Boa Noite! Caros irmãos católicos! Eu, Gilson Rodrigues da Silva, estou lendo o livro apócrifo “BARUC”, gostaria de ouvir de vcs o esclarecimento do capítulo 06. A questão é a seguinte: a igreja católica pratica o capítulo 06 ou não??? (Gilson)
Prezado Gilson,
Pax Christi!
Espero que tenha tido um Santo e Feliz Natal e agradeço pela formulação da sua pergunta!
Pelo conteúdo do seu e-mail, verifico que você é protestante e que está dedicando algum tempo para a leitura do livro de Baruc, oriundo de alguma Bíblia católica ou ecumênica. Talvez tenha, então, ficado surpreso com o conteúdo de Baruc 6, não é mesmo??
Permita-me então, primeiramente, esclarecê-lo que, para os cristãos católicos (romanos, orientais e ortodoxos), o livro de Baruc não é apócrifo, mas canônico, de modo que a Igreja cristã, desde os seus primórdios, tem feito uso dele.
Seja como for… Parabéns, pois muitos protestantes descartam a priori esse e outros livros bíblicos, perdendo assim grandes tesouros da Palavra de Deus! Por isso, recomendo que, após Baruc, leia também os demais livros que foram excluídos no século XVI/XVII pelos protestantes (Tobias, Judite, Eclesiástico, Sabedoria, 1Macabeus, 2Macabeus e certos trechos de Ester e Daniel).
Bom, abordemos o seu e-mail. O capítulo 6 de Baruc corresponde à chamada “Carta de Jeremias”. Algumas Bíblias manuscritas do séc. IV e V dC. enxergam este capítulo como autônomo, de forma que Baruc (secretário de Jeremias) teria apenas 5 primeiros capítulos…
A carta de Jeremias, por sua vez, corresponde a uma advertência deste profeta vétero-testamentário aos seus patrícios, que estavam sendo levados cativos para a Babilônia por Nabucodonosor. A Babilônia, assim como outros povos daquele tempo, adotava em sua religião uma miríade de deuses, a quem prestava cultos portentosos, alguns promovendo, inclusive, a prostituição “sagrada”.
Da mesma forma, os templos erguidos para abrigar esses deuses possuíam estátuas construídas com certos artifícios (=”malandragens”) que permitiam que se movimentassem e/ou emitissem sons/palavras, que causavam – com certeza – temor a muitas pessoas supersticiosas.
Como veremos, tais artifícios eram comuns na época, naquela região, de modo que as pessoas acreditavam piamente que as estátuas dos deuses se confundiam com a própria divindade que representavam.
Ora, Jeremias, como profeta do Deus único, sabia que tais estátuas “divinas”, criadas por mãos humanas, dependiam da fraude… No entanto, conhecendo a fraqueza da fé do povo judeu (que muitas e muitas vezes se deixou carregar para cultos pagãos), levado agora cativo para aquela nação, não poupa críticas ao culto babilônico; tenta fazê-los ver que tais ídolos nada são.
Evidente! Como frutos diretos da criação do único Deus ou do intelecto humano, tais coisas eram criaturas (=coisas criadas) e, assim sendo, não poderiam ser deuses!!! Conseqüentemente, seus supostos poderes nada mais poderiam ser do que fraudes e o povo eleito, ora cativo, não poderia se deixar impressionar com isso; ao contrário, deveria manter a fé em seu único Deus, sabendo deste já que o tempo de cativeiro seria temporário (v. versículo 2).
Em palavras “clássicas” para nós, o que Jeremias queria advertir é que aqueles “deuses tem olhos mas não enxergam, ouvidos e não ouvem, mãos e não pegam, pés e não andam; enfim, têm corpo, mas não têm vida”; logo, são inferiores às criaturas vivas de Deus e não podem ser deuses… não têm qualquer poder senão aqueles oriundos da fraude humana… Então, o que temer? Não há qualquer razão, pois, para se aderir àquela religião que idolatra falsos deuses, nem para se impressonar por supostas fraudes.
Podemos, portanto, identificar nesse capítulo as seguintes palavras-chaves: DEUSES – ESTÁTUAS – IDOLATRIA – TEMOR.
Vem, então, a sua pergunta: “A igreja católica pratica o capítulo 06 ou não?”.
