– Encontrei o texto em anexo numa das comunidades do Orkut que participo. Neste texto, o autor defende o Cânon do Antigo Testamento adotado pelos protestantes, utilizando argumentos que nunca vi serem usados. Gostaria que, dispondo de tempo para tal, fizesse uma análise do texto. Obrigado. (José Renato)

Prezado José Renato,

Pax Domini!

Obrigado por nos encaminhar esse texto. A tese básica que ele propõe não representa nenhuma novidade a partir de meados do século XX, pois é possível encontrar ecos da mesma tese até em algumas Bíblias católicas ou ecumênicas, como nota de rodapé de influência notadamente protestante ou modernista (que também não poucas vezes bebe de fontes protestantes).

Mas iniciemos nossa refutação pela pergunta original que consta no artigo. Nossos comentários seguem em azul; o texto refutado, em vermelho:

  • Qual a lista correta dos livros do Velho Testamento, a da Bíblia Católica ou da Bíblia Protestante? (O Novo Testamento é idêntico nas Bíblias protestantes e católicos.)

1º) Verifica-se que o formulante da pergunta, à vista da existência concreta de dois cânons bíblicos cristãos diferentes – o protestante e o católico/ortodoxo; este mais longo, aquele mais curto (com 7 livros e algumas outras passagens bíblicas a menos) – espera uma resposta que o permita distinguir qual dos dois cânons seria o verdadeiro.

A pergunta é legítima e comporta apenas uma única resposta. O artigo, por sua vez, propõe uma resposta ao melhor estilo protestante, ou seja, fazendo uso somente da Bíblia (Sola Scriptura) – indevidamente, como deduzimos ao final – colocando de lado quaisquer outras questões de natureza técnica e histórica. Assim, saca versículos fora de contexto e os ordena de uma maneira tal que cria um pretexto, mas não sem problemas como veremos…

2º) Considerando que a idéia básica do artigo é justamente demonstrar a necessidade de se adotar obrigatoriamente uma certa sequência dos livros canônicos do Antigo Testamento, conclui-se que o mesmo deveria ocorrer quanto aos livros do Novo Testamento, os quais sabemos que guardam uma ordem mais ou menos tradicional, indicada pelos diversos pronunciamentos das autoridades católicas (mas não rigidamente obrigatória [=doutrinária]). Isto porque se vale para o Antigo, valeria também para o Novo Testamento!

O que dizer, então, do Novo Testamento de Lutero, o qual “avaliava qualquer escritura somente na proporção que ela ‘ensinasse a Cristo’ […] Visto desta maneira, alguns livros, mesmo do Novo Testamento, ficaram atrás de outros em sua estima. Os de menor valor eram Hebreus, Tiago, Judas e o Apocalipse. Estes livros ele não poderia excluir inteiramente do Novo Testamento, mas ele os colocou juntos no fim do mesmo, separando-os do resto por sua própria enumeração, de modo que eles apareciam quase como um apêndice. Os outros ele os numerou de 1 a 23, mas a estes quatro nenhum número lhes atribuiu. Mas todos os vinte e sete livros estão presentes em seu Novo Testamento, embora ligeiramentamente desarranjados” (Edgar J. Goodspeed, “Como nos veio a Bíblia?”; grifos nossos)????

O mesmo fizeram “grandes homens” da Bíblia protestante como John Tyndale, John Rogers, os editores da “Grande Bíblia de 1539” etc.

Pergunta-se então: Seria mesmo necessário seguir uma ordem certa e rígida dos livros?

  • Vamos começar com a seguinte passagem:
    Romanos 3:1,2 – “Qual é logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas.
    Portanto, a palavra de Deus foi confiada inicialmente aos judeus. Designada como a custódia da palavra inspirada de Deus, eles sabiam quais eram os livros canônicos, e quais não eram, e eles sabiam isso antes da Igreja Católica aparecer.

Iremos tratar um pouco mais detalhadamente este primeiro extrato do artigo, pois será muito importante para se compreender o restante da nossa refutação e argumentação:

1º) Sobre o quê, precisamente, São Paulo está tratando aqui? Sobre o cânon bíblico? Não! O versículo se insere numa longa discussão sobre a necessidade ou não de os cristãos observarem costumes judaicos (como, p.ex., a circuncisão, bem pontuada no versículo acima citado). Como expressa o protestante Gerhara Hörster:

  • “A carta [aos Romanos] nos mostra em todas as partes que Paulo — o apóstolo aos gentios, como ele mesmo se denomina — está em constante debate com os judeus fiéis à lei. Seja no assunto da necessidade da salvação, ou na discussão da salvação em si, seja na libertação do pecado para uma nova vida ou no assunto da eleição de Deus e da vida moldada pela fé, ele sempre fala aos dois grupos: judeus e gentios. O leitor tem a impressão de que Paulo está constantemente conversando com um judeu fiel à lei sobre o conteúdo do evangelho. Isso significa que a igreja de Roma era constituída principalmente de cristãos-judeus, aos quais Paulo presta contas do seu evangelho aos gentios? Isso é pouco provável, pois Paulo tinha clareza de que era o apóstolo aos gentios e intencionalmente tinha deixado a responsabilidade de cuidar dos judeus a Pedro (Gl 2.7ss). Por isso mesmo ele se apresenta aos Romanos explicitamente como apóstolo aos gentios (1.5; 1.13; 15.15ss). Mas acima de tudo ele se dirige aos seus leitores como a cristãos-gentios (11.13,17-24! cf 9.3ss; 10.1s). Está claro: Paulo está falando a não-judeus sobre o povo judeu (11.23,28,31). […] Nisso cabe bem a ênfase que Paulo dá à responsabilidade dos judeus e dos gentios diante de Deus (1.16; 2.9ss; 3.29; 10.12). O estilo da carta em forma de diálogo, principalmente os capítulos 9 a 11, também prova a existência desse grupo [de cristãos-judeus] na igreja de Roma” (Introdução e Síntese do Novo Testamento, ed. Esperança, 1996 – grifos nossos).

Com efeito, quando o Apóstolo afirma que “as palavras de Deus” (observe-se o plural!) foram confiadas aos judeus, ele não está querendo se referir, nem de longe, ao cânon bíblico, mas às ordens expressas por oráculo divino ao povo judeu, isto é, seus mandamentos, disciplinas e costumes particulares, mediante Moisés e os Profetas.

Daí as duas perguntas de Paulo: “Qual é logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?”. Por isso, o próprio Apóstolo esclarece um pouco mais adiante: “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas” (Romanos 3,21), desconsiderando assim aquela parte da Bíblia que os judeus chamam de “Escritos” (ou sejam: Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Lamentações de Jeremias, Ester, Daniel, Esdras/Neemias e Crônicas).

Em suma: Está claro que Paulo, aqui, não confere um significado determinado e integral à expressâo “as palavras de Deus” (Lei + Profetas + Escritos = Bíblia), mas apenas significado acidental e parcial (Lei + Profetas = Obras da Lei). Como se vê, Paulo não apenas “esquece” os Escritos, como também os livros (e trechos) que dentro da Lei e dos Profetas não guardam uma relação direta com o assunto que ele está tratando: a conveniência ou não das obras da lei pelos cristãos-gentios naquela exata forma que exigem certos cristãos-judeus.

Em nenhum momento nesta Carta, nem de leve, passa pela cabeça de Paulo quantos ou quais livros especificamente formam o Antigo Testamento: 22, 24, 39, 46 ou qualquer outro número que pudesse – ou ainda possa ser – aventado…

Por outro lado, o que faz o artigo-resposta? Entende particularmente a expressão de Paulo, isto é, em sentido integral e determinado e, assim, do plural “as palavras de Deus” – ou “os oráculos de Deus”, como também traduzem algumas versões, inclusive protestantes como a Almeida Revista e Atualizada e a do Rei Tiago [King James Version] -, passa para o singular “a palavra de Deus”, entendendo – erroneamente – que aí Paulo se referiria a todos e apenas aqueles livros que formam o cânon sagrado do Antigo Testamento (coincidentemente, só aqueles 39 que o artigo protestante admite!!!).

A propósito, esse erro que artigo comete aqui é muitíssimo semelhante àquele outro que muitos irmãos-separados cometem quando tentam justificar a doutrina da “Sola Scriptura” (=apenas e unicamente a Bíblia é norma de fé para o cristão) fazendo uso de João 5,39, Atos 17,11 e 2Timóteo 3,15-16, que se limitam exclusivamente ao Antigo Testamento (de modo que um judeu poderia muito bem contrapor que o Novo Testamento não possui a mesma autoridade) e que, ainda assim, só serviriam para demonstrar que as Escrituras Sagradas têm autoridade (como sempre afirmou a Mãe da Bíblia, isto é, a Igreja Católica), NÃO que ela seja A autoridade única e exclusiva para o cristão (v. 1Timóteo 3,15), como alegam os seguidores da Reforma.

* * *

2º) Ainda no que tange a São Paulo, sabemos muito bem que ele, embora pregasse aos gentios, era judeu de nascimento, discípulo do rabi Gamaliel, instruído em todo o rigor da Lei Mosaica e, antes de se converter ao Cristianismo, zeloso defensor da causa judaica (cf. Atos 22,3). Não há dúvidas, portanto, de que bem conhecia as Escrituras… Mas qual cânon ele pessoalmente adotava? O mais curto (palestinense) ou o mais longo (alexandrino)?

