Para a Igreja, que viu a Bíblia formar-se em seu seio, as Santas Escrituras constituem um valor inestimável, digno de veneração. Entre os patriarcados ortodoxos (que hoje somam algumas dezenas), a Bíblia também tem imenso valor, e poderíamos até dizer que as poucas divergências teológicas entre estes grupos se dá exatamente pelo respeito com que tratam a Bíblia.
A partir do século XVI, acontece uma reviravolta no papel que a Bíblia ocupa na Cristandade. Vejamos:
– Protestantes: Lutero introduz o princípio da “Livre Interpretação da Bíblia”, pela qual cada ser humano tem o poder de entender a Bíblia conforme lhe parecer. Ora, desta forma, a Bíblia, verdade revelada e objetiva, fica submetida ao subjetivismo de cada um. É com este princípio que começam as múltiplas divisões no Cristianismo e uma queda no valor da Bíblia para muitos.
Partindo da teoria para a prática, é o próprio Lutero quem resolve fazer um tradução da Bíblia a seu modo. Esta tradução, cheia de erros, é atacada ferozmente pelos próprios reformadores. Zwinglio, em seu livro “Dos Sacramentos” acusa Lutero de ter “corrompido a palavra de Deus”. Realmente, um exemplo que encontramos é a inserção da palavra “só” em Rm 3,28, que simplesmente não existe no original, mas foi ali acrescentada para facilitar o principio luterano da “sola fides”. Esta versão da Bíblia, por seus erros, fez com que o rei Henrique VIII, também reformador, pedisse uma nova tradução da Bíblia, conhecida como “A Bíblia do Bispo”, pronta em 1586. Como ainda estava impregnada de erros, só e finalmente em 1881 os anglicanos ganham uma Bíblia melhor, conhecida como a “Versão Revisada” ou “Bíblia do Rei Jacó”.
Não bastasse, é também Lutero quem retira determinados livros da Bíblia. Depois desta totalmente traduzida, com seus 73 livros, o reformador percebe que alguns livros causariam problemas para suas teses. Não hesita e suprime vários livros do Antigo Testamento, e a Carta de São Tiago, no Novo Testamento, considerada uma das “cartas católicas”. É novamente o barulho dos reformadores que faz Lutero recuar e aceitar como inspirada a incômoda Carta de São Tiago.
– Mórmons: inserem na já sofrida Bíblia um livro advindo de uma “terceira revelação”, entregue pelo anjo a Joseph Smith. Este “Livro de Mórmon”, até hoje ninguém viu os originais (tábuas de ouro), exceto o próprio Joseph Smith e algumas poucas testemunhas.
O dito livro se confronta diretamente com os demais livros da Bíblia. Seja materialmente, seja formalmente. Em termos de doutrina, mas parece uma novela para adaptar a Bíblia aos ensinos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Em termos de forma, estranhamente o livro já veio dividido em capítulos e versículos, quando sabemos que tal divisão foi feita pela Igreja, não sendo originária da Bíblia. O livro de Mórmon também traz uma série de nomes “montados”, usando termos judaicos e norte-americanos.
– Espíritas: também como terceira revelação, agora dirigida ao francês Allan Kardec. Aparece o “Pentateuco Espírita”, conjunto de 5 livros que se choca fortemente com o Antigo Cânon e também serve para adaptar o Cristianismo ao Espiritismo. Adaptações mal feitas, logo aparecem no “Evangelho segundo o Espiritismo”, onde temos uma interpretação extremamente livre do Cristianismo. O pior encontramos no livro “A Gênese”, onde a passagem para justificar a “terceira revelação” e a “missão de Kardec” simplesmente é uma montagem de trechos bíblicos, fraude tão grosseira, embora engenhosa, onde acontece até troca de sujeitos nas orações. As próprias revelações são desmentidas por um dos co-autores: “São evidentemente o reflexo do que eu sabia, do que pensávamos naquela época.”( Camilo Flammarion; in Les morts vivent-isl, p. 89)
– Testemunhas de Jeová: não adotam a técnica da “terceira revelação”, mas voltam a antiga prática de fazer traduções dirigidas. Estranhamente, houve uma tradução do inglês para o inglês, já que o fundador de tal religião, Carlos Russell, não sabia grego e ficou conhecido pelo crime de perjúrio, no então tribunal canadense. Melhor seria dizer que a Bíblia aí foi reescrita de modo a anular passagens que iam de contra a doutrina pretendida. Assim, trechos que falam da Divindade de Cristo, da Santíssima Trindade, entre outros, ficaram fortemente prejudicados.
Diante destes fatos, o leitor pode está se perguntando: e minha Bíblia, é confiável ? Basta verificar se sua Bíblia apresenta os 73 livros, e também se consta nela (em geral, na primeira página), o termo latino “Imprimatur” (Imprima-se), o que quer dizer que, ao menos, um bispo católico analisou a edição desta Bíblia.
Outra indagação poderia surgir: tais fatos contribuíram para que muitos não dessem a Bíblia o prestígio que ela merece ? Indiretamente, sim. E a situação se agravaria ainda com alguns filósofos iluministas, que ao zombar da Religião, não podiam deixar de atingir a Bíblia. E o relativismo predominante na sociedade moderna de hoje tem atingido até mesmo muitos católicos. O que podemos fazer é rezar (fé) e procurar instruir as pessoas (obras) ao nosso redor !