Como se percebe nitidamente, esta não é uma pergunta bem formulada…
Você quer relacionar o capítulo 6 de Baruc à Igreja católica… Sob qual ângulo? Do ângulo do povo que recebe a advertência (=judeus) ou do povo contra o qual a advertência teve sua razão de ser (=babilônios)? Ademais, a que práticas da Igreja Católica você quer se referir???
No entanto, considerando a sua origem protestante e a constante confusão que os protestantes fazem (ou gostam de fazer) com relação às imagens de santos existentes nos templos católicos, creio que é a isso que você se refere…
Serei, portanto, bem suscinto na minha exposição, pois o nosso site já publicou diversos artigos relacionados a esse tema, como farei questão de mencionar mais abaixo.
Teologicamente, o capítulo 6 de Baruc (bem como qualquer outra passagem bíblica que faça referência a ídolos e idolatria) não se aplica à Igreja Católica, por vários motivos:
1) Jeremias trata de DEUSES pagãos. A Igreja Católica, tal como os judeus, não reconhece a existência de outros deuses; há apenas o Deus Único incriado, Criador de todo o universo e de todas as coisas visíveis e invisíveis.
2) Jeremias repara que os pagãos colocam seus [falsos] deuses NO MESMO PATAMAR do Deus único. Trata-se de um plano horizontal, totalmente incompatível com a existência de um Deus único. Isto é impossível de se realizar pois OU apenas existe 1 só Deus, OU existem vários deuses. Ora, se Jeremias é monoteísta, não pode haver outros deuses…
3) Os SANTOS não são deuses, nem semi-deuses (assim como os anjos, arcanjos, querubins, serafins, tronos, dominações e potestades também não são!). Os santos são criaturas humanas que aplicaram exemplarmente em suas vidas terrenas os ensinamentos de Cristo; boa parte deles, pela fé inabalável que nutriram em relação ao Salvador, chegaram a dar a própria vida pelo Reino dos Céus.Tornaram-se, assim, testemunhas da fé e exemplo para os demais cristãos; por isso mesmo, estão em um PLANO INFERIOR ao Deus, um plano VERTICAL de inferioridade e não HORIZONTAL de igualdade como pretendiam os (falsos) deuses pagãos.
4) Os SANTOS não possuem poder próprio além do da oração. Assim, da mesma forma como suas orações eram úteis para todos nós quando eles viviam neste mundo, muito mais úteis se tornam após receberem do Deus Altíssimo a verdadeira vida, coroa de sua santidade sobre a terra.
5) As imagens dos santos nada têm a ver com as imagens dos deuses pagãos. Os deuses pagãos não podem ser representados artisticamente, não porque tenham proibido sua representação – como ordenou o Senhor no Êxodo – mas porque simplesmente inexistem. Ora, é impossível representar aquilo que não existe. É mais ou menos como obrigar alguém a NÃO DAR alguma coisa… Da mesma forma como você não pode NÃO DAR a sua Bíblia a ninguém, também é impossível representar o inexistente!
6) Os santos, por outro lado, podem ser representados artisticamente, quer de forma bidimensional (fotos, pinturas, desenhos), quer tridimensional (imagens, estátuas), simplesmente porque em algum lugar do TEMPO e do ESPAÇO existiram fisicamente. Portanto, não há como negar que, diferentemente dos deuses inexistentes, é possível que as características físicas e pessoais dos santos possam ser percebidas e documentadas por outras pessoas com quem tenham convivido.
7) As imagens (estátuas) dos santos – ao contrário do que os pagãos acreditavam a respeito das estátuas de seus deuses – não contêm em si mesmas os espíritos, as almas, as vidas de quem respectivamente representam. Logo, NENHUM PODER lhes pode ser atribuído; e mesmo quando EXTRAORDINARIAMENTE alguém lhe atribui algum poder (ex.: cura), isto sempre é feito de forma RELATIVA (não absoluta), de modo que se pode afirmar ABSOLUTAMENTE que o resultado proveio de Deus, em resposta à fé daquele certo fiel. Logo, pode-se afirmar que a imagem foi um mero instrumento, da mesma forma como a Bíblia afirma que até os lenços e outros panos tocados por Paulo curavam os enfermso (v. Atos 19,12).