Embora o cânon judaico só tenha sido estabelecido, em Jâmnia, no final do século I DEPOIS DE CRISTO (ou seja, já depois da morte de São Paulo), é de conhecimento exegético que Paulo adotava a LXX/Septuaginta (=cânon alexandrino).

Com efeito, aqui mesmo na Epístola aos Romanos, encontramos o Apóstolo citar muitas vezes o Antigo Testamento conforme a Septuaginta, mesmo quando ela difere do texto hebraico (portanto, não acidentalmente). Eis alguns exemplos, conforme apontados pela “Bíblia na Linguagem de Hoje”, publicada por uma editora reconhecidamente protestante:

  • Romanos 2,24 = Isaías 52,5 (LXX); Romanos 3,4 = Salmo 51,4 (LXX); Romanos 3,10-12 = Salmos 14,1-3; 53,1-3 (LXX); Romanos 3,13a = Salmo 5,9 (LXX); Romanos 3,14 = Salmo 10,7 (LXX); Romanos 9,16 = Êxodo 9,16 (LXX); Romanos 9,27-28 = Isaías 1,9 (LXX); Romanos 9,33 = Isaías 28,16 (LXX); Romanos 10,11 = Isaías 28,16 (LXX); Romanos 10,16 = Isaías 53,1 (LXX); Romanos 10,18 = Salmo 19,4 (LXX); Romanos 10,20 = Isaías 65,1 (LXX); Romanos 10,21 = Isaías 65,2 (LXX); Romanos 11,9-10 = Salmo 69,22-23 (LXX); Romanos 11,26 = Isaías 59,20-21 (LXX); Romanos 11,27 = Isaías 27,9 (LXX); Romanos 11,34 = Isaías 40,13 (LXX); Romanos 12,20 = Provérbios 25,21-22 (LXX); Romanos 14,11 = Isaías 45,23 (LXX); Romanos 15,12 = Isaías 11,10 (LXX); Romanos 15,21 = Isaías 52,15 (LXX).

Tal “fenômeno”, por não ser acidental, ocorre ainda em outras epístolas de Paulo (1Coríntios, 2Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses etc.), inclusive em Hebreus (admitindo-se que tenha sido escrita pelo Apóstolo ou, como querem outros, por algum discípulo direto), a qual é uma Epístola especialmente dirigida a cristãos de origem judaica e que, como ex-judeus praticantes, também conheciam muito bem as Escrituras de modo que não aceitariam “deturpações escriturísticas” quanto ao Antigo Testamento!!! Eis alguns exemplos, retirados da mesma fonte apontada acima:

  • Hebreus 1,6 = Deuteronômio 32,43 (LXX); Hebreus 1,7 = Salmo 104,4 (LXX); Hebreus 1,10-12 = Salmo 102,25-27 (LXX); Hebreus 2,13a = Isaías 8,17 (LXX); Hebreus 3,7-11 = Salmo 95,7-8 (LXX); Hebreus 4,7 = Salmo 95,7-8 (LXX); Hebreus 8,8-12 = Jeremias 31,31-34 (LXX); Hebreus 10,5-7 = Salmo 40,6-8 (LXX); Hebreus 10,27 = Isaías 26,11 (LXX); Hebreus 10,37-38 = Habacuque 2,3-4 (LXX); Hebreus 11,21b = Gênesis 47,31 (LXX); Hebreus 12,5-6 = Provérbios 3,11-12 (LXX); Hebreus 12,12 = Isaías 35,3 (LXX); Hebreus 12,13 = Provérbios 4,26 (LXX); Hebreus 12,26 = Ageu 2,6 (LXX); Hebreus 13,6 = Salmo 118,6 (LXX).

E, para que não restem quaisquer dúvidas, a Sociedade Bíblica do Brasil, esclarece em sua introdução ao Novo Testamento (da Bíblia na Linguagem de Hoje):

  • “Nas referências de rodapé aparece às vezes, entre parênteses, “LXX” (ver Mateus 3,3). Isso quer dizer que a passagem do Antigo Testamento citada nesse versículo não segue o texto hebraico, mas a antiga versão grega chamada de Septuaginta (LXX)” (grifo nosso).

Reconhece, por sua vez, a Bíblia de Referência Thompson (também protestante; ed. Vida, 1996):

  • “Na Igreja Primitiva, era essa [ou seja: a Septuaginta] a versão conhecida de todos os crentes” (p.1377).

E isto ocorria, inclusive, em Jerusalém onde existiam diversas sinagogas edificadas por judeus de fala grega e helenistas (e que, evidentemente, adotavam a Septuaginta), permitindo que os judeus de cada nação pudesse vir cultuar o Senhor Javé no centro religioso do Judaísmo!!! O melhor exemplo disso encontramos em Atos 6,9:

  • “Mas alguns da sinagoga chamada ‘dos Libertos’, cirenenses, alexandrinos e os da Cilícia e da Ásia se levantaram para discutir com Estevão”.

E o uso que faziam da Septuaginta era muito bem aceito pelas autoridades religiosas da Terra Santa, como também testemunha Atos 7,14: aqui vemos Estêvão (diácono instituído para os cristãos de língua grega, cf. Atos 6,1-6), discursar diante do Sumo Sacerdote (suprema autoridade religiosa palestinense) e afirmar claramente que “José mandou buscar Jacó, seu pai, e todos os parentes, 75 ao todo”, tal como declara textualmente a Septuaginta e não o texto hebraico de Gênesis 46,27, que diz “70 ao todo”. Em nenhum momento o sumo sacerdote corrige o número…

No tocante aos deuterocanônicos, a mesma Bíblia de Referência Thompson (p. 1375) observa:

  • “Os judeus da dispersão no Egito revelaram alta estima por esses escritos [=deuterocanônicos] e os incluíram na tradução do Antigo Testamento para o grego, chamada Septuaginta, mas esses mesmos escritos foram eliminados do cânon hebraico pelos judeus da Palestina [=ou seja, no Concílio de Jâmnia, no século I d.C.]” (grifo nosso).

Outra fonte de referência protestante, o “Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento” (ed. Vida Nova, 1ª ed., 1981, p. 77), faz o mesmo, reconhecendo:

  • “Septuaginta (lat. septuaginta, setenta) – A tradução gr[ega] do AT e da maioria dos apócrifos [=deuterocanônicos] que, segundo a lenda judaica, foi feita por setenta (ou setenta e dois) estudiosos judeus da Diáspora em Alexandria no século III a.C. (cf. Carta de Aristéias). Daí, é comumente designada pelo número romano LXX. Na realidade, o AT foi vertido para o gr[ego] por vários tradutores no decurso de um certo período de tempo, começando com o Pentateuco nos séculos III e II a.C. O propósito era ajudar judeus da dispersão a ler as Escrituras numa língua familiar. Ocorreram numerosas alterações e mudanças de sentido em comparação com o heb[raico]. Mas, quanto ao tempo, a LXX é mais antiga que o Texto Massorético heb[raico] e, às vezes, as suas leituras são preferíveis. Na igreja primitiva, a LXX era a forma normativa do AT” (grifos nossos).

E conclui a autora protestante Mary Batchelor (“A Bíblia em Foco”, Melhoramentos, 1995, p. 96):

  • “Os primeiros cristãos encontraram esses livros [=deuterocanônicos] quando adotaram a Septuaginta como sua Bíblia e os incluíram nela” (grifos nossos).

Não é, pois, à toa que os primeiros autores pós-apostólicos (Didaqué, Clemente de Roma, Policarpo de Esmirna, Inácio de Antioquia, Justino de Roma, Atenágoras de Atenas etc.) também considerassem seguramente inspirados os deuterocanônicos!

* * *

3º) Aliás, constitui caso especialmente interessante – e de muito valor aqui – o que lemos em Hebreus 11,35:

  • “Mulheres receberam pela ressurreição os seus mortos. Uns foram torturados, não aceitando o seu livramento, para alcançar superior ressurreição”.

Quem seriam essas pessoas?

  • “Normalmente os irmãos separados indicam a viúva de Sarepta, cujo filho ressuscitou por intermédio do profeta Elias (1Reis 17,17-23) e a sunanita, cujo filho foi ressuscitado pela intercessão de Eliseu (2Reis 4,8-37)” (Alessandro Ricardo Lima, “O Cânon Bíblico”, Ed. ComDeus, 2007).

Mas onde estaria a tortura e a perseguição em ambos os casos? Inexistem… Estaria Paulo (ou seu discípulo direto) fazendo referência a algum evento extrabíblico? Não! A solução encontra-se evidenciada na Septuaginta, em 2Macabeus 7,1-40: trata-se dos irmãos macabeus que foram torturados e martirizados por não quererem renegar a sua fé, certos de que Deus lhes daria a graça da ressurreição! Com efeito, os judeus-cristãos, destinatários da Epístola aos Hebreus, compreenderam muito bem a clara referência feita a estes mártires da fé judaica; porém, se o cânon curto fosse o correto, jamais saberíamos a quem se referia o Autor Sagrado e, para manter também o erro da “Sola Scriptura”, teríamos que “passar uma borracha” sobre a perseguição e a violência indicados no versículo de Hebreus para apontarmos “sem erro” 1Reis 17,17-23 e 2Reis 4,8-37!

