O artigo que se segue foi escrito por José Lorenzatto, que durante alguns anos foi professor no CLAP (Centro Latino-americano de Parapsicologia) em São Paulo, e
nos foi enviado gentilmente pela Professora Maria Luisa Albuquerque.
———————————————
Realmente dignos de admiração são os prodígios relacionados com o sangue, não de um vivo, mas de um morto: o sangue conserva-se íntegro, sem coagulação durante dias, durante muitos anos e até séculos! Perante tais fatos a ciência não deve abdicar da pesquisa.
Trataremos o assunto em dois itens:
1) O sangue fresco nos cadáveres.
2) O sangue fresco fora dos cadáveres.
I. O sangue fresco nos cadáveres. – T. Sheenan, no livro POST-MORTEM AND MORBID ANATOMY, afirma que as incisões em cadáveres não produzem sangue. Existem excepções, podendo ocorrer uma sangria após a morte, em casos extremos da cianose ou quando, nas primeiras horas após a morte, a movimentação dos gases no tronco leva o sangue ainda líquido até às extremidades. E no «Medical Jurisprudence» de Taylor e Smith pode-se ler: «O sangue, no corpo de um morto coagula mais lentamente que numa vasilha, tendo sido extraído antes ou depois da morte. O sangue permanece fluído no corpo morto durante quatro horas… Raramente coagulará antes de decorrerem 4 horas, mas sendo recolhido numa redoma e exposto ao ar, coagulará poucos minutos depois de retirado.(1)
Acontece, porém, em cadáveres de santos (só em cadáveres de pessoas santas e só dentro do catolicismo!), que o sangue fica sem coagular e sem deteriorar por tempo indefinido… São inúmeros os casos, e a maioria deles, muito bem observados e atestados, por autoridades absolutamente fidedignas.
Na maioria dos casos a hemorragia post mortem é provocada pelo interesse de guardar alguma relíquia do falecido. Por exemplo, entre muitos, São Francisco de Jerônimo, jesuíta napolitano, conservou o sangue sem coagulação, horas após a morte. O irmão coadjutor João de Giore, movido pelo desejo de ter uma relíquia do santo varão, cortou um calo que em seguida começou a manar sangue em grande quantidade, continuando a sangrar até pelas 19 horas. Para estancá-lo foi necessário empregar «acquativa sfemmata». O corte foi praticado poucas horas após o desenlace e assim a hemorragia não é tão admirável. O que admira é que a hemorragia tenha perdurado tanto tempo, ou seja, mais de dez horas! Que se conserve o sangue líquido tanto tempo, já é muito difícil.
Mesmo assim poderia ter uma explicação natural. Em incisões, mesmo após 12 ou 14 horas da morte, que se manifeste a efusão do sangue, não pode ser considerado sem paralelo na experiência médica, embora seja um fato bastante raro.
Torna-se impossível de explicar naturalmente quando o intervalo entre a morte e a efusão é de meses e até mesmo de anos.
Numa narração de Paulino, biógrafo de Santo Ambrósio, referente à descoberta do corpo de São Nazário declara que, depois de passados anos, o sangue apareceu «tão fresco como se a morte apenas tivesse ocorrido». E o próprio Santo Ambrósio declara que quando os corpos de São Gervásio e Protásio foram desenterrados «foi encontrado muito sangue».
Abad Einhard, biógrafo de Carlos Magno e que como cronista goza de grande reputação, afirma que como testemunha ocular na transladação dos restos dos Santos Marcelino e Pedro viu os corpos suarem sangue durante vários dias, apesar de terem sofrido o martírio 500 anos antes.(2)
É evidente que a ciência de então não estava capacitada para afirmar de que esse fluído era realmente sangue ou essa espécie de serum de que falávamos no artigo anterior da Revista.
De casos mais recentes e bem observados comecemos com Santa Catarina de Bolonha, cujo corpo incorrupto, embora enegrecido, está preservado intacto até hoje. Foi Abadessa da Comunidade das Irmãs Franciscanas, tendo falecido em 9 de Março de 1463. Conforme costume da Ordem, foi enterrada em ataúde. A fragrância que emanava do túmulo e alguns milagres havidos foram razões suficientes para que 18 dias após o sepultamento tivesse lugar o desenterro.