8) Em razão disso tudo, percebe-se que as imagens dos santos, ao contrário das estátuas de deuses pagãos, não trazem temor ao Povo de Deus. Muito pelo contrário, ajudam ao fiel a se voltar ainda mais para Deus, para reconhecer-lhe sua onipotência e amor, para espelhar-se no exemplo de vida desses servos de Deus, que mostram claramente como é plenamente possível ao ser humano seguir a Cristo (lembre-se: Cristo é verdadeiramente Deus E verdadeiramente homem; tem duas naturezas), mesmo que precise caminhar toda a sua vida terrestre com uma cruz às costas. Soam como um incentivo aos fiéis: “Nós conseguimos, estamos diante de Deus! Por que vocês, seres humanos como nós, tão frágeis como nós, também não conseguiriam? Eia, pois, avante, com a graça de Deus!”
9) E por não se tratar de deuses, mas de santos, amigos e testemunhas fiéis de Deus, a eles não prestamos culto de “latria” (=adoração). A latria é tributável somente a Deus. Aos santos tributamos “dulia” (=veneração), ou seja, nossa admiração e respeito como irmãos na fé que somos (sendo que a morte não nos separa deles, pois marca o verdadeiro nascimento deles para a vida eterna!).
10) A “dulia” não é um culto de “latria” camuflado. Como você é protestante, conseguirá diferenciar isto pelo seguinte exemplo, que lhe será muito caro: que espécie de tributo você rende à sua Bíblia que, como sabemos e aceitamos, é a Palavra inspirada de Deus? Adoração ou Veneração??? A Bíblia pode ser a Palavra de Deus, mas não é Deus. É um instrumento de Deus, mas não é Deus… Logo, pode ser venerada, mas não adorada… E por ser venerada, poderá ficar aberta e exposta no local mais visível da sua casa; por isso, você jamais a atirará no chão, nem irá pisoteá-la; por isso, você a beijará quando encontrar uma passagem que te “toque” no fundo do coração… É você exercitando a “dulia” para um instrumento de Deus…
11) Não possuindo poder próprio e não recebendo para si o culto de adoração, constata-se que as imagens de santos não são ídolos, da mesma forma como a Bíblia também não é um ídolo (embora eu já tenha ouvido muitos evangélicos garantirem que foram curados de uma ou outra enfermidade por ter simplesmente tocado na Bíblia! Estariam estes protestantes adorando a Bíblia ou tributando-lhe um poder absoluto?).
Portanto, às palavras-chaves apontadas pela Carta de Jeremias (Baruc 6), ou sejam, DEUSES – ESTÁTUAS – IDOLATRIA – TEMOR contrapõem-se, na Igreja Católica, as palavras SANTOS – IMAGENS – VENERAÇÃO – RESPEITO, que não são atacados por Jeremias, nem pelo Novo Testamento – muito pelo contrário!
Constatando que a Igreja Católica ensina com toda a clareza que existe um só Deus, em três Pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – a quem cabe toda adoração e glória, agora e para sempre, nota-se facilmente que não há qualquer incompatibilidade com a doutrina dos santos, imagens e veneração, sendo estas totalmente compatíveis com a glória, misericórdia e justiça infinitas de Deus.
Por isso, não é de se estranhar a presença de Baruc 6 na Bíblia Católica. A propósito, se você quiser ler algo semelhante, talvez até mais interessante, que também foi CORTADO da sua Bíblia protestante, recomendo que você leia a História de Bel em Daniel 14, a qual se passa também na Babilônia; aí você vai encontrar um exemplo de uma estátua que (fraudulentamente) bebia e comia todos dias, a quem o imperador Ciro prestava culto de latria.
Por fim, visando ao seu crescimento espiritual, recomendo a leitura de alguns artigos em nosso site:
– https://www.veritatis.com.br/article/326
– https://www.veritatis.com.br/article/675
– https://www.veritatis.com.br/article/3066
– https://www.veritatis.com.br/article/3573
– https://www.veritatis.com.br/article/3937
Você poderá encontrar muitos outros artigos utilizando a nossa ferramenta de busca, disponível em https://www.veritatis.com.br/forms/search, e digitando algumas palavras-chaves como Imagens, Veneração, Santos etc.
Também uma outra boa fonte de pesquisa, caso seja do seu interesse, é o livro “A Proibição de se Fabricar Ídolos – Estudo Exegético de Êxodo 20,1-6 e Deuteronômio 5,5-10”, de Cleodon Amaral de Lima, editora Rideel. O autor é um ex-protestante que foi ordenado padre.
Que Deus te abençoe e ilumine!
- Fonte: Veritatis Splendor