Quantos livros apócrifos existem na Bíblia católica?

Gostaria de uma explicação sobre a diferença entre livros inspirados e os não [inspirados]. E QUANTOS SÃO OS LIVROS APÓCRIFOS E QUAIS FAZEM PARTE NA NOSSA BÍBLIA [CATÓLICA]? OBRIGADO. Gostaria de dizer que tenho aprendido muito com o Veritatis Splendor e que é bom demais ter um canal que possa nos ajudar nas nossas dúvidas. Falta muito isso na nossa Igreja. Deus abençoe! (Pedro)

Prezado Pedro,

Pax et Bonum!

Quando falamos de “livros inspirados” queremos apontar aquelas obras que a Igreja Católica afirma, com certeza absoluta e inequívoca, terem sido redigidas sob a inspiração direta do Espírito Santo. Conseqüentemente, os livros inspirados contêm a própria Palavra de Deus, não obstante terem sido escritos por seres humanos. Em outras palavras, estes autores humanos, uma vez inspirados diretamente pelo Espírito Santo, serviram como instrumentos de Deus e “colocaram no papel” Suas Santas Palavras.

A Igreja Católica reconhece, com efeito, a inspiração de apenas 73 livros, os quais formam a sua Bíblia Sagrada, sendo 46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento. Arrolados um a um, compõem o que chamamos de “cânon da Bíblia”.

Além destes 73 livros inspirados, não existe mais nenhum outro assim declarado pela Igreja (ainda que se possa acreditar na existência de outros, mas que se encontram perdidos desde a Era Apostólica, como a famosa Epístola de São Paulo aos Laodicenses, citada em Colossenses 4,16; tal perda, porém, não nos faz falta, vez que cremos que o conteúdo abordado pelos livros que formam o cânon são suficientes pela graça e misericórdia de Deus).

Por “livros não inspirados” podemos entender aqueles livros que são fruto exclusivo do intelecto e vontade humanos, que não contam com a garantia inspiradora do Espírito Santo. É evidente que esses livros podem sim conter fatos, citações e conclusões reais e verdadeiras, inclusive relatando ou reproduzindo palavras reconhecidamente inspiradas, repassadas por Tradições (com “T” maiúsculo) escritas e/ou orais; mesmo assim, não poderiam ser considerados livros inspirados, já que em seu bojo contém também palavras não-inspiradas Exemplo disto seriam as obras dos Santos Padres e certos doutores e escritores eclesiásticos, pouco importando sua antigüidade. Temos assim que o dom da inspiração para redigir a “revelação pública” findou-se com a morte do último Apóstolo, São João, que redigiu o Apocalipse.

“Livros apócrifos”, por outro lado, são aqueles livros antigos que, querendo deliberada e falsamente passar uma imagem de “inspirado” para o leitor, foram formalmente contestados, afastados e rejeitados pela Igreja Católica. Podem também conter fatos, citações e conclusões reais, mas não são dignos de figurar no cânon da Bíblia por conterem fantasias, erros doutrinários, heresias, entre outras coisas condenáveis pela Fé Cristã, oriundas da limitações humanas e erros doutrinários e morais professados por seus respectivos autores. São muitos esses livros; você pode ter uma pequena idéia lendo o nosso artigo “QUAIS SÃO OS LIVROS APÓCRIFOS?” (https://www.veritatis.com.br/article/4446).

Você nos pergunta também: “Quantos são os livros apócrifos e quais fazem parte da nossa Bíblia”. Tendo em mente o que dissemos acima, verifica-se facilmente que a nossa Bíblia não contém NENHUM livro apócrifo. Todos e cada um dos livros da Bíblia católica foram claramente inspirados pelo Espírito Santo e, portanto, não são apócrifos.