Interessa-nos muito os detalhes descritos por Illuminata Bambi que sucedeu no cargo de Abadessa à Catarina: «Na Sexta-feira Santa, sentindo devoção pelos restos mortais e tendo obtido a permissão do Confessor, abrimos o sepulcro e tendo uma das Irmãs tirado uma pequena saliência de pele, no mesmo momento manou sangue vermelho como se o corpo estivesse vivo. Três meses mais tarde o nariz sangrou duas vezes e tão copiosamente que teria dado para encher um copo».(3)
Muito bem atestado é o caso do Bispo dominicano, Jerônimo Baptista Lanuza, Bispo de Albarracin, na Espanha. Morreu em 15 de Dezembro de 1624. Trinta e seis dias mais tarde, o seu corpo foi exumado e encontrado sem sinal de corrupção. Dada a grande disputa para venerar o seu corpo incorrupto, foi decidido que na cidade de Albarracin permaneceriam os membros inferiores e o resto do corpo seria transladado para Zaragoza.
Um hábil cirurgião foi convidado para amputar as pernas. Estando o corpo em perfeitas condições, sem nenhuma deterioração, o cirurgião temia que, assim como inexplicavelmente se conserva o cadáver como dormindo, assim também inexplicavelmente o «dorminte» poderia sangrar. Por isso colocou ataduras, para prevenir a hemorragia, mas foi inútil. Afirma-se que brotou muito sangue, fluído vermelho, como se a operação tivesse sido praticada num vivo.
Frei Jerônimo Fuser, O.P. que fora confessor do santo Bispo e que escreveu a sua biografia, enumera, além do cirurgião, mais dezassete pessoas que presenciaram a intervenção cirúrgica, e parece certo que o autor teve em mãos as informações oficiais feitas por ele e por autoridades médicas para o processo de beatificação. Quando o corpo assim amputado chegou a Zaragoza, quatro dias mais tarde, continuava a sangrar.(4)
São Pedro Regalado, Franciscano, faleceu em 1456. Em 1492, 36 anos mais tarde, o seu corpo foi exumado e transladado para um sepulcro mais apropriado. A Rainha espanhola Isabel pediu que se cortasse a mão para conservá-la como relíquia. Emanou do corte sangue fresco (recentissimus sanguis) como de um corpo vivo e esta emanação continuou por mais algum tempo. Embora as fontes não nos sejam conhecidas, o Pe. Antônio Daça, O.F.M. é o cronista que teve em mãos todos os arquivos da Ordem e é considerado como fidedigno.
Fenômeno em todo idêntico verificou-se com São Nicolau de Tolentino. Narra-se que os seus braços foram cortados quarenta anos mais tarde, em 1345, para serem levados à Alemanha. O ato deu oportunidade a um estranho fluxo de sangue. Embora os braços tenham sido colocados em relicários, continuaram sangrando pelo espaço de três séculos! Em 1699 o fluxo de sangue continuou com persistência durante quatro meses seguidos. É importante observar que o meticuloso e grande especialista Papa Bento XIV aceitou o caso como autêntico e milagroso.
Sejam os fatos citados suficientes para conscientizar a ciência, concretamente a Parapsicologia, para que envide todos os esforços afim de, com mais dados e pesquisas, estabelecer ainda melhor a certeza de divulgar que se trata de um fenômeno exclusivo do catolicismo e sobrenatural.
II. Sangue incorrupto fora do cadáver. – Muitas pessoas derramaram o seu sangue. Muitas o fizeram em defesa de causas nobres. Nem por isso os seus corpos nem o seu sangue se conservaram incorruptos.
Chama poderosamente à atenção o fato de se ter conservado incorrupto fora do cadáver, sangue só de mártires de Cristo. Porquê só de alguns mártires católicos?
Um milagre de características idênticas ao de São Januário, se reproduz, no Mosteiro da Encarnação, das freiras augustinianas recoletas, de Madrid, no dia 27 de Julho, todos os anos na ocasião da festa de São Panteleão. O sangue deste santo, protetor contra as picadas e mordidas de insetos e cobras, passa do estado sólido a líquido, adquirindo um aspecto avermelhado e fresco, com a admiração geral de quantos assistem a tão extraordinário fato.
