente felizes, em que tal educação no apostolado pode achar o lugar mais adequado e a expressão mais convincente. Tal é, por exemplo, a preparação dos rapazes e dos neo-batizados para o sacramento da Confirmação, com o qual “é infundida nos crentes uma nova força para defenderem a santa mãe Igreja e a fé que dela receberam”;[38] preparação esta sumamente oportuna, especialmente lá onde existem nos costumes locais cerimônias apropriadas de iniciação a fim de preparar os jovens para o ingresso oficial no seu grupo social.

Os catequistas

39. Aqui não podemos deixar de dar o justo relevo à obra dos catequistas, que na longa história das missões católicas se têm demonstrado de insubstituível auxílio. Eles sempre foram o braço direito dos operários do Senhor, e lhes têm compartilhado e aliviado as fadigas a ponto de os nossos predecessores terem podido considerar seu recrutamento e sua formação cuidadosíssima entre os “pontos importantíssimos para a difusão do Evangelho”,[39] e os terem definido como “o caso talvez mais clássico do apostolado leigo”.[40] A eles renovamos os mais amplos elogios, e exortamo-los a meditarem sempre mais na felicidade espiritual da sua condição e a nunca desistirem de todo esforço para enriquecerem e aprofundarem, sob a guia da hierarquia, a sua instrução e formação moral. Os catecúmenos devem aprender deles não somente os rudimentos da fé, mas também a prática da virtude, o amor grande e sincero a Cristo e à sua Igreja. Todo cuidado dedicado ao aumento do número destes eficacíssimos auxiliares da hierarquia e à sua adequada formação, e todo sacrifício dos catequistas para cumprirem de modo mais apto e perfeito a sua tarefa, será um contributo de imediata eficácia para a fundação e para o progresso das novas comunidades cristãs.

A Ação Católica

40. Na nossa primeira encíclica já evocamos os múltiplos motivos graves que impõem hoje, em todos os países do mundo, recrutar os leigos “para o pacífico exército da Ação católica, com o intento de os ter como colaboradores no apostolado da hierarquia eclesiástica”.[41] Também manifestamos a nossa satisfação por “tudo o que foi feito no passado, mesmo em terras de missão, por esses preciosos colaboradores dos bispos e dos sacerdotes”,[42] e queremos aqui renovar, com toda a urgência da caridade que nos impele (cf. 2 Cor 5, 14), o aviso e o apelo do nosso predecessor Pio XII “sobre a necessidade de que todos os leigos nas missões, afluindo numerosíssimos às fileiras da Ação católica, colaborem ativamente no apostolado com a hierarquia eclesiástica”.[43] Os Bispos dos países de missão, o clero secular e regular, os fiéis mais generosos e preparados, têm realizado os esforços mais louváveis para traduzirem em ato esta vontade do sumo pontífice, e pode-se dizer que em toda parte há, já agora, uma floração de iniciativas e de obras. Nunca, porém, se insistirá bastante sobre a necessidade de adaptar convenientemente esta forma de apostolado às condições e exigências locais. Não basta transferir para um país aquilo que foi feito noutro, mas, sob a guia da hierarquia e no espírito da mais alegre obediência aos sagrados pastores, é preciso fazer com que a organização não resulte numa sobrecarga que estorve ou desperdice preciosas energias, com movimentos fragmentários e de excessiva especialização que, necessários noutra parte, poderiam resultar menos úteis em ambientes onde as circunstâncias e as necessidades são completamente diversas. Na nossa primeira encíclica também prometemos voltar com maior amplitude a este assunto da Ação católica, e a seu tempo também os países de missão poderão tirar dela proveito e impulso novo. Nesse ínterim, trabalhem todos em plena concórdia e com espírito sobrenatural, na convicção de que só assim poderão gloriar-se de pôr as suas forças a serviço da causa de Deus, da elevação espiritual e do melhor progresso dos seus povos.