Porém, a sua pergunta é razoável tendo em vista o constante e barulhento clamor protestante de querer apontar os livros do Antigo Testamento que removeram de suas Bíblias (primeiramente colocando-os em um Apêndice; posteriormente, a partir do século XVII ou XVIII, excluindo-os por completo) como “espúrios”. Tratam-se dos seguintes livros que constam nas Bíblias católicas e ortodoxas: Tobias, Judite, 1Macabeus, 2Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc (além de algumas passagens de Ester e Daniel). Os motivos que apontam para essa classificação e remoção são os mais variados, mas todos igualmente injustificáveis. Eis alguns desses motivos (pelo menos aqueles mais apontados por eles):

1) Esdras (falecido por volta de 425 a.C.) teria fixado o cânon do AT (cf. Esdras 7,10.14) e uma antiga tradição judaica: Tal tese é inconcebível porque alguns livros que constam no cânon da Bíblia protestante foram escritos após sua morte (ex.: Daniel) além de que, se isto de fato tivesse ocorrido, seria inexplicável o fato de os Saduceus da época de Jesus só aceitarem como inspirados os “5 livros de Moisés” (Pentateuco: Gênese, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio).

2) O cânon dos judeus, segundo antiga Tradição da Palestina, é composto por 22 ou 24 livros, equivalendo exatamente aos 39 livros existentes na Bíblia protestante: Os judeus antes de Cristo não adotavam um “cânon fechado” (isto só foi ocorrer em Jâmnia, 90 anos DEPOIS de Cristo), mas “aberto”. Com efeito, além dos livros indevidamente excluídos pelos protestantes serem amplamente usados e considerados como inspirados pelos judeus de fala grega (helenófonos), há provas científicas inequívocas de serem assim considerados também na Palestina, quer em Jerusalém, quer nas comunidades do Mar Morto e de Massada.

3) Quem tem autoridade para fixar o cânon do AT são os judeus e isto o fizeram quando se reuniram em Jâmnia no ano 90 d.C.: Ora, após a vinda de Cristo Salvador, toda a autoridade religiosa foi repassada para os Apóstolos e Sua Igreja (cf. Lucas 10,16) e estes adotaram o cânon que continha os livros do AT rejeitados por judeus (e protestantes), sendo possível encontrar inúmeros ecos do conteúdo desses livros no Novo Testamento. Ademais, se os judeus, em 90 d.C., ainda mantinham algum poder religioso porque os protestantes também não rejeitam o próprio Cristo e todo o Novo Testamento, os quais foram rejeitados pelos judeus daquela época? Observe-se, por fim, que o “cânon restrito” de Jâmnia demorou bastante para ser adotado pelos judeus fora da Terra Santa e mesmo hoje é rejeitado pelos chamados “judeus etíopes” e alguns outros grupos menores.

4) Diversos Padres da Igreja primitiva rejeitaram esses livros: Verifica-se que a “rejeição” manifestada por alguns Padres primitivos deve ser compreendida segundo diversos graus, todos eles legítimos para os cristãos daquela época, por exemplo: nos debates apologéticos com judeus pós-Jâmnia não adiantava citar-lhes os livros que tinham removido do seu cânon; na falta de uma definição oficial da Igreja seria melhor fazer referência apenas aos livros adotados por Jâmnia, eis que todos eles também constavam na Tradição recebida pelos Apóstolos (=protocanônicos), deixando em segundo plano os demais livros transmitidos (=deuterocanônicos) até que a Igreja se pronunciasse oficialmente; etc. Entretanto, os “deuterocanônicos” são citados e aceitos como inspirados pela ampla maioria dos Padres primitivos e desde o século I d.C. inclusive (v., p.ex., a 1ª Epístola de São Clemente Romano aos Coríntios)!

5) São Jerônimo, o grande doutor e tradutor da Bíblia para o latim (=Vulgata), desprezava os deuterocanônicos: São Jerônimo pensava assim porque foi conviver entre os judeus da Palestina e acabou influenciado pelos rabinos que adotavam o cânon de Jâmnia. No entanto, todos os livros deuterocanônicos, desprezados pelos protestantes, encontram-se na Vulgata Latina de São Jerônimo e em várias obras suas; quer antes quer depois de ter considerado os deuterocanônicos como “apócrifos”, os cita com as inequívocas expressões “Palavra de Deus” ou “Está escrito:”, o que bem demonstra que reconsiderou a sua posição (talvez em razão da definição dos Concílios de Hipona e Cartago III e IV, todos aprovados pelo Papa).