O que se dá em Madrid, verifica-se também em Ravello, uma vila espanhola perto de Nápoles, na mesma data. São Januário, como São Pantaleão, morreram martirizados no mesmo ano, em 305.
O sangue de Pantaleão está contido num relicário e apresenta-se normalmente como uma massa dura, encerrada numa ampola de vidro selada. No momento de se produzir o milagre, a massa vai-se convertendo, pouco a pouco, num líquido, com aparência de sangue.
Esta passagem da massa amorfa ao estado líquido é inexplicável à luz da moderna hematologia.
O cerimonial de preparação para que o sangue de liquefaça é idêntico tanto em Nápoles como em Madrid; lá são «i parenti» (uma espécie de confraria) que entoa preces e cânticos; aqui, um grupo de freiras, entoa cânticos e orações, seguindo o ritual de uma longa tradição.
O sangue de São Januário. – Há quase 17 séculos o prodígio está a maravilhar os homens e a desafiar a ciência, obviamente ateia. O estranho e maravilhoso caso teve início por volta do ano 305 quando o Bispo de Benavento foi decapitado com outros seis companheiros por ordem do Imperador romano Diocleciano, em Pozzuoli, distante 14 quilômetros de Nápoles. Os despojos do Bispo foram posteriormente transladados para Nápoles.
Conforme tradição muito fidedigna, foi nessa oportunidade que uma mulher, chamada Eusébia, entregou ao Bispo que transladava o resto de São Januário, o sangue que ela recolhera anos antes, na ocasião da decapitação do santo. O sangue conservava-se incorrupto, às vezes sólido, às vezes líquido. Esse sangue posteriormente foi vertido em duas ampolas e estas, hermeticamente fechadas. Seriam as ampolas e o sangue que, num relicário, se conservam até hoje, na Catedral de Nápoles.
O conteúdo é perfeitamente visível. A ampola menor possui a capacidade de 25 cm3, mas apresenta apenas gotas ou manchas de sangue espalhadas pelas paredes de vidro. A ampola maior possui a capacidade de 60 cm3: a metade é ocupada uma substância sólida, vermelha-escura, o sangue de São Januário. Várias vezes por ano (dezoito em média) o sangue incorrupto liquefaz-se, com datas certas ou em datas variadas. Nas datas certas, o sangue liquefaz-se no decorrer da cerimônia religiosa pública, na presença de grande número de pessoas: fiéis, curiosos, cientistas ou de incrédulos. As duas datas fixas são: o sábado anterior ao primeiro domingo de Maio, aniversário da transladação dos ossos do Santo para as Catacumbas de Nápoles, e durante toda a oitava; e o dia 19 de Setembro, aniversário do martírio, e durante toda a oitava. Uma terceira data é o aniversário da erupção do Vesúvio em 1631. As datas moveis podem ser as visitas de pessoas importantes, grandes solenidades eclesiásticas, exposição das relíquias, por ocasião das calamidades públicas, etc. São Januário tornou-se o patrono principal de Nápoles. Conforme a tradição o Bispo São Januário fora atirado pelos perseguidores às chamas, saindo ileso do fogo. Em Nápoles e na Itália é invocado contra o fogo e particularmente contra as erupções do Vesúvio, terramotos, peste, cólera, etc. É compreensível a importância que os napolitanos dão ao milagre de São Januário, tendo-o como prova da proteção que o Santo dispensa aos seus compatriotas. Quando o portento da liquidificação não se realiza, os italianos temem alguma catástrofe que consideram como reparação ou castigo.
No segundo domingo de Maio de 1976 esperava-se que se liqüefizesse o sangue por ocasião da sagração do novo Bispo da Diocese. O sangue permaneceu sólido. Por coincidência ou não, pouco depois era anunciado o terramoto que dizimou milhares de pessoas.