Formação dos dirigentes leigos

41. A Ação católica é uma organização de leigos “com funções executivas próprias e responsáveis”; [44] os leigos, portanto, compõem-lhe os quadros diretivos. Isto comporta a formação de homens capazes de imprimir às várias associações o impulso apostólico e de lhes assegurar o melhor funcionamento; para isso, homens e mulheres que, por serem dignos de se verem confiar pela hierarquia a direção central ou periférica das associações, devem fornecer as mais amplas garantias de uma formação cristã intelectual e moral solidíssima, em virtude da qual possam, “transfundir nos outros aquilo que com o auxílio da graça divina, já possuem”.[45]

42. Bem se pode dizer que a sede natural desta formação dos dirigentes leigos de Ação católica é a escola. E a escola cristã justificará a sua razão de ser na medida em que os seus mestres, sacerdotes e leigos, religiosos e seculares, conseguirem formar sólidos cristãos.

43. Ninguém ignora a importância que sempre teve e terá a escola nos países de missão, e quanta energia a Igreja tem empregado na instituição de escolas de toda ordem e grau, e na defesa da sua existência e prosperidade. Mas, como é óbvio, um programa de formação de dirigentes de Ação católica, dificilmente pode achar o seu lugar nos cursos escolares, para os quais as mais das vezes será necessário confiar-se a iniciativas extra-escolares, que reúnam os jovens de melhores esperanças, para instruí-los e formá-los no apostolado. Para isto, os ordinários procurarão estudar a melhor forma para dar vida a escolas de apostolado, cujos métodos educativos obviamente são diferentes dos métodos escolares públicos. Às vezes se tratará também de preservar de falsas doutrinas meninos e jovens que são forçados à freqüentar escolas não-católicas; em todo caso será necessário contrabalançar a educação humanística e técnica recebida nas escolas públicas por uma educação espiritual particularmente inteligente e intensa, a fim de que não suceda produzir a instrução indivíduos falsamente evoluídos, cheios de pretensões, e mais nocivos do que úteis à Igreja e aos povos. A sua formação espiritual deve ser proporcional ao seu grau de desenvolvimento intelectual, dirigida a prepará-los para viverem catolicamente no seu ambiente social e profissional, e para, a seu tempo, assumirem o seu lugar na vida católica organizada. Para tal fim, no caso em que jovens cristãos sejam forçados a deixar a sua comunidade para freqüentarem em outras cidades as escolas públicas, será oportuno cogitar da instituição de “pensionatos” e lugares de encontro que lhes assegurem um ambiente religioso e moralmente sadio, conveniente e apto para lhes encaminhar as capacidades e energias para os ideais apostólicos. Atribuindo às escolas uma tarefa especial e particularmente eficaz na formação dos dirigentes de Ação católica, certamente não queremos subtrair às famílias a sua parte de responsabilidade, nem negar a sua influência, que pode ser mesmo mais vigorosa e eficaz do que a da escola, em alimentar em seus filhos a chama do apostolado e em cuidar de uma formação cristã sempre mais madura e aberta à ação. A família é, com efeito, uma escola ideal e insubstituível.

A função do laicato autóctone nos vários ambientes

44. O “bom combate” (2Tm 4,7) pela fé leva-se a efeito não somente no segredo da consciência ou na intimidade do lar, mas também na vida pública em todas as suas formas. Em todos os países do mundo suscitam-se hoje em dia problemas de vária natureza, cujas soluções são procuradas apelando-se, as mais das vezes, só para os recursos humanos, e obedecendo a princípios que nem sempre estão de acordo com as exigências da fé cristã. Além disto, muitos territórios de missão estão atravessando “uma fase de evolução social, econômica e política pejada de conseqüências para o seu futuro”.[46] Problemas que em outras nações, ou já foram resolvidos ou acham na tradição elementos de solução, impõem-se a outros países com uma urgência que não é isenta de perigos, enquanto poderia aconselhar soluções apressadas e emprestadas, com deplorável leviandade, por doutrinas que não levam em nenhuma conta, ou positivamente contradizem, os interesses religiosos dos indivíduos e dos povos. Para o seu bem particular e para o bem público da Igreja, os católicos não podem nem ignorar tais problemas, nem esperar que a eles sejam dadas soluções prejudiciais que no futuro exigiriam um esforço bem maior de correção e representariam ulteriores obstáculos à evangelização do mundo.

