Quem quer um título de nobreza?

Costumo dizer que a população brasileira é a mais calma e ordeira do planeta. Em qualquer outro país, um governo que ignora uma situação de criminalidade crônica, com mais mortes por ano que a maior parte das guerras da história, enquanto tenta desconstruir a canetadas os valores morais da população teria sido não apenas deposto, mas provavelmente enforcado em praça pública.

Mas não. Mesmo quando a população se levanta em protestos, como agora, as autoridades são respeitadas. O recado, contudo, é dado da mesma maneira: a população não aguenta mais e – principalmente – os políticos não a representam.

Encostada na parede, a presidente balbucia propostas absurdas de constituinte-que-vira-plebiscito-que-vira-referendo, sem perceber que não é apenas a autoridade dela que está em jogo, mas a autoridade de todo o sistema representativo. Os mecanismos pelos quais o Estado apropriou-se indevidamente da autoridade das instâncias inferiores – a família, a vizinhança… – estão em xeque. Aliás, esse fenômeno é mundial: é o momento histórico.

Alguns apavorados revelam, com razão, que já estava nos planos do PT fazer uma “reforma bolivariana” nas instituições, em busca de uma ditadura à moda venezuelana. Para que tivessem sucesso, contudo, isso teria de ser feito em circunstâncias controladas. Ora, até um mês atrás a reeleição da presidente estava garantida. Já agora, é tamanha a convulsão política que é possível que o mandato não chegue ao fim.

A situação não está sob o controle de ninguém; as propostas que vão e vêm no plano político, por ignorarem o momento histórico mundial, assemelham-se mais à distribuição de títulos nobiliárquicos que precedeu imediatamente a Revolução Francesa que a propostas reais. Quando se raciocina nos termos defasados do “antigo regime”, faz sentido comprar apoio fazendo de burgueses gentis-homens. Quando se percebe a situação em termos históricos, é patético.

Qualquer tentativa de implantação de uma ditadura totalitária fracassaria imediatamente por falta de apoio popular; cabe lembrar que Chávez tinha recursos ilimitados do petróleo para comprar esse apoio, enquanto o nosso famoso “pré-sal” continua sendo um sonho e a inflação já voltou, mostrando a exaustão financeira do governo federal.

Uma ditadura autoritária, pelo próprio momento histórico, teria efeito entrópico: a energia gasta para mantê-la a esgotaria e dissolveria.

Nesse momento, o caminho mais certo é diminuir nossa dependência da classe política: fazer, não eleger; agir, não pedir.

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