6) Não são inspirados porque não servem para fundamentar pontos doutrinários, já que o grande doutor Santo Atanásio, os considerou valiosos apenas para a edificação cristã, como qualquer livro de espiritualidade escrito em nosso tempo: Santo Atanásio faleceu em 373 d.C., ou seja, antes da definição do cânon bíblico cristão pelo Concílio de Hipona, celebrado em 396 d.C., e que considerou os deuterocanônicos como inspirados e parte integrante da Bíblia.

7) Não são inspirados porque contém pessoas mentindo, praticando atos que lembram a magia e outras coisas imorais para um cristão: Mas o mesmo ocorre nos livros protocanônicos: patriarcas mentem, transformam certas coisas em outras coisas, cometem adultério ou poligamia etc. O segredo da leitura da Bíblia, quer dos livros protocanônicos, quer dos deuterocanônicos, é interpretá-los de acordo com a Sagrada Tradição e o autêntico e legítimo Magistério da Igreja!

8) Foi só no Concílio de Trento (século XVI), visando desmentir e combater injustamente os protestantes, que a Igreja Católica definiu o seu cânon bíblico contendo os livros “apócrifos” (=deuterocanônicos): na verdade, a Igreja Católica não definiu o cânon bíblico com os deuterocanônicos no Concílio de Trento, mas REAFIRMOU a posição tradicional de que eles fazem parte da Bíblia; há referências inequívocas a esse respeito em toda a História da Igreja: Cristo e os Apóstolos citam o AT fazendo uso da tradução grega (chamada Septuaginta) que continha os deuterocanônicos; há inúmeras referências aos livros e passagens deuterocanônicas no Novo Testamento; a ampla maioria dos Padres e Escritores primitivos citam os deuterocanônicos como Escritura Sagrada; todas as listas oficiais expedidas pela Igreja, quer por Papas, quer por Concílios regionais, quer por Concílios Ecumênicos, quer ainda pela esmagadora maioria dos santos e doutores da Igreja SEMPRE consideram os deuterocanônicos como inspirados, principalmente a partir do século IV, época em que a Igreja, pelo Concílio de Hipona, listou todos os livros do AT e do NT, tal como os católicos guardam e observam até hoje! Ora, se o Concílio de Trento fosse o responsável pela fixação do cânon do AT com os deuterocanônicos, como se explicaria a presença destes livros já na denominada “Bíblia de Guttemberg”, impressa cerca de 100 anos ANTES? Existe, aliás, uma cópia desta Bíblia na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, para qualquer brasileiro consultar e constatar… Além disso, os livros deuterocanônicos são aceitos como inspirados, INCLUSIVE, pela amplíssima maioria dos cristãos ortodoxos, que NÃO estão em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana e por algumas poucas denominações protestantes, ainda que estas últimas os adotem segundo o parecer de Santo Atanásio.

9) Lutero, vendo que a Igreja Católica se desviava da verdade, ao traduzir a Bíblia para o alemão removeu os “apócrifos” (=deuterocanônicos) para um apêndice, demonstrando muito bem que não eram confiáveis: De fato, Lutero removeu os deuterocanônicos (inclusive os do Novo Testamento) para um apêndice, demonstrando pouca consideração por eles. Porém, NÃO ousou removê-los por conta própria como fizeram algumas Sociedades Bíblicas protestantes a partir dos séculos XVII e XVIII. Com efeito, “dar pouco valor” (como fazia Lutero e os primeiros reformadores protestantes) jamais significa “dar NENHUM valor” (como faz a maioria dos protestantes de hoje, quer por ignorância, quer por indiferentismo, quer por controvérsia, quer por qualquer outro motivo que seja, traindo não apenas o sentimento original dos Reformadores, mas principalmente TODAS as gerações cristãs desde a Era Apostólica!). E observamos novamente que Lutero removeu para o Apêndice diversos livros do Novo Testamento pelos quais nutria também pouco valor (ex.: Epístola de Tiago) ou até mesmo nenhum valor (ex.: Apocalipse). Por que, então, os protestantes que se baseiam nesta “desculpa” (=autoridade de Lutero e posterior autoridade das Sociedades Bíblicas que excluíram os deuterocanônicos) não excluem de suas Bíblia todos aqueles livros do Novo Testamento que Lutero lançou no Apêndice????