Histórico da liquefação. A primeira notícia de liquefação do sangue de São Januário, deve-se a uma tradição meramente oral, não suficientemente documentada. Esta reza que no século IV, 315 concretamente, na transladação das relíquias do santo mártir de Pozzuoli para Nápoles, ao passar o cortejo pela via Antimana, uma mulher chamada Eusébia foi ao encontro do Bispo de Nápoles e entregou-lhe as duas ampolas portadoras do sangue de São Januário; teria sido naquela mesma ocasião que o sangue se liquifez publicamente, pela primeira vez.
Até a alta Idade Média não há mais notícias de liquefação do sangue de São Januário nas fontes de historiografia. Com efeito, é somente no século XIV que uma crônica siciliana, de autor incerto, relatando os acontecimentos principais de 1340 a 1396 narra: «No dia seguinte (17 de Agosto de 1389) teve lugar grande procissão por ocasião do milagre que Nosso Senhor Jesus Cristo realizou, servindo-se do sangue do Bem-aventurado Januário. Este sangue, encerrado numa ampola, tornou-se líquido, como se naquele mesmo dia
houvesse jorrado do corpo do santo.(5)
Este documento vem a ser particularmente significativo por referir um prodígio ocorrido fora das datas costumeiras, sem comparecimento nem expectativa da massa popular. O portento relacionava-se com o fato de que a cidade de Nápoles voltara a gozar um pouco de paz, após muitos anos de guerra, recebendo em conseqüência novo abastecimento de trigo, depois de vários meses de penúria.
A seguir, na documentação regista-se um intervalo de cerca de setenta anos até a próxima notícia de milagre. esta é referida por Eneia Silvio Piccolomini, Papa Pio II, o qual residia em Nápoles no ano de 1456, exercendo as funções de embaixador da República de Florença. Entre os acontecimentos notórios que ele refere ter visto em Nápoles, assinala a liquefação do sangue de São Januário. O mais importante desta notícia é que apresenta o prodígio como habitualmente verificado na cidade: «mencionarei o sangue sagrado de São Januário, que aparece ora como sólido, ora como líquido, embora tenha sido derramado por amor de Cristo há mil e duzentos anos atrás».(6)
Os cientistas procuraram averiguar se a substância contida nas ampolas é verdadeiramente sangue humano. O Dr. Sperindeo, em 26-09-1902, e o Prof. R. Januário, catedrático de Química da Universidade de Nápoles, constataram a presença de sangue humano. A substância foi submetida à análise espectral. No espectro apareceu, depois da linha D (de Fraunhofer), uma banda escura sobre o amarelo, seguida de outra banda sobre fundo verde, ficando entre ambas uma zona clara, como acontece realmente quando se trata de sangue humano. O resultado do exame foi confirmado pelas pesquisas do Prof. P. Silva que, em 1904, durante oito dias consecutivos, comparou a substância milagrosa com uma porção de sangue de boi colocado nas mesmas circunstâncias que as da relíquia. As reações levaram-no a afirmar que no relicário há sangue humano.
O sangue contido na redoma examinado com o espetroscópio apresenta a separação dos dois lados do sangue arterial, e isto sem dar margem a qualquer dúvida.
Entre as autoridades que em diversas épocas testemunharam e analisaram mais ou menos cientificamente o sangue de São Januário, citamos em ordem cronológica a do médico Ângelo Catão em 1470, o de Pico de la Mirandola, em 1500 aproximadamente, o do bem-aventurado Ancina no século XVI, o do jesuíta João Rho, pregador da quaresma em Nápoles, no ano de 1643. Mais recentemente, merecem atenção especial o racionalista francês Montesquieu em 1728; o romancista Alexandre Dumas em 1842 («a hipótese do truque seria mais milagrosa que o mesmo milagre!»); o jornalista Henri Cauvin em 1856; o
químico napolitano Pietro Punzo, Diretor do Gabinete Municipal de Química,
em 1879.
Em 1659 as autoridades religiosas e civis encarregadas da guarda da relíquia resolveram lavrar a ata de cada prodígio da liquefação pública do sangue de São Januário, que doravante ocorresse. Estas atas tem sido redigidas até aos tempos presentes, achando-se arquivadas parte na Capela de São Januário e parte na Prefeitura de Nápoles e estão franqueadas para a consulta dos estudiosos.