No mesmíssimo sentido, reconhece o autor protestante Edgar J. Goodspeed categoricamente:

  • “A história terrível dos mártires macabeus (II Macabeus 7), reflete-se em Hebreus 11.35-38” (obra citada).

* * *

4º) Por outro lado, o fato de não haver citações explícitas aos Deuterocanônicos no Novo Testamento não depõe contra eles, pois se esse critério fosse realmente válido para estabelecer os livros do Antigo Testamento, deveriam certamente ficar de fora alguns protocanônicos que nunca foram citados (alguns nem mesmo implicitamente!): Abdias, Naum, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Ester, Esdras, Neemias e Rute.

Fora que esse critério exigiria também a inclusão de outras obras, como as poesias de Epimênides de Cnossos (+séc. IV a.C.; cf. Tito 1,12s) e Arato de Sicília (+séc.III a.C; v. Atos 17,28), e os apócrifos judaicos “Assunção de Moisés” (v. Judas 1,9) e “Apocalipse de Henoc” (v. Judas 14), além de vários outros escritos que o Antigo Testamento cita nominalmente mas que não estão no cânon (cerca de 30!).

* * *

5º) Devemos ainda considerar o “cânon hebraico”, a que faz referência do artigo. Embora existam irmãos que apontem Esdras (~400 a.C.) como “responsável” pela determinação do “cânon judaico”, tal assertiva não tem respaldo escriturístico suficiente (no máximo, ele foi responsável pela compilação final do Pentateuco!) e, muito menos, histórico. Se tal fosse verdade, pelo menos o livro de Daniel (para não citar outros) teria ficado de fora, pois escrito muito depois, entre 175 e 150 d.C.

Com relação a isso, reconhece o professor protestante J. Albert Soggin, da Faculdade Valdense de Teologia de Roma:

  • “Um elemento desconcertante [do livro de Daniel] é dado pelo fato de que os acontecimentos conectados com o Exílio da Babilônia são extremamente vagos e imprecisos, enquanto os dados são extremamente exatos à medida que se aproximam da época dos macabeus, na primeira metade do século II a.C.: para a época mais antiga as dúvidas surgem especialmente em torno à cronologia, em torno à imprecisão dos personagens descritos (por exemplo: Daniel teria sido deportado aproximadamente no ano 607 a.C.; em 5,11 Baltazar é apresentado como filho de Nabucodonosor; em 7.1 como rei de Babilônia, mas não foi nem uma coisa nem outra; em 6,1 aparece um ‘Dario o Medo’ que não podemos identificar com nenhum personagem conhecido: se foi o rei Dario I Histaspes, e este subiu ao trono no ano 522, quantos antos teria então Daniel? etc) e em torno à lingua que é o hebraico da época posterior ao exílio, e o aramaico, não presente na Palestina antes do exílio. As conclusões mais lógicas são pois que o livro foi composto, sobre a base de tradições antigas e imprecisas, durante o século II a.C., um fato já notado por alguns adversários do Cristianismo no século III d.C.” (Introdução aos Livros Profeticos, in Bíblia Sagrada Mirador Edição Ecumênica 1980; grifos nossos).

Quando e como teria surgido o cânon do Antigo Testamento? Citemos novamente Mary Batchelor (recordando que ele, como protestante, está apenas se referindo aos livros protocanônicos; mas importa aqui apenas afastar a idéia “romântica” de que o “cânon hebraico” já estivesse totalmente definido, pronto e acabado, no tempo de Cristo como faz supor o autor do artigo):

  • “A LEI – Os primeiros cinco livros da Bíblia, conhecidos como Lei ou Torá, desde muito cedo foram reconhecidos como escrituras sagradas. Ao tempo de Esdras, o sacerdote, cerca de 400 a.C., eles já tinham sua forma atual e eram aceitos como escritos santos. OS PROFETAS – Os livros dos profetas, redigidos durante a vida deles ou pouco tempo depois, foram todos aceitos como escrituras pouco depois de 200 a.C. OS ESCRITOS – A terceira divisão das escrituras judaicas, a mistura de livros conhecida como Escritos ou Hagiógrafos, apresentava um problema mais delicado. Eles foram os últimos a serem ‘canonizados’. Alguns foram sendo aceitos sem questionamentos. Os Salmos já haviam ganho um lugar especial no coração de todos, devido ao seu uso na liturgia e na adoração do Templo. Os demais livros, todavia, não eram tão convincentes. Que dizer de Ester e Eclesiastes, em que o nome de Deus não é mencionado? E o Cântico dos Cânticos, de Salomão, um poema de amor sem meias palavras? As pessoas não tinham certeza se tais livros deveriam ser incorporados às Escrituras. Havia ainda vários outros livros – aventuras, histórias e livros de sabedoria – que haviam brotado da mesma tradição. Será que eles deveriam ser incluídos no cânon? Alguns acham que os judeus helenizados que moravam em Alexandria, no Egito, nos séculos I e II a.C., eram mais propensos a aceitar esses livros e a incluí-los no cânon, ao passo que o mesmo não se dava com os judeus da Palestina. O CÂNON JUDAICO DAS ESCRITURAS – No princípio da era cristã, ainda havia algumas dúvidas sobre determinados livros. Quando Roma tomou Jerusalém, em 70 d.C., os eruditos judeus estavam envolvidos com a resolução dessas questões e com a confirmação da lista do cânon. O Templo havia sido destruído. O antigo centro de fé judaica não mais existia. Era, portanto, mais do que necessário que os judeus espalhados por toda parte tivessem uma lista das Escrituras que fosse consensual. A ESCOLA DE JÂMNIA – Nessa época, havia uma academia na costa da Palestina em Yavneh (Jâmnia) que havia sido fundada por um rabino fugitivo do cerco a Jerusalém. Alguns dos mais conceituados estudiosos judeus da época tinham afluído para lá, transformando a cidade num grande centro de aprendizado judeu. As discussões acerca do cânon ocorreram ali em 90 d.C. e a decisão final data dessa época. Não houve uma decisão oficial impositiva. Esse parecer, tornou-se universalmente aceito, em parte devido à alta reputação da escola de Jâmnia, e também porque estava de acordo com a opinião geral.”

E, de forma secundária, se o cânon hebraico já estivesse estabelecido na época de Jesus, o Sumo Sacerdote – ainda que por “simples ironia” que a situação vista no 2º ponto acima “requeria” – teria corrigido as declarações de Estêvão (Atos 7,14), instando-o a citar as Escrituras conforme o texto hebraico e não segundo a Septuaginta.

* * *

6º) Ainda quanto ao cânon, há registros de discussões entre judeus os no século II d.C. quanto aos livros de Ezequiel (o qual, descrevendo a nova cidade santa com seu Templo parecia derrogar a Lei de Moisés); Cântico dos Cânticos (por se assemelhar mais a uma composição de amor profano); Ester (seu conteúdo contrário aos estrangeiros provocava ódio dos pagãos contra os judeus); e Eclesiastes e Provérbios (por haver aparentes contradições internas).

Por outra mão, a “exclusão” dos deuterocanônicos em Jâmnia não impediu que os mesmos continuassem a ser empregados oficialmente, como inspirados, quer pelos judeus (Baruc era lido publicamente no Dia da Expiação até o séc. IV; foram encontrados alguns exemplares entre os essênios de Qumran e os judeus de Massada; Eclesiástico é estimado pelo Talmud [Erubin 65a; Baba Kama 92b] e foi citado pelos rabinos até o séc. X; 1Macabeus era integralmente lido na Festa da Dedicação do Templo [cf. Talmud, Hanuka]; há diversas midraxes sobre Tobias e Judite da pena de judeus; e mesmo hoje os deuterocanônicos são estimados pelos judeus etíopes!), quer especialmente pelos cristãos (não apenas foram considerados inspirados pelos cristãos pós-apostólicos, como definitivamente ‘canonizados’ pela Igreja nos concílios de Hipona [393], Cartago III [397] e Cartago IV [418], e confirmado pelo Papa Inocêncio I [450]).

* * *

7º) Não há dúvidas de que os judeus teriam alguma autoridade para definir “de uma vez por todas” o cânon bíblico se o tivessem feito até a vinda do Senhor Jesus (e, ainda assim, Este teria muito mais autoridade para alterá-lo), quando ainda viviam sob a égide do Antigo Testamento. Não o fazendo, e sendo naturalmente os cristãos o Novo Povo Eleito de Deus, coube legitimamente à Igreja – com a suprema autoridade confiada por Cristo (Mateus 16,18; 18,18; 1Timóteo 3,15) – fazê-lo!

E a Igreja, nesses mesmos Concílios, não apenas definiu o cânon do Antigo Testamento, como ainda o do Novo Testamento (fato que os protestantes parecem que fazem questão de não mencionar!).