10) “O Espírito Santo me revela que os ‘apócrifos’ (=deuterocanônicos do AT) não foram inspirados por Deus, mas só aqueles livros que constam na minha Bíblia”: Trata-se da afirmação final de “desespero” (a famosa “saída pela tangente”) quando um protestante percebe não ter respostas para os argumentos católicos acima apontados (ou ainda outros argumentos não indicados aqui, por serem dispensáveis diante destes poucos exemplos demonstrativos); apela assim para o seu próprio subjetivismo, para o sentimentalismo e o achismo, abrindo mão dos argumentos objetivos e lógicos. Quem apela para esta última “desculpa” não consegue ofertar aos católicos (e ortodoxos) “a razão da sua própria esperança” [protestante], descumprindo assim 1Pedro 3,15. Ora, esta seria também a desculpa usada por um muçulmano para demonstrar ao cristão o porquê crê que o Alcorão seja inspirado; ou por um hindu, para demonstrar que as Vedas é que são inspiradas; ou por um espírita, para demonstrar que “O Livro dos Espíritos” é que é inspirado… No caso do protestante aqui incluído, terá agora uma outra questão para responder: como sabe que “apenas os livros que estão em sua Bíblia (=66 livros) são os únicos inspirados”? Isto porque o próprio índice da Bíblia é uma invenção humana e não foi, evidentemente, inspirado por Deus…

Não é a toa que diversos protestantes com honestidade intelectual (p.ex., Edgar Goodspeed) reconhecem que a Bíblia COM os livros deuterocanônicos (a nossa cara Bíblia católica) foi DE FATO a Bíblia utilizada e aceita como inspirada pelos primeiros cristãos (inclusive os Apóstolos, é claro).

Se você quiser saber mais sobre esta matéria que aborda o “cânon completo da Bíblia”, recomendamos a leitura atenciosa do livro “O Cânon Bíblico: a origem da lista dos Livros Sagrados”, escrito pelo nosso irmão de Apostolado, Alessandro Lima e publicado recentemente pela ed. ComDeus. Você pode ainda ler os diversos artigos que escrevemos sobre o tema, fazendo uso da ferramenta de busca existente no topo superior direito da nossa página na Internet, pesquisando palavras-chaves tais como: cânon, deuterocanônicos, apócrifos etc.

Isto posto, para que não reste qualquer dúvida de quais são os livros inspirados por Deus, que compõem a Bíblia Cristã dos católicos, dos ortodoxos e de algumas pouca denominações protestantes (tais como os anglicanos e episcopalianos), eis a lista:

– Antigo Testamento [46 livros]: Gênese, Êxodo, Números, Levítico, Deuteronômio; Josué, Juízes, Rute, 1Samuel, 2Samuel, 1Reis, 2Reis, 1Crônicas, 2Crônicas, Esdras, Neemias; Tobias*, Judite*, Ester**, 1Macabeus*, 2Macabeus*; Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria*, Eclesiástico*; Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruc*, Ezequiel, Daniel**; Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

– Novo Testamento [27 livros]: Mateus, Marcos, Lucas, João; Atos dos Apóstolos; Romanos, 1Coríntios, 2Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1Tessalonicenses, 2Tessalonicenses, 1Timóteo, 2Timóteo, Tito, Filemon; Hebreus***; Tiago***, 1Pedro, 2Pedro***, 1João, 2João***, 3João***, Judas***; Apocalipse***.

Onde:

* = Livro deuterocanônico do AT, chamado injustamente “apócrifo” pelos protestantes e, por isso, excluído das suas Bíblias ou relegado a um apêndice.

** = Livro do AT que possui alguns trechos deuterocanônicos, trechos estes injustamente excluídos pelos protestantes por considerá-los “apócrifos” ou relegados a um apêndice.

*** = Livro deuterocanônico do NT, desprezados ou rejeitados por alguns reformadores (inclusive Lutero) e que, contraditoriamente, deixaram de figurar no apêndice, voltando ao status de “inspirados”.

Espero ter ajudado a esclarecer a sua dúvida.

[]s,
Que Deus o abençoe!
Carlos Nabeto

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