Em meio a tantas divergências, católicos e protestantes tidos como tradicionais, embora não haja uma escala que determine com precisão o que é ser tradicional ou não, parecem obeservar com os mesmos olhos reservados o fenômeno pentecostal. A olhos nus, RCC e denominações (neo)pentecostais comungam de práticas bastante semelhantes, ainda que saibamos que na essência as coisas não são assim tão convergentes, o que não impede que ambas advoguem para si arroubos litúrgicos fundamentados no argumento da fervorosidade. Minha pergunta é: Como a doutrina católica vê, teologicamente – de preferência à luz da Bíblia – o movimento pentecostal em todas as suas matizes ? Se são favoráveis, por que a RCC muitas vezes não é vista com bons olhos pelas alas mais conservadoras (Bento XVI, por exemplo)? Se não são, por que não sufocaram o movimento na origem, visto que é documental que houve a participação de um pastor pentescotal, membro da organização ADHONEP, nas raízes do movimento aqui no Brasil?
O que a doutrina católica admite como sendo os batismos com o Espírito Santo e com fogo? Isso tudo tem alguma coisa a ver com o OPUS OPERATUM medielval, onde, em algum lugar da história eclesiástica romana, acreditou-se nesses eventos sobrenaturais, em tempos distantes de Oscar Quevedo? Desculpe. Ia fazer só uma pergunta. Mas fica claro que um raciocínio acaba levando a outro.
Grato pela atenção.
Neto Curvina
Missionário da Comunidade Batista Shalom
Caríssimo sr. Curvina, estimado em Cristo,
Alguns pontos precisam ser esclarecidos.
1. A RCC não nega que tenha raízes protestantes. Todavia, isso não invalida sua pertença à Igreja Católica, dado que sempre admitiu o Magistério a possibilidade de movimentos surgidos fora da comunhão com o Papa serem por ela incorporados, desde que purificados.
Sobre o assunto, por favor vá ao link seguinte:
https://www.veritatis.com.br/article/4060
Ele é bastante esclarecedor.
2. Ainda que tenha raízes no protestantismo, é inegável que fenômenos místicos extraordinários sempre foram cridos pela Igreja Católica. O manual de teologia ascética de Tanquerey, clássico no gênero, aborda, com grande explanação doutrinária e profundidade teológica, essas graças especiais. Ou seja, os carismas e manifestações sobrenaturais nunca foram estranhos à prática católica. A “novidade”, se é que assim podemos dizer em relação à RCC, é sua renovação, seu novo ardor em algo que nunca deixou de ser plenamente católico.
3. Bento XVI nunca atacou a RCC. Pelo contrário, o Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica e a Fraternidade Católica Internacional de Comunidades Carismáticas são associações de fiéis de Direito Pontifício, com personalidade canônica reconhecida, portanto, pela Santa Sé, e a ela diretamente submetidas. O Papa é um defensor de todos os movimentos legitimamente católicos. O senhor anda mal informado.
Claro que isso não isenta o movimento falhas em alguns aspectos de sua prática e, mesmo que mínimo, da doutrina de muitos de seus membros. Todavia, essa correção – que é manifestação da caridade cristã, da solicitude dos Bispos, e da unidade da Igreja – deve ser feita por quem de direito: o Papa! É a ele que cabe a referida purificação da RCC, alterando aquilo que deve ser alterado, preservando o que pode ser preservado.
4. Sua compreensão da expressão ex opere operatum é absolutamente equivocada. A terminologia não é apenas medieval e distante. É católica e, como católica, atual. A doutrina da Igreja, por mais que não seja aceita pelos protestantes, é a mesma. Protestam, neguem, ataquem, mas, em nome da honestidade, não afirmem que a doutrina católica muda. Concedamos, para fins de debate, que esteja a doutrina católica errada: ainda assim, errada, não muda.
Se um sacerdote, como o citado pelo senhor, desconsidera a manifestação sobrenatural (não me parece verdade, pois o Pe. Oscar Quevedo nega outros pontos da doutrina católica, mas esse, graças a Deus, não), o erro é dele, não da Igreja. A doutrina não muda. Alguns dos ministros católicos é que pregam, infelizmente, de modo contrário ao Magistério.
Pois bem, a ação ex opere operato é de fé, atualíssima, portanto. É parte essencial da doutrina católica. E não se refere à ação extraordinária do Espírito Santo, mas, exatamente, à ordinária, através dos sacramentos.