Curiosamente, os protestantes não aceitam os deuterocanônicos do Antigo Testamento (e repita-se: definidos como canônicos pela legítima autoridade competente do Novo Testamento [consequentemente, sob Era Cristã, a autoridade judaica de Jâmnia era absolutamente incompetente para definir qualquer cânon, inclusive do Antigo Testamento]), mas contraditoriamente aceitam os deuterocanônicos do Novo Testamento (a saber: Hebreus, Tiago, 2Pedro, 2João, 3João, Judas e Apocalipse), definidos, nas mesmas oportunidades, pela mesmíssima autoridade da Igreja Católica (apesar da tentativa frustrada de Lutero em também desprezar os deuterocanônicos do Novo Testamento). Com isso parece concordar a protestante Mary Batchelor:

  • “Mas como foi que [os 27 livros do Novo Testamento] vieram a ser reconhecidos como uma coleção unificada e portadora do selo da autoridade divina? […] A igreja primitiva teve dúvidas, durante algum tempo, acerca de alguns livros que hoje fazem parte do Novo Testamento. No princípio do século IV, Eusébio [de Cesaréia] compôs três listas: a primeira delas contendo os livros considerados parte do cânon; a segunda, com livros definitivamente reconhecidos como estranhos ao cânon; e uma terceira com os livros sobre os quais ainda havia disputas se deveriam ou não pertencer ao cânon […]A primeira lista conhecida em que aparecem os vinte e sete livros conforme os temos hoje data de 367 d.C. Em 397, o Sínodo de Cartago declarou essa mesma lista como Escritura, embora a igreja já a tivesse considerado canônica há muito tempo”. (obra citada, p. 171; grifos nossos).

Pois bem. Com tudo isto em mente, avancemos na análise do artigo a que estamos refutando…

  • Cristo declara o cânone hebraico da palavra de Deus.
    Lucas 24
    44,45 E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos. Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras.
    Aqui, no versículo acima, Jesus divide a palavra de Deus escrita em três categorias. O hebraico bíblico, conhecido pelo acrônimo Tanakh, tem esta três divisões: em primeiro lugar a Torá, os primeiros cinco livros de Moisés. Segundo a Nevi’im ou profetas, terceiro da Ketuvim ou Escritos. Cristo estava expondo o testemunho das Escrituras sobre Si, a partir de um termo da Bíblia para o outro. Desde o princípio, passando por Moisés, ao lado dos profetas, e, em seguida, sobre a última divisão que começou com Salmos; Cristo explica a partir do hebraico bíblico, o Tanakh, que ele era o Messias.

Apreciemos melhor os fatos… Veremos que Jesus não divide a Palavra de Deus em três, mas apenas em duas categorias…

1º) Cerca de 300 das 350 citações ao Antigo Testamento feitas pelo Novo Testamento, são retiradas da Septuaginta. Isto é fato, ponto pacífico entre católicos, ortodoxos e grande parte dos protestantes não-fundamentalistas!

Entretanto, convém observar que não são apenas os 4 Evangelistas que citam a Septuaginta (ainda quando esta discorda do texto hebraico); eles também apontam categoricamente o próprio Jesus citando-a diretamente, inclusive nos Evangelhos de Mateus e João (estes dois Evangelistas, ressalte-se, são palestinos e testemunhas oculares dos eventos); eis alguns casos: Mateus 13,10-15; 15,1-9; 21,14-17; Marcos 4,10-12; 7,5-7; Lucas 4,16-21; Lucas 8,9-10; João 12,36b-41.

Mas como se divide a Septuaginta?

Não há uma resposta exata para isso; academicamente, há quem a divida em duas (legislação+história e poetas+profetas), em três (legislação+história=Lei, poetas e profetas) e em quatro categorias (legislação, história, poetas e profetas).

A divisão em duas categorias, estritamente técnica, é bastante respeitável por ter sido proposta por ninguém menos que Alfred Ralphs, um dos maiores e mais respeitados especialistas na Septuaginta.

Já divisão em quatro categorias é deduzida da forma como o teor de cada livro pode ser classificado, e segue mais ou menos a ordem como se encontram esses livros nos códices mais antigos. Nesta forma de classificação, teríamos então:

  • a) Lei: Gênesis – Êxodo – Levítico – Números – Deuteronômio
  • b) História: Josué – Juízes – Rute – 1Reis=1Samuel – 2Reis=2Samuel – 3Reis=1Reis – 4Reis=2Reis – 1Paralipômenos=1Crônicas – 2Paralipômenos=2Crônicas – Esdras+Neemias – Ester (com adições em grego) – Judite – Tobias – 1Macabeus – 2Macabeus
  • c) Poetas: Salmos – Jó – Provérbios de Salomão – Eclesiastes – Cântico dos Cânticos – Sabedoria de Salomão – Eclesiástico=Sabedoria de Sirac
  • d) Profetas: Isaías – Jeremias – Baruc – Lamentações – Epístola de Jeremias=Baruc 6 – Ezequiel – Daniel (com adições em grego) – Oséias – Amós – Miquéias – Joel – Abdias – Jonas – Naum – Habacuc – Sofonias – Ageu – Zacarias – Malaquias.

Praticamente todas as Bíblias que conhecemos seguem esta 3ª classificação (incluindo as Bíblias Protestantes, que tão somente omitem os livros deuterocanônicos e alteram a ordem de apenas um ou outro livro).

Há ainda uma quarta forma de classificação, tida por “mista”: consiste em manter a tripla classificação tradicional “lei – profetas – escritos” e a ordem dos livros segundo a Bíblia hebraica, introduzindo-se os deuterocanônicos, conforme seu teor, entre os Escritos ou entre os Profetas e os Escritos.

Esta quarta forma de classificação também seria possível porque a tríplice divisão não era desconhecida dos judeus de Alexandria! Ora, é justamente o Prefácio do Eclesiástico que testemunha claramente, pela 1ª vez na História, a tríplice divisão das Escrituras dos judeus palestinos, pois já era observada pelo avô hebraico (que, aliás, possui o mesmo prenome do Salvador!) e tal dado já era de conhecimento do seu neto, que traduziu a obra para o grego:

  • “Meu avô Jesus, depois de dedicar-se intensamente à leitura da Lei, dos Profetas e dos outros livros [=parte dos Escritos] dos antepassados (Eclesiático, Prefácio,7-10).

Tal fato é reconhecido também pelo autor protestante Edgar J. Goodspeed, em sua obra “Como nos veio a Bíblia?”:

  • “A mais antiga referência a esta ampliação das Escrituras judaicas pela adição de um terceiro corpo de livros está no prefácio à Sabedoria de Sirac [=Eclesiástico]. Josué ou Jesus, filho de Sirac foi um sábio judeu que compôs sua Sabedoria lá pelo fim do terceiro século antes de Cristo, ou no começo do segundo. Ele escreveu em hebraico, mas cincoenta anos depois seu neto, no Egito, traduziu seu livro em grego, prefixando a este poucas linhas de explicação. Neste prefácio, ele fala da Lei, das Profecias e do resto dos livros, como já traduzidos para o grego, como que para ilustrar a dificuldade para traduzir o hebraico para aquela língua. Assim a terceira parte do Velho Testamento já estava tomando forma e sendo acrescentada à Lei e aos Profetas no segundo século antes de Cristo; de fato ela estava sendo já traduzida para o grego, para o uso dos judeus no Egito que conheciam melhor o grego que o hebraico, e também para fins missionários. Esta terceira porção das Escrituras judaicas não havia ainda sido finalmente fixada e incluída no cânon até cerca do fim do primeiro século depois de Cristo, quando no Sínodo Judaico de Jâmnia, cerca de 90 A.D., algumas dificuldades que ainda haviam a seu respeito foram eliminadas” (grifos nossos).

Por isso, não é de se estranhar que embora a tríplice divisão “lei – profetas – escritos” fosse de conhecimento dos judeus palestinenses e dos judeus alexandrinos, a ordem exata dos livros que compunha estas duas últimas categorias nunca tenha sido estabelecida como “dogma” a ser seguido. É o que atesta, por exemplo, a “TEB-Tradução Ecumênica da Bíblia” (1ª ed,, 1994, p.4), que contou com a colaboração de judeus, católicos, ortodoxos e protestantes:

  • “As edições da Bíblia hebraica agrupam os livros sob três títulos: a ‘Lei’, os ‘Profetas’, os ‘Escritos’. Esse uso é anterior à era cristã (cf. Sirácida [Eclesiástico] Prólogo) e é bastante estável; algumas listas e manuscritos apresentam divergências no modo de agrupar os livros no interior da seção ‘Profetas’ (p.ex. Isaías pode vir depois de Jeremias e Ezequiel), ou da seção ‘Escritos'” (grifo nosso).

Logo, ao contrário do que diz o artigo, não é Jesus quem divide a palavra de Deus escrita em três categorias. Na melhor das hipóteses Ele estaria usando a tripla divisão tradicional, conhecida de ambos os judeus, palestinos e alexandrinos!!!

* * *

2º) Mas estaria mesmo Jesus empregando a tripla divisão???

Ora, quando Jesus não utiliza os termos “Escritura” (ex.: Marcos 12,10; João 7,38), “Escrituras” (ex.: Mateus 22,29; Lucas 24,27), qual outra expressão utiliza?