Até ao início do presente século, a liquefação já ocorrera, seguramente, mais de 10.000 vezes, no decurso de 5 séculos, desde 1389, data da primeira narrativa escrita do prodígio. Até aos nossos dias o fenômeno continua a ser observado nas circunstâncias descritas.
Contudo será preciso observar: o fato de não se possuírem notícias mais abundantes ou explícitas do fenômeno, anteriores ao século XIV, nada depõe contra a realidade do fenômeno anteriormente, nem contra a autenticidade do prodígio, tal como ele é verificado hoje, Ademais, note-se que é bem compreensível a falta de testemunhos históricos do potento até ao século XIV: com efeito, nos séculos anteriores a este, a cabeça e as ampolas do sangue de São Januário ficaram encerradas num hipogeu («confissão» ou túmulo do mártir), na nave central da Basílica de Stefânia, em Nápoles. Não houve oportunidade, portanto, para a verificação do portento.
As autoridades da Igreja não se empenham por definir o caráter milagroso do caso. O assunto não toca o credo. Não pertence ao Patrimônio da Revelação feita por Cristo e transmitida mediante os Apóstolos. O veredicto pertence à ciência, concretamente à Parapsicologia.
O Prof. Hans Bender, famoso parapsicólogo da Universidade de Friburgo, na Alemanha, após acesso para um estudo acerca do fenômeno, afirma que não temos ainda os dados científicos para uma explicação. O futuro o explicará… O que, a meu ver, não é mais do que uma fuga míope e racionalista do problema.
Vários são os aspectos extraordinários a serem considerados (prescindindo do tema «reparação ou castigo», que mais bem parece folclórico e não bem verificado):
1.º A substância sólida não tem ponto de fusão fixo ou constante, como seria de esperar, conforme as leis da física. Estas, para cada substância ou combinação de substância, assinalam um ponto de fusão, que não varia (desde que se mantenha a mesma pressão atmosférica).
No prodígio de sangue, além da contínua verificação popular, cientistas registaram, em Maio de 1795, no primeiro dia do prodígio, que a liquefação ocorreu à temperatura de 24,4.º c; no quarto dia, aos 26,4.º c; no quinto dia, aos 23,8 c; no sétimo dia, aos 25.º c, e no nono dia 19,4.º c.
Em Setembro de 1879, os professores De Luca e Gori observaram a seguinte escala: no primeiro dia a temperatura de fusão foi de 30.º c; no terceiro, de 27.º c, e no sétimo de 25.º c.
2.º A liquefação costuma ser total, mas às vezes é parcial.
3.º Por vezes produzem-se bolhas de ar que se acumulam na superfície do líquido, originando uma camada de espuma. Em conseqüência afirma-se que o sangue de São Januário ferve, o que não corresponde à realidade. Não se verifica ebulição, mas apenas formação de espuma.
4.º Conforme a tradição, o sangue se liquefaria na presença do crânio do santo. Mas, às vezes, tem bastado que o relicário seja retirado do nicho onde habitualmente é guardado para que se verifique a liquefação.
5.º Varia também o prazo para a liquefação: às vezes ela produz-se imediatamente após a exposição. Outras vezes requer horas de espera (assim, por ocasião da visita de Filipe V, Rei de Espanha, em 18 de Abril de 1702, a espera foi de três horas).
6.º Ao liquefazer-se, a substância da ampola maior varia de volume, massa e peso, embora o recipiente esteja hermeticamente fechado e não possa receber acréscimo nem perder parte da substância. De novo, além da freqüente verificação «popular», em 1902 e 1904 os
cientistas mediram o volume nas duas fases do sangue e comprovaram o aumento de 23 a 24 centímetros cúbicos. Em outras oportunidades o aumento foi até de 30 cm3, isto é, a reduplicação do volume em líquido.
Tão notáveis diferenças certamente não se explicam por dilatação do sangue devido ao aumento de temperatura, pois são diferenças desproporcionais.
Também constataram que pesando o relicário antes e depois da liquefação, houve o aumento de 26,99 gramas de peso.