45. No campo da atividade pública os leigos dos países de missão têm a sua mais direta e preponderante ação, e é necessário providenciar com a máxima oportunidade e urgência para que as comunidades cristãs ofereçam às suas pátrias terrenas, para o seu bem comum, homens que honrem as várias procissões e atividades ao mesmo tempo que honram, com a sua sólida vida cristã, a Igreja que os regenerou para a graça, de modo que os sagrados pastores possam repetir-lhes o louvor que lemos nos escritos de S. Basílio: “Tenho agradecido a Deus Santíssimo pelo fato de que, mesmo estando ocupados nos negócios públicos, não tenhais descurado os negócios da Igreja; ao contrário, cada um de vós tem-se preocupado com eles como se se tratasse de um negócio pessoal do qual depende a sua própria vida”.[47]

46. Em particular no campo dos problemas e da organização da escola, da assistência social organizada, do trabalho, da vida política, a presença de peritos católicos poderá ter a mais feliz e benéfica influência se eles souberem – como é seu preciso dever que não os poderiam descurar sem acusação de traição – inspirar as suas intenções e a sua ação nos princípios cristãos, que uma longuíssima história demonstra eficientes e decisivos para proporcionar o bem comum.

47. Para tal fim, como já exortava o nosso predecessor Pio XII, de feliz memória, não será difícil convencer-se da preciosidade e da importância da ajuda fraterna que as Organizações internacionais católicas poderão prestar ao apostolado leigo nos países de missão, quer no plano científico, com o estudo da solução cristã a dar aos problemas especialmente sociais das novas nações, quer no plano apostólico, sobretudo para a organização do laicato cristão ativo. Conhecemos o que já tem sido feito e se vai fazendo por parte de leigos missionários, que escolheram abandonar temporária ou definitivamente a sua pátria para contribuírem com multíplice atividade para o bem social e religioso dos países de missão, e ardentemente rogamos ao Senhor que multiplique as falanges destes generosos e os ampare nas dificuldades e nas fadigas que afrontam com espírito apostólico. Os institutos seculares poderão dar às necessidades do laicato nativo em terra de missão uma ajuda incomparávelmente fecunda-se, com o seu exemplo, suscitarem imitadores e puserem à disposição dos ordinários as suas forças para acelerar o processo de madureza das jovens comunidades.

48. O nosso apelo vai também a todos aqueles leigos católicos que por toda parte se destacam nas profissões e na vida pública, afim de que considerem seriamente a possibilidade de ajudar seus novos irmãos de fé, mesmo sem abandonarem a sua pátria. O seu conselho, a sua experiência, a sua assistência técnica poderão, sem excessivo trabalho e sem graves incômodos, trazer um contributo às vezes resolutivo. Não faltará aos bons o espírito de iniciativa para traduzir na prática este nosso paternal desejo, fazendo-o conhecer lá onde ele puder ser acolhido, incentivando as boas disposições e fazendo achar o seu melhor emprego.

Os estudantes nativos nos países de missão

49. O nosso imediato predecessor exortou os bispos a que, com espírito de colaboração fraterna e desinteressada, provessem à assistência espiritual dos jovens católicos vindos, de países de missão, para as suas dioceses, afim de realizarem os seus estudos e adquirirem experiências que os coloquem em condições de assumirem funções diretivas no seu próprio país.[48] A que perigos intelectuais e morais estejam eles expostos numa sociedade que não é a sua e que infelizmente, muitas vezes, não é capaz de lhes sustentar a fé e incentivar a virtude, cada um de vós, veneráveis irmãos, perceberá, e, movido pela consciência do dever missionário que incumbe a todos os sagrados pastores, proverá a isso com a mais solícita caridade e pelos meios mais adequados. Não vos será difícil descobrir esses estudantes, confiá-los a sacerdotes e leigos particularmente dotados para esse ministério, assisti-los espiritualmente, fazer-lhes sentir e experimentar a fragrância e os recursos da caridade cristã que nos faz todos irmãos e solícitos um do outro. Aos tantos e tão tangíveis auxílios que dais às missões junte-se este, que vos torna mais imediatamente presente um mundo geograficamente distante, mas espiritualmente também vosso.