  • “Não penseis que vim abolir a lei e os profetas. Não vim para abolir, mas para cumprir” (Mateus 5,17).
  • “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas” (Mateus 7,12).
  • “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João” (Mateus 11,13).
  • “Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas” (Mateus 22,40).
  • “A lei e os profetas duraram até João. Desde então é anunciado o Reino de Deus, e cada um faz violência para aí entrar” (São Lucas 16,16).

Isso mesmo: a expressão “a lei e os profetas”! Exatamente aquela mesma expressão cunhada pelo livro… deuterocanônico de 2Macabeus (um dos últimos a ser escrito), única ocorrência em todo o Antigo Testamento:

  • “Encorajou-os citando a lei e os profetas, lembrou-lhes os combates outrora sustentados e inflamou-os desse modo com um novo ardor” (2Macabeus 15,9).

* * *

3º) Por outro lado, a passagem de Lucas 24,44-45, lê-se assim, literalmente, no “Novo Testamento Interlinear Grego-Português”, da Sociedade Bíblica do Brasil (dispostas as palavras ordenadamente):

  • “E disse-lhes: ‘Estas minhas palavras vos falei ainda estando convosco: que é preciso que todas as coisas escritas na lei de Moisés e nos profetas E salmos acerca de mim sejam cumpridas’. Então abriu a mente deles para entenderem as Escrituras”.

Repare-se a ausência de preposição/artigo entre “Profetas” e “Salmos”, ao contrário do que ocorre antes de “lei” e antes de “profetas”, em que a preposição/artigo aparecem. Com efeito, “Salmos” aqui:

a) OU está ligado a “Profetas” por uma simples cláusula aditiva “e” (“kai”, em grego), de modo que ambos se encontram em um mesmo conjunto (o que seria plenamente compatível caso se adotasse a divisão em 2 categorias, proposta por Ralphs).

b) OU confere certa autonomia ao livro dos Salmos (apontado nominalmente) que, embora de fato pertença ao grupo dos “Escritos”, não é efetivamente a este grupo e muito menos quanto a quais livros o compõem (e sua respectiva ordem interna) a que Jesus se refere! Jesus o cita simplesmente por causa da especial importância que o livro dos Salmos tem para os judeus (incluindo Jesus e os Apóstolos), como demonstram estas outras ocorrências explícitas (e únicas nos Evangelhos):

  • “Depois do canto dos Salmos, dirigiram-se eles para o monte das Oliveiras” (Mateus 26,30).
  • “Terminado o canto dos Salmos, saíram para o monte das Oliveiras” (Marcos 14,26).
  • “Pois o próprio Davi, no livro dos Salmos, diz: Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita”,

Isto apenas para não apontar os casos em que Jesus citou implicitamente (ex. Mateus 23,39 = Salmo 118,26) ou certamente fez uso prático dos Salmos (p.ex.: muito provavelmente durante a Última Ceia, cantou o Hillel – Salmos 113 a 118 – como qualquer bom judeu).

Mas por que então Jesus Ressuscitado, em Lucas 24,44-45, faria questão de recordar aos discípulos o livro dos Salmos especificamente? Ora, basta ler Lucas 20,41-44, quatro capítulos, em que faz referência explícita aos Salmos (citando-o também nominalmente), questionando os escribas diante de seus discípulos:

  • Lucas 20: 41. Jesus perguntou-lhes: Como se pode dizer que Cristo é filho de Davi? 42. Pois o próprio Davi, no livro dos Salmos, diz: Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita, 43. até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés (Sl 109,1). 44. Portanto, Davi o chama de Senhor! Como, pois, é ele seu filho?

Com isto, o Senhor Ressuscitado apresenta aos discípulos a prova final de que Ele é de fato o Cristo, o Filho de Davi, o Supremo Rei a quem foi dada toda a autoridade no céu e na terra (Mateus 28,18), com todas as demais consequências que isto significa para os judeus, para eles mesmos, para a Igreja e para o mundo, que a partir de então deve ser conquistado segundo a Nova Aliança (Mateus 28,19-20; Marcos 16,19-20; Lucas 24,46-51).

Repare-se, por derradeiro, na íntima relação que existe entre essas duas passagens (Lucas 20,41-44 Lucas 24,44-45), que só encontramos em Lucas, não se registrando nem mesmo paralelos implícitos! Eis aí o “link” bilateral e único que ao mesmo tempo confere autonomia e isolamento à expressão anterior do Senhor “a lei e os profetas”, em Lucas 24,44!

* * *

4º) Continuando… Para quais Escrituras Cristo abriu a mente dos Apóstolos?

Isto é mais que óbvio e independe da adoção do cânon curto (palestinense) ou do cânon longo (alexandrino):

Para todas, evidentemente, inclusive as obras deuterocanônicas, pois fazem parte integrante da Bíblia adotada pelos Apóstolos e seus sucessores (=Septuaginta), indiscutivelmente, histórica e cientificamente falando!

E já vimos que até sociedades bíblicas e autores protestantes admitem que a Septuaginta era o Antigo Testamento oficial da Igreja Apostólica e Primitiva.

Logo, não precisamos perder muito tempo com este ponto.

* * *

5º) Recorde-se, mais uma vez, que ainda que Jesus adotasse em Lucas 24,44 a “divisão tripartida” tradicional dos judeus palestinenses (o que é bem diferente de adotar exatamente os mesmos livros definidos em Jâmnia, cerca de 1 século depois, e ainda na mesmíssima ordem em que se encontram na Bíblia hebraica desde então), isto de maneira nenhuma excluiria os deuterocanônicos, porque estes – como parte integrante da Bíblia adotada pelos Apóstolos -, poderiam ser fácil e naturalmente classificados dentro do grupo dos Escritos e Proféticos (tal como os protocanônicos), e talvez numa disposição que preservasse a ordem de primeiro e último livros dentro de cada divisão (logo, seria possível abrigar facilmente os 46 livros dentro da divisão tradicional), pois, como já vimos, os livros que compunham estas duas categorias ainda suscitavam fortes discussões entre os judeus em plena Era Cristã, quando a Antiga Aliança já tinha sido superada pela Nova!

Principalmente, também, porque os diversos livros do Antigo Testamento não estavam unidos em um volume único, como temos hoje na nossa Bíblia (e que só foi possível pela criação dos “códices”); na verdade, cada livro era um ***rolo distinto***, guardados juntos tendo em vista sua sacralidade. Quanto a isto, esclarece a “TEB-Tradução Ecumênica da Bíblia” (1ª ed., 1994, p. 4):

  • “Antes da aparição da forma codex (=páginas encadernadas em sequência como nos livros atuais), os livros eram rolos; sendo necessários uns vinte rolos para escrever todo o Antigo Testamento. Os bibliotecários os ordenavam em cofres, para protegê-los e classificá-los. O caráter eminentemente sagrado do Pentateuco vetava guardar outra coisa no cofre que lhe era reservado, mas quanto à disposição dos outros rolos, não havia nenhuma ordem rigorosa” (grifos nossos).

A propósito, convém ressaltar que, quanto a um “cânon certo e indiscutível”, a única certeza consensual entre os diversos grupos judaicos (saduceus, fariseus, essênios, samaritanos, alexandrinos etc), é que os Cinco Livros de Moisés (Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) formavam a “Lei” em sentido estrito e que aqui nenhum outro livro deveria ser acrescentado, ainda que anteriormente se falasse de “Heptateuco” (=7 livros), que acrescentava à Lei também os livros de Josué e Juízes!

É por isso que vemos Jesus discutir com os saduceus usando apenas argumentos tirados da Lei pois, para estes, o que estivesse fora do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) não era de fato Escritura Sagrada! Por que Jesus não aproveitou a oportunidade para um debate ou esclarecimento “mais aprofundado”, já que adotava um cânon “certo e mais longo” que o dos saduceus??

* * *

6º) Que Jesus não criou uma categorização própria já o livro do Eclesiástico (escrito originariamente por um judeu-palestinense) demonstra com cerca de dois séculos de antecedência, como vimos…

E poderiam ser acrescentados livros (=rolos) ao cânon do Antigo Testamento depois destes “antepassados” lidos pelo avô do tradutor? Certamente que sim, pois o cânon ainda não estava definitivamente encerrado e o livro protocanônico de Daniel é um bom exemplo disso: sua redação final, tal como se encontra em nossas Bíblias, é do período macabaico (entre 167 e 164 a.C.).

Ademais, os critérios adotados pelo Sínodo de Jâmnia, no séc. I d.C. (nunca custa lembrar este detalhe!) eram claramente nacionalistas (os livros deveriam ser redigidos e conservados em hebraico ou originados na Palestina).

Ora, se havia, com toda a certeza, judeus fiéis a Deus fora da Palestina, porque só os residentes neste último território seriam privilegiados por Ele? Os judeus residentes em Alexandria, cumpridores da fé judaica, não fariam também parte do Povo Santo, do Povo Eleito? Por que Deus se calaria, em claro prejuízo para estes?