O aumento de massa e peso foi também avaliado pelo Prof. Sperindeo que, usando instrumentos de precisão, conseguiu averiguar os seguintes dados: relicário com a ampola cheia chega a pesar 1,0149 Kg. ao passo que em condições habituais pesa 0,9871 kg. quando o recipiente contém metade do volume de sangue. No mês de Maio registou-se o aumento de volume assim descrito, enquanto que no mês de Setembro de verificou a diminuição do mesmo! De fato no dia 19 de Setembro processa-se a exposição da relíquia e costuma haver a liquefação do sangue. Naquele dia o sangue encheu a ampola, como no mês de Maio, mas começou a baixar de nível, chegando a menos do volume normal (30 cm3).
A diminuição pode estar completa ao cabo de cinco ou seis minutos, como também pode processar-se lentamente, no decorrer do dia ou mais dias. Há casos raros em que a substância depois de diminuir de volume nos primeiros dias, torna a aumentar no fim da oitava.
7.º Muitas vezes, quando se retira as ampolas, encontra-se o sangue já liquidificado. A sua análise mostra que foi liquidificado há vários dias, há poucos dias, recentemente, que começou horas ou minutos antes, que está começando… Toda a gama de possibilidades. O sangue, portanto, liquidifica-se com público ou sem público, na luz ou no escuro, etc.
8.º Um pormenor que não pode deixar de ser registado é que quando o sangue se liquefaz na catedral de Nápoles, ao mesmo tempo, em Pazzuoli, a catorze quilômetros de distância, as manchas escuras que se encontram na pedra sobre a qual, conforme a tradição, caiu decapitado o Bispo São Januário, tornam-se avermelhadas, dando a impressão de que a pedra está transudando (sabe-se que o sangue coagulado não volta ao estado líquido sem manipulações específicas e submetido a influências de certos reagentes químicos. E esta
liquidificação só se poderia obter quimicamente, uma única vez, pois, os reagentes decompõe-na).
Conclusão: Todo o conjunto de variáveis são absolutamente contrárias às leis da física. Ou de outra maneira, o prodígio da conservação e liquefação do sangue de São Januário não tem regra nenhuma; não depende de nenhum fator ou causa determinante; é mesmo um prodígio que não depende de nenhuma lei ou causa psíco-química, sempre determinada e fixa. Essa independência é sempre característica do milagre.
Alguns parapsicólogos, observando o aumento e diminuição de peso, foram levados a pensar no aporte. Seria sangue do público que provocaria o aumento, e extrairia (também por aporte) parte do conteúdo da ampola quando esta diminui de peso. Mas tal analogia não encaixa com a realidade: não explica a incorrupção do sangue durante tantos séculos; a circunstância do fenômeno, desde o século IV, a mutabilidade das datas fixas e variáveis, e a mudança do estado sólido ao líquido, na presença ou ausência de público…
O conjunto das circunstâncias não encaixa em nenhuma das possibilidades parapsicológicas ou naturais, e possui todas as características prudentemente exigidas para a Parapsicologia dar o veredicto de fenômeno supra-normal, sobrenatural ou milagre.
NOTAS
(1) TAYLOR e SMITH: «Medical Jurisprudence», 1920, vol. I., pág. 420.
(2) SANCTORUM, AA.SS., Junho, vol. I., pág. 181.
(3) GRASSET: «Life of S. Catherine of Bologna», Trad., Oratoriana, pág. 467-9.
(4) Os detalhes podem ser encontrados em Jerónimo Fuser: «Vida del Venerable y Apostólico Varón, don Fray Gerónimo Batista de Lanuza», Zaroza, 1648, pág. 283-8.
(5) G. BLASIS: «Chronicon Siculum incerti auctoris ab a. 1340 ad a. 1396», Nápoli, 1887. pág. 85.
(6) Aeneae Ep. Senensis, in libro A. Panormitanae poetae: «De dictis et factis Alphonsi regis memorabilibus commentarius», Basileae, 1538, XXX-I, II., págs. 288s.
OBS.: O presente artigo está para ser publicado na Revista Portuguesa de Parapsicologia de Novembro/Dezembro.