– “A Missa como memorial da vida, morte e resurreição do Senhor em atendimento pessoal dele, ‘Comei e tomai TODOS vós’, possue dois momentos de IGUAL densidade: a Palavra proclamada e a Eucaristia. Ou seja, o corpo do Senhor tem o mesmo valor de sua palavra pois foi por sua palavra que ele morreu; por meio dela tudo se fez e se faz, se salva e se faz a Eucaristia. Eucaristia não é prêmio; é vida dada de graça àqueles que valorizam a palavra; o amor de Jesus. Ora, se é vedado aos divorciados casados em segunda núpcias comungarem o corpo do Senhor, ouví-lo também na Missa deve ser proibido. Digo isso em termos de regra normativa da Igreja porque Deus está acima da sua própria palavra e conhece cada um de nós, pois somos constitutivos dele. Não há sentido ir à Missa sem comungar o corpo de Jesus, como não há sentido comungá-lo sem comungá-lo no altar da vida. Jesus valorizou o matrimônio que deve ser valorizado mas Ele sabe que, muitas vezes por egoísmo de uma das partes, o matrimônio se desfez. Ele compreende e sabe da intenção de cada um. Receber o corpo do Senhor com amor e dignidade depois de ouvir suas palavras de salvação é direito de Todos os que o amam apesar de seus fracassos passados. Há erros que não têm volta mas o arrependimento em tê-los cometido basta para Deus. Gostaria de refletir junto” (Maria Eugênia).
Resposta
Olá, caríssima sra. Maria Eugênia. Agradecemos o contato e reiteramos o nosso desejo de estar sempre em vossas orações. Rogamos também a paz e a graça da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Vossa reflexão contém algumas confusões de termos e expressões que ofuscam o vosso pensamento. Tentaremos ajudá-la.
Para se ouvir a palavra de Deus basta que um indíviduo tenha a capacidade auditiva funcionando regularmente. Ouvir a palavra proclamada não significa uma atitude de reverência a Deus e nem muito menos disposições interiores necessárias para um pleno estado de graça, haja visto que mesmo os algozes de Cristo o ouviram e nem por isso aceitaram a fé em sua pessoa. Ainda que o Senhor tenha dito no evangelho de Mateus a palavra “todos”, ele se referia aos seus seguidores e discípulos que ali estavam ceiando com ele, todos aqueles, e não a qualquer pessoa no sentido literal da palavra. É preciso contextualizar.
A Sagrada Escritura proclamada na Liturgia da Palavra, ainda que divinamente inspirada, é fruto de uma criação cooperada entre Deus e o homem, ao passo que a Eucaristia “É” o próprio Senhor Jesus Cristo feito pão para o homem. A diferença é clara. Adoramos a Deus e não as criaturas. Na Sagrada Escritura encontramos a Deus, mas a Sagrada Escritura não é Deus. É por isso que a Igreja Católica afirma que na Eucaristia encontramos a Deus por “excelência”, afinal de contas, Ele não só “está” na sagrada comunhão como “É” Deus mesmo inteiro nela. Como diria o saudoso João Paulo II “o grande”, “a Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por excelência, porque dom dele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação“.
É um equívoco afirmar que “ouvir” a Jesus Cristo signifique o mesmo que “recebê-lo”, pelo simples de que o anúncio de Cristo é para todos, mas o recebimento da eucarístia está reservada sagradamente aos em estado de graça: “Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo, e assim coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação” (1Coríntios 26-29). Ora, e qual é a maneira de se tornar digno de comer o pão e beber o cálice do Senhor? “Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos para serem apagados os vossos pecados.” (Atos 3,19)
Ainda que se deva uma profunda atitude de veneração e respeito pelas Escrituras sagradas, maior ainda deve ser o louvor e a glória para a pessoa do Senhor Jesus Cristo através do culto da sagrada Eucaristia.
A sra. se refere ao impedimento da comunhão aos casais em segunda união como uma questão meramente normativa por parte da Igreja. Mas na verdade o fundamento deste impedimento parte da realidade evangélica e tem como fio condutor o princípio da indissolubilidade do matrimônio. Aliás, eis um assunto em que a Igreja não tem competência para intervir, pois a vontade do Senhor surge clara e expressa: “o homem não separe o que Deus uniu” (Mateus 19,6). O princípio dessa aliança indissolúvel reside na própria aliança de amor, eterna e perene, entre Deus e a Igreja; assim como Deus jamais se separou ou se divorciou de seu povo, também os esposos são chamados a não quebrar essa aliança que livremente aderiram, através do sacramento e de um juramento público. A aliança que os cônjuges colocam um no outro são o claro sinal da aliança eterna entre Deus e a humanidade.
Quanto a estes pontos nos lembra o cardeal Journet no Concílio Vaticano II: “a doutrina genuína do evangelho sobre a indissolubilidade do matrimônio sempre existiu na Igreja Católica, a ela não compete mudar o que é de direito divino” (cf. Cardeal Journet, in Coniugi in crisi, op. cit. 23).
O fato é que “o estado e condições de vida dos divorciados que contraíram nova união contradizem objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada na Eucaristia” (Papa João Paulo II, Familiaris Consortio, 84), ainda acrescentando o acarretamento do erro e da confusão na comunidade a respeito da indissolubilidade do matrimônio. Na segunda união, não existindo sacramento, vive-se e anuncia-se uma manifesta oposição a vontade do Senhor revelada na sagrada Escritura, cometendo o adultério ao primeiro cônjuge. Isso cria uma ausência de comunhão plena entre a Igreja, condição indispensável para o recebimento do direito aos sacramentos, sinais de adesão a Cristo e a comunidade.
