Razões para a fé

  • Autor: Anônimo
  • Fonte: A Catholic Response Inc. (http://users.binary.net/polycarp)
  • Tradução: Carlos Martins Nabeto

– “Estejais sempre prontos para responder, de forma gentil e respeitosa, àqueles que vos perguntam sobre a razão da vossa esperança” (1Pedro 3,15-17).

* * *

Algumas pessoas afirmam que a fé em Deus é cega. De alguma forma, a fé, segundo eles, não tem espaço para a razão ou se opõe ao pensamento inteligente. Essa ideia é compartilhada por crentes e não-crentes. Os não-crentes podem se orgulhar da sua razão e falta de “fé”, mas ainda assim “esperam e creem” que Deus não existe. Por outro lado, os crentes podem sustentar que a fé está além da razão, talvez citando 1Coríntios 1,21.

“Fé” pode ser definida como aceitar algo como verdadeiro, porque se confia na pessoa ou na fonte que faz a afirmação. A fé não é exclusiva da religião, mas é parte geral da vida humana. Precisamos de fé, pois o conhecimento humano é imperfeito. Por exemplo: a maioria das pessoas acredita que a velocidade da luz é de aproximadamente 300.000 quilometros por segundo. Elas geralmente aceitam isso como verdade porque confiam na ciência e não porque a constataram pessoalmente. A maioria das pessoas não tem treinamento técnico, equipamento ou paciência para medir a velocidade da luz. Só que é prático confiar nos especialistas. Ironicamente, a maioria das pessoas aceitam com fé a Teoria da Evolução. A fé também é importante nos relacionamentos pessoais. Podemos acreditar que alguém nos ama porque ela nos afirma isso; e confiamos nela, mesmo que seja impossível verificar sua afirmação. Portanto uma pessoa sem fé não é irreligiosa, mas não-humana.

A fé em Deus não se baseia na razão, mas possui evidências razoáveis. A razão pode nos ajudar a explicar melhor a nossa fé (cf. 1Pedro 3,15) e impedir que a fé se torne superstição. Blaise Pascal sustentou que os homens racionais acreditam em Deus. Ele foi um pensador, inventor, cientista e matemático do século XVII. Ainda hoje, a ciência reconhece Pascal por seu trabalho e geniosidade, de modo que posteriormente seu nome virou linguagem de computador e unidade de pressão. Seu argumento a favor de Deus é formulado como uma “Aposta”, conhecido como “a Aposta de Pascal”. Embora a aposta de Pascal não seja uma prova da existência de Deus, é sim uma forte razão para se acreditar em Deus.

 

A APOSTA DE PASCAL

Para Pascal, Deus “existe” ou “não existe”. Toda pessoa deve apostar em uma coisa ou outra. Esta aposta é inevitável. Simplesmente ignorar esta aposta traz a mesma consequência de apostar que Deus não existe. Se eu aposto que Deus existe e estou errado, nada perderei; mas se eu estiver certo, o ganho poderá ser divino! Se eu aposto que Deus não existe e estou certo, nada ganho; no entanto, se eu estiver errado, ai de mim!

Toda pessoa que raciocina deve considerar os ganhos e os riscos dessa aposta. O ganho por não acreditar em Deus nada é (exceto estar do lado certo na aposta); mas o ganho por acreditar pode ser a felicidade eterna! O risco de acreditar em Deus pode estar errado, mas o risco de não acreditar é a perda da felicidade eterna! Segundo Pascal, uma pessoa racional pensaria e agiria como se Deus existisse.

 

O ARGUMENTO TELEOLÓGICO

O próximo argumento para [acreditar em] Deus é ilustrado pela seguinte história: segundo certa versão, havia um ateu que tinha um astrônomo como amigo. Enquanto esperava no escritório do seu amigo, ele ficou impressionado com um modelo complexo e funcional do sistema solar. Quando seu amigo chegou, ele perguntou quem fez [o modelo]. O astrônomo respondeu: “Ninguém”. O ateu perguntou novamente com uma certa irritação. Seu amigo respondeu: “Você acredita que a coisa real não foi feita por ninguém, então por que não aplica o mesmo para este modelo?”

O argumento teleológico, como ilustrado acima, reconhece o “design” do universo. Em primeiro lugar, o universo e os organismos vivos são ordenados e conhecíveis. Nossas mentes podem entendê-los. A ciência assume isso. As leis da Física são bons exemplos dessa ordem. Em segundo lugar, no campo da atividade humana, é comum a experiência que “ordem”, “propósito” ou “design” têm como criador um “criador inteligente”. Por exemplo, a 9ª Sinfonia de Beethoven foi criada propositalmente por um compositor talentoso, enquanto que ruídos aleatórios e não intencionais não fazem nenhum sentido. Além disso, os edifícios possuem arquitetos; romances têm autores; e patentes, inventores. Todos têm um propósito. Esses fatos naturalmente levam a refletir sobre o propósito da vida e a reconhecer Deus como o Projetista. Este argumento é uma extensão óbvia da experiência natural e humana.