Por outro lado, se a língua hebraica era imprescindível, porque o livro de Daniel possui significante parte (2,4 a 7,28) redigida em aramaico? E ainda no de Esdras (4,8 a 6,18) e de Jeremias (10,11)? E se se aceita esta outra língua, por que não aceitar também o grego? E se – como alguns irmãos separados fazem questão de argumentar – o problema era a língua grega em si (por não ser nem o hebraico nem o aramaico do Antigo Testamento, violando assim a clara determinação de Jâmnia) por que essa a mesma língua grega não teria contaminado 100% do Novo Testamento (salvo o original aramaico de Mateus, que se perdeu)?

Constata-se, assim, quão insólitos e frágeis são os argumentos do artigo ora refutado.

  • Observe este trecho de Jesus aos escribas e fariseus:
    29 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos. 30 E dizeis: Se existíssemos no tempo de nossos pais, nunca nos associaríamos com eles para derramar o sangue dos profetas. 31 Assim, vós mesmos testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. 32 Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. 33 Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno? 34 Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade. 35 Para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar. 36 Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre esta geração.
    Aqui, os escribas e fariseus estão proclamando corajosamente que se tivessem vivido nos tempos de seus antepassados eles não teriam apedrejado os profetas de Deus. Mas, Jesus diz que eles têm perseguido os homens de Deus, tal como os seus pais tinham, e que eles iriam continuar a fazê-lo (v. 34). Em seguida, observe o que é dito no próximo versículo “… dessa geração sera cobrado desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias… “
    O que Jesus estava querendo dizer? Bem, Abel foi assassinado no livro de Gênesis, o primeiro livro da Bíblia. E Zacarias? Qual é o livro do assassinato relacionado?
    Bem, vamos olhar para outro texto, uma passagem paralela:
    Lucas 11
    51,52 Desde o sangue de Abel, até ao sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo; assim, vos digo, será requerido desta geração. Ai de vós, doutores da lei, que tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam.
    Observe que Jesus acusa os escribas e fariseus de retirar a chave do conhecimento. Que chave é essa? E o que é que Deus está exigindo desta geração? A resposta está na frase “A partir do sangue de Abel até o sangue de Zacarias …”Bem, novamente, Abel foi assassinado no primeiro livro da Bíblia (Gn 4:8). Agora os protestantes, que antecipam a resposta, talvez queriam procurar o assassinato de Zacarias no livro de Malaquias.
    Outra coisa, observe que Jesus, judeu (cheio das Escrituras e possuindo a chave do conhecimento, os oráculos de Deus), circunstâncialmente se refere, desde o primeiro até o último livro do Velho Testamento.
    Um protestante, portanto, poderia muito bem abrir sua Bíblia para pesquisar no último livro do Antigo Testamento, Malaquias, para o martírio de Zacharias. No entanto, Malaquias não é o último livro do Tanakh hebraico! O quê? Isso é correto. O hebraico bíblico, embora idênticos em termos de conteúdo para o Antigo Testamento protestante, não está na mesma ordem que as Bíblias católica ou protestante. Em hebraico o último livro da Bíblia é o livro das Crônicas. É aí que encontramos o assassinato de Zacarias entre o altar e o templo:
    II Crônicas 24
    20 E o Espírito de Deus revestiu a Zacarias, filho do sacerdote Joiada, o qual se pôs em pé acima do povo, e lhes disse: Assim diz Deus: Por que transgredis os mandamentos do Senhor, de modo que não possais prosperar? Porque deixastes ao Senhor, também ele vos deixará. 21 E eles conspiraram contra ele, e o apedrejaram por mandado do rei, no pátio da casa do Senhor. 22 Assim o rei Joás não se lembrou da beneficência que Joiada, pai de Zacarias, lhe fizera; porém matou-lhe o filho, o qual, morrendo, disse: O Senhor o verá, e o requererá.
    Vale a pena notar que enquanto Abel foi o primeiro mártir, Zacarias não é o último no Antigo Testamento, cronologicamente falando. Esse foi o profeta Urias, morto pelo rei Jeoiaquim em Jeremias 26:20-23, mais de um século após o martírio de Zacarias:
    Jesus não falava cronologicamente do primeiro ao último mártir. Se fosse assim ele poderia ter dito: “a partir do sangue de Abel até o sangue de Urias”, mas não era isso que ele pretendia. Ele estava se referindo claramente ao Canon do Velho Testamento. Incrível, Jesus fez de propósito, e apenas os que tem fé e visão suficiente percebem a sabedoria universal de Deus que antecipava a eliminaçao de todos os erros adulterações que se levantariam contra aqueles que acrescentassem livros expúrios e duvidosos à sua santa Palavra.
    Jesus, sabiamente, jeitosamente, e munido de circunstâncias favoráveis, nos favorece com a exata composição dos livros do Velho Pacto. Aqui, Ele faz menção do primeiro até o último livro das Escrituras Veterotestamentárias. Portanto, em Mateus 23:35 e Lucas 11:51 e em Lucas 24:44, Jesus estava referindo-se explicitamente a ordem e as divisões dos livros no hebraico bíblico como o completo leque das Escrituras Sagradas.
    Veja o resultado coletivo citado por Jesus. Note que a terceira divisão especial do livro é definida como começando em Salmos e terminando em 2 Crônicas.
    Tanakh
    (Hebraico bíblico como delineado por Cristo)
    A Lei : Gênesis – Deuteronômio
    Os Profetas: Josué – Malaquias
    Os Escritos: Salmos – 2 Crônicas
    Muito antes de qualquer concílio católico romano, o mesmo hebraico bíblico, o Tanakh, era conhecido pelos cristãos como o Antigo Testamento. Embora o Canon hebraico seja composto de 24 livros, e a Bíblia dos protestantes – Antigo Testamento – tenha 39 livros, eles são idênticos no conteúdo real. A diferença para a contagem é que certos livros no Tanakh ficaram juntos.
    Correção: circunstancialmente se refere desde o primeiro até o último livro do Velho Testamento.

Tudo muito “bonito e interessante”, se não fossem alguns pequenos detalhes que põem por terra todo o edifício construído (sobre a areia) pelo artigo.

1º) Cristo não “delineou” o cânon hebraico, como já notamos; na verdade, o máximo que Ele poderia fazer seria considerar a classificação dos Textos Escriturísticos da mesma forma que considera a tradição judaica anterior a Ele, como bem testemunha o Prefácio do livro do Eclesiástico: Lei – Profetas – Escritos (e que, portanto, já era conhecida também pelos judeus alexandrinos).

Até aí, nada de mais, pois já discorremos bastante sobre a questão…

* * *

2º) Quem estabeleceu a “lista hebraica” de livros de cada uma dessas categorias foram os judeus de Jâmnia, em plena Era Cristã e não sem muita controvérsia, como também já vimos anteriormente; e, mesmo assim, o parecer dado em Jâmnia caracterizou-se mais pelo consenso do que pela definitividade (=autoridade), pois ainda depois de Jâmnia os judeus discutiram sobre a canonicidade de Ezequiel, Provérbios e, novamente, os “desde sempre problemáticos” Cântico dos Cânticos, Ester e Eclesiastes…

Ora, se Jesus, ao adotar a tríplice partição tradicinal das Escrituras vétero-testamentárias, se refere “claramente”, “sabiamente”, “desde o primeiro até o último livro do Velho Testamento”, pergunta-se: quais livros especificamente? Incluiria também Cântico dos Cânticos, Ester e Eclesiastes, que sempre motivaram dúvidas e nunca foram citados no Novo Testamento, nem implicitamente? E estariam necessariamente excluídos os rolos deuterocanônicos inseridos dentro dessa tripartição, contra os quais Ele jamais disse algo – explícita ou implicitamente – que os comprometesse?

* * *

3º) Por outro lado, Pedro confessa e expressa com toda exatidão: “Senhor, Tu sabes tudo!” (João 21,17).

Mas não sabia o Senhor que o conteúdo do cânon bíblico viria a ser um problema entre os cristãos, da mesma forma que já era, no seu tempo, para os judeus? Por que Ele mesmo não estabeleceu o cânon dos Escritos Sagrados? Por que, após sua ressurreição, não ordenou a seus Apóstolos para que definissem rapidamente o cânon? Por que tolerou o uso da Septuaginta, que trazia consigo os deuterocanônicos? Por que permitiu que se fizessem referências implícitas a estes livros? Por que não tomou o cuidado devido de citar (ou mandar citar) explicitamente e exclusivamente cada um dos livros protocanônicos na 1ª oportunidade que surgisse? Por que também não apontou a “Sola Scriptura” como doutrina obrigatória para a Igreja?

Vejamos: a concepção virginal de Jesus em Maria Santíssima – um dos dogmas mais básicos do Cristianismo e aceito até mesmo pela maioria esmagadora dos protestantes, inclusive fundamentalistas, provém justamente da Septuaginta, da sua “leitura divergente” de Isaías 7,14. Com efeito, lemos no original hebraico:

  • “Eis que a jovem (=’almah) concebeu e dará à luz um filho” (Isaías 7,4 – hebraico).