É “uma situação contraditória dos divorciados recasados uma ofensa à unidade indissolúvel de Cristo com sua Igreja, significada na Eucaristia e refletida e participada no vínculo conjugal matrimonial” (cf. Faresin E., in Coniugi in crisi, Matrimoni in difficoltà, teologia, magistero e pastorale si controtano, Effetá Ed. 2003, 36).
São por essas 3 razões portanto, de caráter doutrinal (a quebra da aliança), de caráter moral (o estado e condição de vida do casal em segunda união) e de caráter pastoral (o perigo de confusão da comunidade em face a doutrina do matrimônio), resumidamente aqui colocadas, que o acesso ao sacramento da eucaristia está vetado aos divorciados recasados.
É evidente que o Senhor conhece a intenção de todos nós, mas isto não basta em absoluto para nos tornar dignos de o receber na sagrada Eucaristia, como bem nos alertou São Paulo. Boa vontade não basta, pois nem todo o que diz Senhor, Senhor entrará no Reino dos Céus (Mateus 7,21). No caso de separação e divórcio as palavras do mesmo Senhor são bem claras neste sentido: “Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também adultério” (Mateus 19,9). Participar da sagrada comunhão não é nosso direito portanto, porque não é algo que possamos dispor conforme nossa vontade, mas é graça pura de Deus a nós humanos. E ainda que fosse, este não nos retiraria deveres próprios anexos a cada direito. Para o cristão, tais deveres seriam claros e necessários para viver na amizade de Cristo: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14,15).
Arrependimento simples e puro não basta, há que se seguir adiante: “Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos para serem apagados os vossos pecados.” (Atos 3,19). Urge se converter, e para se converter é preciso mudar, ter aversão ao pecado e cuidar para não cometê-lo novamente, tratando de bem guardar os mandamentos; trais primícias acontecem plenamente no sacramento da confissão que o casal em segunda união só pode ter acesso se tiver firme propósito em regularizar sua situação diante de Deus. O Senhor bem sabe que um casamento pode se desfazer por um ou outro motivo legítimo, e a Igreja tolera sim a separação, mas daí para o envolvimento numa segunda união, tem-se um grande passo e uma enorme diferença.
Se este casamento em segunda união precisar seguir em frente graça a presença de filhos, então estão chamados a viver a santidade em seus corpos, abstendo-se dos atos próprios reservados ao sacramento do matrimônio. Nestes casos o ideal seria se aconselhar com um diretor espiritual douto e santo.
Mas ainda que se continue a vida em segunda união, mesmo assim existem enormes razões e sentidos para frequentar a Santa Missa sem comungar. Com efeito a Igreja reconhece o sofrimento destes casais e seus sentimentos de pesar com o afastamento da comunhão eucarística. Não deixando de ser fiél a vontade do Senhor e a verdade que obriga, ela convida a todos esses casais a uma vida presente e fecunda dentro da Igreja, e chama-os a tomar consciência de que a exclusão da mesa eucarística não significa exclusão da comunhão eclesial: “não se considerem separados da Igreja, podendo e, melhor, devendo, enquanto batizados, participar de sua vida” (FC). A presença no banquete eucarístico não configura a única pertença a Igreja e portanto não deve gerar sentimentos de revolta na sua ausência, mas sim de tranquilidade, por outro lado, pela obediência aos valores do matrimônio. A possibilidade de se comungar espiritualmente revela-se também um enorme consolo e graça para todos os casais que se encontram nessa situação, pois como dizia Santo Tomás de Aquino “a realidade do sacramento pode ser obtida antes da recepção ritual do mesmo sacramento, somente pelo fato que se deseja recebê-lo” (Summa Theologiae, III, q. 80, a, 4).
Em tempo:
– Casais em segunda união ferem o Evangelho e a vontade expressa do Senhor, são motivo de confusão para a comunidade acerca da indissolubilidade do matrimônio e contrariam objetivamente aquela aliança de amor entre Cristo e a Igreja. Diante de Deus um casal que jurou livremente fidelidade e adesão mútua estará sempre casado (se o primeiro matrimônio foi válido), se avançarem para uma segunda união viverão em pecado sério;
– Não é preciso comungar para receber os efeitos da Santa Missa. Mesmo em estado de graça, não é preciso comungar em todas as Missas. Muitos santos, em estado de graça, não comungavam sempre. A comunhão freqüente é prática recente, dos tempos de São Pio X para cá;
– A dignidade da Liturgia da Palavra e da Liturgia Eucarística não são a mesma, senda esta última muito maior por se tratar da própria presença real, corpo, sangue, alma e divindade de nosso Senhor Jesus Cristo Eucarístico, imolado no altar. Cristo ordenou que os apóstolos pregassem o Evangelho a todos, mas não ordenou que distribuissem arbitrariamente a Eucaristia a todos, sendo esta última reservada para aqueles em estado de graça. Isto não provém de mera norma eclesiástica, mas de direito divino conforme as Escrituras nos ensinam. Para um estudo mais profundo sobre esta questão recomendamos a leitura do seguinte artigo:
- https://www.veritatis.com.br/article/3596/
Em Cristo Jesus
“Quem vos ouve, a mim ouve” (Lucas 10,16)