50. A esses estudantes, depois, queremos não somente dizer todo o nosso amor, mas também dirigir um premente, afetuoso aviso para que levem por toda parte a fronte erguida, marcada pelo sangue de Cristo e pela unção do sagrado crisma, e para que aproveitem a sua permanência no estrangeiro não só para a sua formação profissional, mas também para a ampliação e o aperfeiçoamento da sua formação religiosa. Poderão eles achar-se expostos a muitos danos, mas se acham também na boa ocasião de tirarem muitas vantagens espirituais da sua permanência nas nações católicas, visto que todo cristão, qualquer que seja e em qualquer parte da terra tenha nascido, tem sempre o dever do bom exemplo e da mútua educação espiritual.

CONCLUSÃO

51. Depois de vos haver falado, veneráveis irmãos, sobre as necessidades atuais mais características da Igreja nas terras de missão, não podemos deixar de exprimir a nossa comovida gratidão a todos os que se prodigalizam pela causa da propagação da fé até os extremos confins do mundo. Aos caros missionários do clero secular e regular, às religiosas tão exemplarmente generosas e tão preciosas para as várias necessidades das missões, aos leigos missionários prontamente acorridos às fronteiras da fé, asseguramos as nossas particularíssimas e cotidianas preces e qualquer outro auxílio que esteja em nosso poder prestar. O sucesso da vossa obra, visível mesmo na fecundidade espiritual das jovens comunidades cristãs, é o sinal do agrado e da bênção de Deus, e ao mesmo tempo atestam a solércia e a sabedoria com que a S. Congregação “de Propaganda Fide” e a S. Congregação para a Igreja oriental cumprem os dedicados deveres que lhes são confiados.

52. A todos os Bispos, clero e fiéis das dioceses do mundo inteiro que contribuem com suas preces e com suas ofertas para as necessidades espirituais e materiais das missões, dirigimos o incitamento para intensificarem ainda mais esta necessária colaboração. Não obstante e escassez de clero que preocupa os pastores mesmo das mais antigas dioceses, não se tenha a mínima hesitação em incentivar as vocações missionárias e em se privar de excelentes súditos leigos para os colocar à disposição das novas dioceses. Deste sacrifício não se tardará a colher os frutos sobrenaturais. A emulação de generosidade que vê todos os fiéis do mundo assiduamente empenhados nas manifestações de zelo e de tangível caridade em vantagem das Obras que, na dependência da Sagrada Congregação “de Propaganda Fide”, encaminham os socorros provenientes de toda parte para as destinações mais úteis e mais urgentes, aumente tanto quanto incessantemente crescem as necessidades. A caridade solícita e concreta dos irmãos incentivará os fiéis das jovens comunidades, e far-lhes-á sentir o calor de um afeto sobrenatural que a graça alimenta no coração.

53. Muitas dioceses e comunidades cristãs das terras de missão sofrem tormentos e perseguições mesmo sangrentas; aos sagrados pastores que dão aos seus filhos espirituais o exemplo de uma fé que não se deixa dobrar e de uma fidelidade que nunca falta mesmo à custa do sacrifício da vida; aos féis tão duramente provados, mas tão queridos ao Coração de Jesus Cristo, que prometeu a bem-aventurança e uma recompensa copiosa aos que sofrem perseguição por causa da justiça (cf. Mt 5,10-12), endereçamos a nossa exortação para perseverarem na sua santa batalha, visto que o Senhor, sempre misericordioso nos seus desígnios imperscrutáveis, não deixará que lhes falte o socorro das graças mais preciosas e da íntima consolação. Com os perseguidos está, em comunhão de oração e de sofrimentos, toda a Igreja de Deus, segura na sua expectativa de vitória.

54. Invocando com toda a alma, sobre as missões católicas, a eficaz assistência dos seus santos patronos e santos mártires, e de modo especialíssimo a intercessão de Maria santíssima, mãe amorosa de todos nós e rainha das missões, a cada um de vós, veneráveis irmãos, e a todos os que de qualquer maneira colaboram na propagação do reino de Deus, concedemos, com o maior afeto, a bênção apostólica, que seja conciliatória e áuspice das graças do Pai Celeste que se revelou em seu Filho Salvador do mundo e que em todos acenda e multiplique o zelo missionário.

Dada em Roma, junto a S. Pedro, no dia 28 de novembro de 1959, segundo ano do nosso Pontificado.

João XXIII Papa

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.