5. Cabe lembrar que a Igreja não vê as coisas à luz da Bíblia, se por tal expressão entendermos uma crença na Sagrada Escritura como única regra de fé e prática. A Igreja crê na Bíblia, mas advoga a Tradição Apostólica como igual modo de termos acesso à Revelação:
https://www.veritatis.com.br/article/4092
https://www.veritatis.com.br/article/3880
https://www.veritatis.com.br/article/3877
https://www.veritatis.com.br/article/3076
https://www.veritatis.com.br/article/1545
https://www.veritatis.com.br/article/1544
https://www.veritatis.com.br/article/1536
https://www.veritatis.com.br/article/1537
https://www.veritatis.com.br/article/1526
https://www.veritatis.com.br/article/1521
https://www.veritatis.com.br/article/581
https://www.veritatis.com.br/article/180
https://www.veritatis.com.br/article/274
https://www.veritatis.com.br/article/338
https://www.veritatis.com.br/article/276
6.Sobre os abusos cometidos na RCC, devem ser corrigidos. Cuidado, entretanto, para não jogar fora o bebê junto com a água do banho. Missa barulhenta e com palmas, ritos estranhos no meio da liturgia, ênfase demasiada nos dons extraordinários, prática de libertação fora da doutrina católica, e influência puritana, tudo isso deve ser combatido e é. Mas pelo Papa! Contudo, combatamos os abusos, não a RCC em si…
7. Podemos discutir a natureza do tal “batismo” no Espírito Santo.
Por ora, algumas indicações:
a) uma visita extraordinária do Espírito Santo, além daquelas recebidas nos sacramentos, é possível, sim, segundo a doutrina católica; nisso a RCC está de acordo com a ortodoxia da Igreja;
b) essa visita pode vir acompanhada de sinais sensíveis, mas nem sempre o vem; esses sinais podem ser manifestações místicas extraordinárias (dons carismáticos); o erro, em boa parte dos ambientes carismáticos, é tanto a indevida ênfase na manifestação dos dons, como se ordinários fossem (tornando trivial o que é extraordinário), quanto a pregação de que, ainda que não se manifestem dons, essa visita do Espírito Santo deva ser acompanhada de sinais sensíveis (emoções, consolações, coração aquecido); tudo isso pode ocorrer, mas na maioria das vezes não ocorre;
c) tal visita é uma graça de Deus, e nunca esteve ausente da vida da Igreja, não podendo ser fruto da RCC; a RCC cultiva com maior particularidade o amor, a busca e o estudo de tal visita, e aqui está sua riqueza; todavia, não se pode pretender que, sem a RCC, não há essa visita, esse enchimento do Espírito Santo, que sempre ocorreu na história da Igreja, com os leigos, com os diversos movimentos, ordens religiosas etc; até hoje, é possível e muito comum experimentar-se uma ação mais vigorosa do Espírito (até mesmo com sinais sensíveis!!!!) fora da RCC;
d) a expressão “batismo no Espírito” é absolutamente inadequada; confunde-se com o sacramento do Batismo (pelo qual recebemos, de fato, o Espírito Santo), tem origem e forte conotação protestante (que não aceitam o Batismo como autêntico canal da graça, pelo qual recebemos o Espírito, distinguindo “batismo das águas” e “batismo do Espírito”; a Igreja ensina que o que é chamado por alguns evangélicos de “batismo nas águas” é, propriamente, um Batismo no Espírito, o sacramento do Batismo!). Pede a Igreja, então, que se use outras expressões. A CNBB, por exemplo, recomenda “efusão no Espírito Santo”.
Entende a Igreja, pois, que o tal “batismo no Espírito” é uma visita extraordinária do Espírito Santo nas almas, um aumento da graça santificante e do ardor apostólico, acompanhada ou não de fenômenos sensíveis. Isto é plenamente coerente com a doutrina católica, e os santos o experimentaram, sim, como, aliás, todos, sejam ou não da RCC, podem experimentar. Agora, se o “batismo no Espírito” é só aquela gritaria com gente impondo mãos e outros “falando em línguas” aí é outra história. Oficialmente, a RCC ensina conforme a primeira hipótese. Cabe aos dirigentes trabalhar no sentido de extirpar a segunda, em comunhão com o Papa.
Espero ter esclarecido às dúvidas.
Em Cristo, Nosso Rei, Senhor e Salvador,