Enquanto que no grego:

  • “Eis que a virgem (=partenos) concebeu e dará à luz um filho” (Isaías 7,4 – LXX)

Ora, como bem sabemos, “jovem” não significa necessariamente “virgem”, como lemos no Novo Testamento (Mateus 1,23), que cita explicitamente a Septuaginta (e isto apesar de Mateus ser judeu palestinense!).

Não deveria, então, o artigo ora refutado, adotando tenazmente o cânon hebraico do Antigo Testamento, adotar também, para Mateus 1,23, a leitura do texto hebraico, pois sendo Mateus palestinense e tendo escrito seu evangelho originalmente em aramaico/hebraico, “‘almah” deveria ser “claramente” o “termo correto”, “facilitando” aos destinatários protestantes do artigo, de quebra e sobremaneiramente, a resolução da controvérsia sobre os “irmãos do Senhor”, em sentido carnal e consanguíneo?

* * *

4º) A ordem dos livros dentro de cada uma das três categorias é fruto de consenso humano (=tradição judaica, com “t” minúsculo) e não divino (=doutrina cristã). Prova disso é que, além das próprias Escrituras não indicarem quais são os livros que formam o seu cânon (quer do Antigo, quer do Novo Testamento, sendo o índice mera facilidade editorial), muito menos aponta onde cada um desses escritos poderia se enquadrar: 1Reis/2Reis, por exemplo, não se enquadrariam melhor como “Escrito” ao invés de “Profeta”, considerando sua grande semelhança com 1Crônicas/2Crônicas? E Daniel, não se enquadraria melhor como “Profeta” ao invés de “Escrito”, como faz a Septuaginta e claramente percebe o Novo Testamento?

Ora, no tocante a Daniel, por exemplo, reconhece o professor judeu Samuel Sandmel, da Hebrew Union College de Cincinatti (Ohio-EUA):

  • “Embora Daniel, na Bíblia hebraica, seja encontrado entre a hagiografia [=Escritos] mais que entre os profetas, ele realmente foi um profeta” (Introdução aos Livros Profeticos, in Bíblia Sagrada Mirador Edição Ecumênica 1980; grifo nosso).

Pois bem. Prova dessa “dificuldade de enquadramento” encontramos nas Bíblias exclusivamente protestantes: muito embora adotem o cânon hebraico (com seus 24/39 livros), estes deveriam – logicamente – estar dispostos segundo a ordem que a Bíblia Hebraica estabelece (e que segue a definição de Jâmnia, do século I DEPOIS de Cristo), ou seja:

a) A Lei: Gênesis até Deuteronômio

b) Os Profetas: Josué até Malaquias

c) Os Escritos: Salmos até 2Crônicas

Porém, o que encontramos quando abrimos essas Bíblias??? Contraditoriamente, esses 39 livros – aliás, deveriam ser exatamente 24, como na Bíblia Judaica! – ordenados (e divididos) conforme a ordem (e divisão) da Septuaginta grega, com uma variaçãozinha aqui ou acolá (p.ex.: Jó antes de Salmos); ou seja, numa 5ª ordem alternativa, ainda que distribuídos conforme as suas 2, 3 ou 4 categorias seguidas pela Septuaginta!!!

* * *

5º) Ora, a partir do momento em que a ordem dos livros passa a influir numa questão tão importante quanto a definição EXATA do cânon das Escrituras, isto deixa de ser mero costume/disciplina (sujeitos a mudanças temporais, conforme critérios de conveniência e oportunidade) e passa a ser doutrina fixa (logo, inalterável desde sempre). Com efeito, é de se perguntar:

a) Por que o próprio Jesus Cristo não o definiu expressamente, apontando nominalmente cada um dos livros e, obviamente, sua ordem dentro de cada uma das 3 divisões da Bíblia hebraica?

b) Por que os Apóstolos não “reordenaram” definitivamente os livros da Septuaginta que adotaram (cf. João 14,17)? Por que não resolveram essa questão no Concílio Apostólico de Jerusalém (Atos 15) ou em outro Concílio especialmente convocado para isso?

c) Por que os cristãos primitivos (cf. João 16,13), antes da Igreja ter sido “corrompida por Constantino” (para quem acredita nesta estória), também não o definiram autoritativamente?

d) Por que figuras magníficas que conheciam profundamente as Escrituras, como Santo Agostinho e São Jerônimo (ambos muito admirados e influentes inclusive entre os protestantes), nunca “perceberam” nada, nunca foram “iluminados” quanto a isto?

e) Por que os Reformadores Protestantes e seus seguidores contemporâneos não foram capazes de enxergar isso (até porque eram “diretamente iluminados pelo Espírito Santo”, segundo se afirma em certos ambientes)? Por que não “aproveitaram” o fato de terem adotado apenas o texto hebraico para “restabelecer a ordem correta” segundo o “cânon hebraico”?

f) Por que só depois de 2000 anos a partir de Cristo é que o Espírito resolveu “revelar”, a “alguém privilegiado”, “o legítimo e oficial cânon bíblico, com a ordem correta e única de seus livros”, ocultando isto não apenas dos cristãos católicos e ortodoxos, mas inclusive dos próprios “irmãos na fé reformada” nestes últimos 500 anos???

A matemática responde com toda precisão: isto porque “a ordem dos fatores não altera o produto”.

* * *

6º) Sabemos, pela História da Igreja, que apesar dos primeiros cristãos pós-apostólicos adotarem os deuterocanônicos como livros inspirados, entre o século III e V houve um período de incertezas quanto a estas obras, isto porque, nas disputas com os judeus, os cristãos passaram a não usar os deuterocanônicos já que estes não eram mais aceitos por aqueles.

Antes disso, a partir do séc. II, pouquíssimas discrepâncias só ocorrem em virtude da influência direta dos judeus. É o que acontece, por exemplo, com Melitão, bispo de Sardes (séc. II) que, escrevendo a Onésimo, declara que:

  • “Quando, pois, fui para o Oriente e cheguei ao lugar em que tais coisas foram proclamadas e feitas, verifiquei com precisão os livros do Antigo Testamento e os envio a ti, conforme abaixo. Os nomes são os seguintes: de Moisés, 5 livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio. Josué (filho de Num), Juízes e Rute; 4 [livros] de Reis; 2 [livos] de Paralipômenos (Crônicas); Salmos de Davi, Provérbios de Salomão (também chamado Sabedoria), Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó; dos profetas: Isaías, Jeremias; dos 12 profetas, 1 livro; Daniel, Ezequiel e Esdras. Desses fiz, portanto, a seleção que dividi em 6 livros” (Carta a Onésimo; cf. Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica IV,26; grifo nosso).

Pergunta-se agora: tendo Melitão estado na Palestina após a definição de Jâmnia e “verificado com precisão” o cânon do A.T., por que não apontou aqui o livro de Ester como canônico? E, sendo a ordem hebraica tão importante e necessária – como afirma o artigo – porque seguiu uma ordem que não segue a Bíblia hebraica?

Temos aqui novamente a certeza matemática: porque “a ordem dos fatores, de fato, não altera o produto”.

* * *

7º) E mais: ainda que Jesus estivesse, nas passagens de Mateus e Lucas, adotando o “cânon palestinense”, sem os deuterocanônicos do “cânon alexandrino”, isto não seria tecnicamente errado pois Jesus estava se dirigindo especialmente aos fariseus e escribas (cf. Mateus 23,1; Lucas 11,37), os quais adotavam como sagrados mais livros que os saduceus e os samaritanos. Da mesma forma, Jesus só adota o Pentateuco quando debate com os saduceus (cf. Mateus 22,23.31-32; Marcos 12,18.26-27; Lucas 20,27.37-38).

O mesmo fizeram os apologistas cristãos do passado. Por isso, escreve Orígenes:

  • “Nós [cristãos] procuramos não ignorar quais são as Escrituras dos judeus, a fim de que, ao disputarmos com eles, não citemos aquelas que não se encontram nos exemplares deles, mas sim aquelas de que se servem” (Epístola a Africano 5; grifos nossos).

O mesmo costumam a fazer os apologistas católicos quando debatem doutrinas da Igreja com apologistas protestantes: não empregam os deuterocanônicos, embora os considerem inspirados e, portanto… canônicos!

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8º) Consideremos por fim – como a cereja que faltava no bolo – que o artigo, “diretamente inspirado” neste século XXI, tenha toda razão e que Cristo delineou “claramente” e com uma antecedência de quase 100 anos o cânon de Jâmnia (ou teria sido Jâmnia que se deixou influenciar por esta “clareza” de Cristo para definir seu cânon, preocupada em auxiliar a causa cristã?), com os livros na ordem exata e estabelecida por este. E que falando “do sangue de Abel até o sangue de Zacarias” estaria se referindo do primeiro ao último livro do cânon judaico, com todos os 24 livros na “ordem correta” da Bíblia Judaica…

Bom, para facilitar a exposição e a leitura em conjunto, reproduzamos aqui os dois versículos do Novo Testamento (Mateus 23,35; Lucas 11,51) ao lado daquele do Antigo Testamento (2Crônicas 24,20-22) a que relaciona o artigo que refutamos:

  • 2Crônicas 24: 20 E o Espírito de Deus revestiu a Zacarias, filho do sacerdote Joiada, o qual se pôs em pé acima do povo, e lhes disse: Assim diz Deus: Por que transgredis os mandamentos do Senhor, de modo que não possais prosperar? Porque deixastes ao Senhor, também ele vos deixará. 21 E eles conspiraram contra ele, e o apedrejaram por mandado do rei, no pátio da casa do Senhor. 22 Assim o rei Joás não se lembrou da beneficência que Joiada, pai de Zacarias, lhe fizera; porém matou-lhe o filho, o qual, morrendo, disse: O Senhor o verá, e o requererá.
  • Mateus 23: 35 Para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar.
  • Lucas 11: 51 Desde o sangue de Abel, até ao sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo; assim, vos digo, será requerido desta geração. 52 Ai de vós, doutores da lei, que tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam.

