Quem são os assim chamados “protestantes”?

– “As igrejas luterana, batista e metodista pertencem a um mesmo núcleo? São elas que constituem a sociedade dos chamados ‘protestantes’? E estes serão assim designados porque protestam contra a virgindade de Nossa Senhora? Qual é afinal a diferença entre Igreja e Seita?” (Walter – Matias Barbosa-MG).

As perguntas nos levam a reconstituir sumariamente a história do movimento religioso que começa com Lutero (1483-1546).

Este, em 1517, julgando que quinze séculos de vida haviam corrompido a mensagem do Evangelho, quis cancelar de seu horizonte a tradição cristã e colocou-se imediatamente diante da Sagrada Escritura; começou a interpretá-la exclusivamente à luz do que lhe parecia certo, sem levar em conta a autoridade de um milênio e meio de magistério. Assim fazendo, julgava “redescobrir” o Cristo encoberto pela Tradição; o Senhor Deus teria permitido que através dos séculos se perdesse o genuíno senso do Cristianismo.

A principal doutrina que Lutero “achou” na Bíblia – doutrina nuclear de toda a ideologia luterana – é a seguinte: o pecado nunca é apagado na alma, pois o cristão continua sempre a sentir a concupiscência, e esta é o próprio pecado. Por conseguinte, não se pode falar de graça santificante que transforme ou regenere ontologicamente o homem batizado; apenas Deus se digna não imputar o pecado, atribuindo-nos, como simples título extrínseco, os méritos de Cristo. Disto se segue, outrossim, que as boas obras (tão entravadas pela concupiscência) não são necessárias à salvação; basta crer ou ter confiança inabalável no Cristo para ser salvo. A negação da virgindade de Maria, a rejeição das imagens e outras teses do Luteranismo vêm a ser pontos secundários em comparação com esta doutrina central.

O movimento de Lutero tomou o nome de “Protestantismo” por motivo assaz acidental: o Parlamento alemão, instalado em Espira no ano de 1529, decretou que a pretensa “Reforma” luterana seria detida em seus progressos (não, porém, cancelada) até se reunir um Concilio Ecumênico para julgar a situação; entrementes, o culto e os direitos dos católicos continuariam a ser reconhecidos nas regiões onde não haviam sido supressos. Tal medida provocou o protesto de seis príncipes e quatorze cidades da Alemanha aos 19 de abril de 1529, de onde a designação de “Protestantes” daí por diante atribuída aos discípulos de Lutero. Embora os “reformados” tenham repetidamente deplorado este título, ele prevaleceu.

Lutero encontrou entre os seus contemporâneos quem de perto lhe seguisse o exemplo, encabeçando semelhantes movimentos inovadores, de modo a formar, fora da Alemanha, blocos religiosos mais ou menos congêneres; tais eram Ulrich Zwínglio (1484-1531), na Suíça alemã (Zurique); e João Calvino (1509-1564), na Suíça francesa (Genebra) e na Franca. As doutrinas passaram para a Inglaterra pouco depois que o rei Henrique VIII, em 1534, se separou da Igreja Católica por motivo de seu divórcio; lá constituíram o bloco anglicano. É a estas modalidades da Pseudo-Reforma oriundas da primeira metade do séc. XVI e ainda hoje existentes (o Zwinglianismo se fundiu em breve com o Calvinismo) que se costuma atribuir o nome de “Igrejas Protestantes” (tenha-se consciência, porém, de que esta denominação é imprópria, pois só pode haver “uma Igreja” de Cristo: aquela que remonta ininterruptamente até os Apóstolos e o próprio Cristo). São animadas por um espírito assaz sério e tradicional; conservam certa etiqueta e nobreza próprias do tipo anglo-saxão; seus adeptos têm contribuído com estudos valiosos para o progresso da filologia e da exegese bíblicas.

Contudo o que no Brasil e no mundo contemporâneo em geral tem chamado a atenção por seu espírito proselitista não é o Protestantismo das Igrejas Protestantes; são facções religiosas que nos séculos XVII a XX (mormente no séc. XIX) se separaram da Igreja Protestante, produzindo uma “reforma da Reforma”, uma “heresia da heresia”; às vezes só têm de comum com o Luteranismo, o Calvinismo ou o Anglicanismo o repúdio da Tradição, o princípio da livre interpretação da Bíblia. São para o Protestantismo aquilo que as superstições e as heresias são para o Catolicismo.

A tais grupos dissidentes se atribui a denominação de “seitas”; existem centenas destas (somente nos Estados Unidos da América do Norte se contavam 343, [em 1957,] reservadas à população de raça branca; as seitas dos cidadãos de raça negra ainda são mais numerosas). As mais famosas são as dos Batistas, Metodistas, Presbiterianos, Adventistas, Testemunhas de Jeová, Pentecostais etc.

Compreende-se muito bem esse fracionamento progressivo do bloco protestante: uma vez admitido o princípio de Lutero segundo o qual todo cristão, por seu livre exame, independentemente de algum magistério tradicional, é intérprete das Escrituras, “cada protestante, tomando a Bíblia nas mãos, se tornou Papa” (ou “cabeça” de uma Pseudo-Igreja), como diz Boileau (Sátira 12,224).

As Federações Protestantes da Europa e da América geralmente não admitem em seu grêmio as seitas; por sua vez, algumas destas se opõem tanto ao Catolicismo como ao Protestantismo tradicional.

Há na verdade sobejo motivo para se manter a distinção entre “igrejas” e “seitas” do Protestantismo, pois estas últimas são animadas por mentalidade bem característica; em geral, originaram-se de uma reação contra o aburguesamento de um dos antigos blocos protestantes (a atitude psicológica básica de um fundador de seita frequentemente é a de recomeçar a partir do zero, como se ninguém entendesse mais o Evangelho em sua época); seu entusiasmo é, não raro, despertado e alimentado pelo anúncio de uma nova revelação, que se justapõe à Revelação bíblica (e às vezes chega a sufocá-la); também acontece que as seitas esperem o fim do mundo para breve, baseando-se em exegese rebuscada de textos bíblicos; apresentam-se como a arca em meio à corrupção universal; por vezes, prometem e parecem realizar curas maravilhosas; em geral, seus membros se deixam guiar mais pela experiência subjetiva e pelo sentimento do que por sólida compreensão das Escrituras e do Cristianismo.

Por fim, não se poderia deixar de notar que o pulular das seitas modernas tem seu significado positivo: é uma afirmação vibrante da alma humana naturalmente religiosa, sequiosa do Místico e do Transcendente, em reação contra os credos materialistas e mecanicistas que têm sido apresentados às gerações dos séculos XIX e XX.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 6:1957 – out/1957
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