A origem antiga deste argumento é testemunhada por um desafio inicial de Epicuro, um filósofo grego do século III a.C. Epicuro afirmou que toda ordem e projeto no Universo surgiu da união acidental de átomos, ou seja, o Projetista do universo era a “chance cega”. Cícero retrucou: “Se alguém supõe que este mundo belo e glorioso foi criado pelo acidental encontro de átomos, não entendo por que ele não deveria supor que os ‘Anais de Ennius’ podem ter ser produzidos derramando-se sobre a terra as vinte e uma letras dos alfabetos em incontável profusão”. Da mesma forma, se alguém acredita que o Universo foi criado pelo mero acaso, também deve acreditar que um livro de Biologia (ou qualquer outro livro legível) pode ser criado ao se derramar aleatoriamente sobre uma mesa, pelas vezes suficientes, uma caixa de letras.

Em épocas mais recentes, os evolucionistas reforçaram a “chance cega” dos átomos com ideias como “seleção natural” e “períodos de tempo inconcebivelmente longos”. Mas a evolução não explica por que a velocidade da luz, a carga de massa do elétron, a constante de Planck e outras constantes físicas têm os valores certos para um Universo estável que permite a vida. Um universo habitável é um dado adquirido. Em segundo lugar, é preciso considerar o quão extremamente improvável é que algo tão complexo quanto uma célula viva surja de processos químicos aleatórios. Ademais, isso seria possível segundo a Lei da Entropia? Quando deixadas por si mesmas, as coisas caem naturalmente ou passam da ordem ao caos. Mas o mais importante é que a Evolução não responde o “porquê” de estarmos aqui. Não pode explicar o nosso fim último ou o propósito de tudo: segundo a Evolução, somos um acidente cósmico; segundo a Criação, somos criados para sermos amados por Deus. Essa é a principal diferença entre Evolução e Criação.

O acima exposto tende a ser o argumento mais popular para a existência de Deus.

 

A PROVA COSMOLÓGICA

Um argumento mais filosófico para a existência de Deus é o argumento cosmológico. Este argumento é baseado na causalidade, isto é, na relação de causa e efeito, para demonstrar a necessidade de um Ser subsistente (auto-existente, não-criado) como a Causa Inicial de todas as outras coisas. É evidente que a existência de coisas naturais (coisas temporárias) depende de outra. Um lápis depende da existência de madeira e grafite. Agora, uma série infinita (regressão) de coisas dependendo de coisas dependentes não pode explicar sua existência. Como analogia, um trem com vagões, cada um dependendo do vagão à sua frente para puxá-lo em movimento, não pode começar a se mover sem um motor, mesmo que houvesse um número infinito de vagões. Da mesma forma, deve haver um Ser independente, sem causa, que é a fonte da existência. Esta causa inicial, cuja natureza é a própria EXISTÊNCIA, chama-se “Deus”.

Consideremos um argumento diferente, mas mais concreto. Primeiramente fui causado (criado) pelos meus pais. Meus pais foram causados ​​pelos pais deles. Seus pais tinham pais, e assim por diante. Essa cadeia de pais não é uma regressão infinita, pois a raça humana teve um começo. Então, o que causou os primeiros pais humanos? Alguém pode invocar a Evolução e alegar que evoluímos acidentalmente do lodo do oceano. Essa resposta apenas atrasa a pergunta inevitável. O que causou o oceano? O que causou a água? O que causou os átomos? O que causou as partículas fundamentais da matéria? Essas partículas fundamentais podem ser aniquiladas e também são temporárias em si mesmas.

Então, o que causou o universo? De acordo com a teoria do “Big Bang”, o universo com toda a sua matéria começou com uma explosão. Mas o que causou o “Big Bang”? A resposta é desconhecida. Mesmo que o “Big Bang” tenha sido causado por uma implosão de qualquer coisa, o que causou a implosão, e assim por diante? Em última análise, a causa inicial é o NADA ou um Ser independente e auto-existente, ou seja, Deus. Agora, é absurdo sustentar que o NADA poderia produzir algo. Ou alguém acredita em Deus ou aceita o absurdo (por exemplo, o niilismo).

Uma vez que a ciência parece atualmente aceitar que o Universo teve um começo (por exemplo, o “Big Bang”, o universo e a entropia sempre em expansão), a versão acima é baseada numa série de causas relacionadas a acidentes para simplificar a prova. A versão original, conforme formulada por São Tomás de Aquino no século XIII, é baseada numa série de causas eficientes essencialmente relacionadas (por exemplo, a analogia do trem) e permanece válida ainda que o universo fosse eterno (o leitor interessado pode consultar a Suma Teológica, Parte I, Questão 2, Artigo 3).