Pergunta-se agora:

a) Qual é o nome do profeta a quem as três passagens fazem referência?

– Alguém de nome Zacarias, sem sombra de dúvidas.

b) Quantos personagens possuem esse nome na Bíblia?

– Responde o “Dicionário da Bíblia de Almeida” (Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª ed., 1999), excluindo os deuterocanônicos:

ZACARIAS [Javé Se Lembra] 1) Profeta que foi assassinado no tempo do rei Joás (2Cr 24.20-22).
2) Décimo quarto rei de Israel, que reinou seis meses, em 743 a.C., depois de Jeroboão II, seu pai (2Rs 15.8-12; 18.2).
3) Profeta, companheiro de Ageu, que profetizou entre 520 e 518 a.C. (Ed 5.1; 6.14; v. ZACARIAS, LIVRO DE).
4) Pai de João Batista (Lc 1.5-79).

c) A qual dos 4 Zacarias poderia Jesus estar se referindo?

– Lucas não diz nada sobre a identidade pessoal desse Zacarias, mas Mateus diz que trata-se do “filho de Baraquias”, enquanto que 2Crônicas aponta para o “filho de Joiada”. Ora, Zacarias 1,1 se identifica como “filho de Baraquias” (o que se confirma por Isaías 8,2) e que Neemias 12,16 acrescenta pertencer à família de Ado (daí o fato de Esdras 5,1 e 6,14 chamá-lo de “filho de Ado”).

d) Mas… E se Mateus (de origem palestinense) ***errou*** e “colocou na boca” de Jesus a expressão “filho de Baraquias”, devendo, no entanto, ter imitado Lucas (ou seja, dizendo apenas “Zacarias”)… Então, sim, seria o Zacarias filho de Joiada?

– NÃO, porque, segundo Lucas, este Zacarias “foi morto entre o altar e o templo” e, conforme 2Crônicas 24,21, este outro Zacarias foi morto “no pátio da casa do Senhor”, ou seja, FORA da área do Altar e do Lugar Santo! Outro erro escriturístico de Jesus? Ou de Lucas, que entretanto havia se informado “minuciosamente de tudo desde o princípio” (cf. Lucas 1,3)?

e) Então como solucionar a questão?

– Simples! Basta ler Lucas 11 a partir do versículo 49 (e não do 51, como propõe o artigo)! Reproduzamos os versículos 49 a 51 conforme a “Bíblia de Almeida Revista e Corrigida”, da Sociedade Bíblica do Brasil:

  • Lucas 11: 49. Por isso diz também a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei; e eles matarão uns, e permitirão outros; 50. Para que desta geração seja requerido sangue de todos os profetas que, desde a fundação do mundo, foi derramado; 51. Desde o sangue de Abel, até ao sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo; assim vos digo, será requerido desta geração.

O que temos aqui? Uma afirmação de autoria de Jesus (como deu a entender o autor) ou de autoria de terceiro (como aponta claramente o versículo 49)?

Não há dúvidas: Cristo cita uma afirmação feita por outra pessoa (e que considera útil para a situação que presenciava). A frase de terceiro inicia-se com as palavras: “Profeta e apóstolos lhes mandarei…”; e encerra-se com “…entre o altar e o templo”. Já as palavras “assim vos digo, será requerido desta geração”, constituem o retorno do discurso próprio de Jesus e tão somente confirmam aquilo que terceiro – homem pio e justo – já observara muito tempo antes: que o sangue do inocente recairá sobre os ímpios responsáveis pela sua morte. E, ao apontar que “isso será requerido desta geração”, antecipa aos seus ouvintes que, também Ele – o Santo Inocente por excelência – sofrerá a Paixão violenta: será entregue à morte pelos ímpios e também estes, mais do que os anteriores, sofrerão as terríveis consequências de seus atos iníquos.

É muitíssimo interessante observar que as palavras que constituem essa sabedoria de Deus NÃO se encontram na Bíblia! E isto não apenas demonstra que Jesus não era partidário da “Sola Scriptura” como também explica o fato de outros apóstolos fazerem referências a escritos extrabíblicos em seus escritos (cf. Atos 17,28; Tito 1,12s; Judas 1,9.14), como já tivemos a oportunidade de apontar anteriormente.

Por outro lado, Mateus 23,35 não cai em contradição com Lucas 11,49, pois realmente Jesus referendou o significado (não o teor material) de tais palavras; Mateus simplesmente omite o fato disto constituir uma citação de terceiro provavelmente por não achar relevante tal informação e/ou por inserí-la em um discurso direto contra os escribas e fariseus hipócritas (todo o capítulo 23). Tal detalhe, contudo, não escapou do minusioso crivo de Lucas que, antes de redigir o seu Evangelho, tomou o cuidado de informar-se de tudo (cf. Lucas 1,3)!

* * *

9º) Concluo agora, citando, mais uma vez, o protestante Edgar J. Goodspeed, que recorda a base histórica de tudo e tem relação DIRETA com o cânon verdadeiramente cristão:

  • “Enquanto os judeus da Palestina limitavam o conteúdo de suas Escrituras aos livros que [nós protestantes] conhecemos como o Velho Testamento [sem os livros deuterocanônicos], os judeus que falavam grego e que viviam no Egito não pararam aí. Entre eles cresceu um considerável grupo de outros escritos históricos e religiosos, em parte pela tradução de novas obras da literatura hebraica, ou pela ampliação de livros do Velho Testamento tais como Ester e Daniel, no decurso de sua tradução para o grego, e também por composições originalmente escritas em grego. Esses livros associaram-se no Egito aos livros do Velho Testamento já traduzidos e assim passaram a fazer parte de Velho Testamento em grego, a chamada Versão dos Setenta. E, quando esta versão tornou-se a Bíblia da Igreja Primitiva, esses livros vieram com ela […] Quais foram esses livros tão altamente estimados pelos cristãos por tantos séculos, e que ainda fazem parte de qualquer edição [protestante] Autorizada da Bíblia? [Ampliações de Ester e Daniel, Eclesiástico, Sabedoria, Tobias, Judite, 1Macabeus, 2Macabeus e Baruc] […] Há perigo em ficar-se com uma falsa apreciação da história religiosa cristã e judaica se tentarmos passar diretamente do Velho Testamento ao Novo omitindo os livros apócrifos. Eles fizeram parte dos fundamentos literários do movimento cristão. […] Sua influência se exerceu em cada livro do Novo Testamento Talvez o que de mais instrutivo eles têm para nós é o contraste entre a atitude cristã e farisaica que eles mesmos fizeram possível.” (obra citada; grifos nossos)

Como se vê, o artigo que você nos enviou é mais um daqueles tristes casos em que o subjetivismo protestante tenta fundamentar seus achismos particulares, aproveitando-se aqui de uma mera hipótese acadêmica adaptada “na amarra” à Sola Scriptura.

Neste caso, porém, há uma agravante: além de desprezar as questões de ordem bíblico-histórico-científica que a matéria exige (as quais permitem desconsiderar a hipótese acadêmica), contraria ainda a doutrina da “Sola Scriptura” (à qual o autor, certamente protestante, deveria se sujeitar), isto porque a ordem dos livros nas Bíblias protestantes também não segue a ordem dos livros na Bíblia judaica (esta, por sua vez, definida apenas no ***século I depois de Cristo***) e se reter tal ordem é necessária para o estabelecimento correto do cânon, terá que recorrer a uma Bíblia Hebraica e desprezar, por consequência, todo o Novo Testamento…

P.S.: 1. Fizemos questão de citar aqui, preferencialmente, autores protestantes porque, embora concordemos com eles nos pontos aqui reproduzidos (já que refletem fatos históricos ou cientificamente reconhecidos), de nada mesmo nos adiantaria apontar a posição dos autores [realmente] católicos, porque é certamente destes que os protestantes discordam (=protestam) quando escrevem seus artigos anticatólicos… Se bem que, como além da antibíblica doutrina da Sola Scriptura, também adotam a “livre interpretação”, já sabemos de antemão que muitos não aceitarão nem mesmo o que os seus próprios irmãos de fé reconhecem aqui com toda a honestidade intelectual… 😉

2. Para o conhecimento detalhado da história da formação do cânon bíblico, recomendamos a leitura atenta do livro “O Cânon Bíblico: a origem da lista dos livros sagrados” , de autoria de nosso irmão no Apostolado, Alessandro Ricardo Lima, publicado pela editora ComDeus.

[]s,
Fique com Deus

Carlos Martins Nabeto

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