O argumento de São Tomás pode ser aplicado de uma outra maneira. Alguns podem afirmar que o nosso universo existe porque o observamos. Essa afirmação geralmente assume universos infinitos, sendo que o nosso universo foi o único que conseguiu evoluir, de modo que podemos observá-lo. Esse raciocínio sofre de lógica circular: observamos; portanto, o universo existe; logo, nós existimos; portanto, podemos observar. É uma metafísica de “elevaçao pelos tirantes”: ao invés de assumir Deus, espera-se que se assumam infinitos universos. Mas a pergunta permanece: por que infinitos ao invés de nenhum?

O argumento cosmológico demonstra a natureza de Deus como EXISTÊNCIA, a fonte última de toda a existência. Mas algumas pessoas afirmam que o argumento cosmológico não pode provar um Deus pessoal. Não mostra Deus como amor ou carinho. Verdadeiro ou não, a Bíblia contém evidências interessantes para um Deus [amoroso e] carinhoso. Isso nos leva à evidência histórica.

 

UM SINAL HISTÓRICO

Segundo a Bíblia e a antiga tradição histórica judaica, Deus possui um Nome. Em Êxodo 3, Deus chama Moisés para ser Seu ministro, salvando Seu povo do jugo da escravidão. Essa preocupação pelo Seu povo mostra que Ele é um Deus carinhoso e amoroso. Este Deus amoroso revelou o Seu nome:

  • “Então Moisés disse a Deus: ‘Eis que vou aos filhos de Israel e direi a eles: ‘O Deus dos vossos pais me enviou até vós’. Mas eles podem me dizer: ‘Qual é o nome Dele?’ O que devo dizer-lhes?’ E Deus disse a Moisés: ‘Eu sou quem sou’. E disse: ‘Assim direis aos filhos de Israel: ‘EU SOU me enviou até vós'” (Êxodo 3,13-14).

Para os semitas antigos, o nome de uma pessoa era mais do que um mero rótulo; na verdade, descrevia a natureza dessa pessoa. Por exemplo, com a Aliança, o nome de Abrão foi alterado para Abraão, significando “pai de uma multidão” (Gênesis 17,5). Em hebraico, o nome divino é escrito como “YHWH” (=Yahweh), conhecido como “Tetragrammaton” (Tetragrama [4 Letras]), sendo tão sagrado que não pode ser pronunciado. É derivado do verbo hebraico “Ser”. É geralmente traduzido como “EU SOU QUEM SOU” ou, de acordo com a Septuaginta (a tradução grega do século II a.C. da Bíblia Hebraica), “AQUELE QUE É”. É incerto se os antigos hebreus realmente entenderam o seu significado; no entanto, os judeus da diáspora (século II a.C.) o reconheceram como denotando a EXISTÊNCIA, conforme testemunhado pela Septuaginta. Finalmente, a Igreja primitiva (século I d.C.) também o reconheceu como denotando a EXISTÊNCIA (cf. João 8,58-60); no entanto, os cristãos, através da obra de São Tomás de Aquino, só alcançaram o seu significado mais pleno após o século XIII d.C., em conexão com a Prova Cosmológica.

A fonte desse Nome é bem curiosa. Sua tradição é muito antiga, conforme testemunhado por fontes históricas antigas. É pelo menos alguns séculos mais antiga que a filosofia grega de Platão e Aristóteles, que ainda começavam a entender Deus em termos de auto-existência. Embora o nome pessoal do Senhor – YHWH – fosse central na religião hebraica, a ideia de Deus como EXISTÊNCIA [ainda] não era central. Os hebreus conheciam a Deus em termos concretos, como Pai, Salvador, Rei, Senhor e até Pedra (cf. Salmo 89,26)! Os antigos hebreus não tinham uma filosofia abstrata bem desenvolvida. Mesmo assim, algumas religiões antigas podem até ter reconhecido deuses criadores, mas deuses com nomes implicando EXISTÊNCIA não eram comuns. Ainda que os hebreus ouvissem esse nome para Deus de uma cultura mais filosófica, eles teriam sido mais atraídos por um nome pessoal que implicasse poder e glória, ao invés de algo tão abstrato quanto “EU SOU QUEM SOU”. Se o Deus verdadeiro e amoroso não revelou o Seu nome a Moisés, [pergunta-se]: como os hebreus chegaram a conhecer e aceitar esse Nome para o seu Senhor, o qual descreve a própria natureza de Deus?

Para os cristãos, a fé é uma graça, um presente gratuito de Deus. Como qualquer presente, porém, a fé precisa ser voluntariamente aceita para recebê-lo. Esta decisão de aceitar pode ser auxiliada pela razão. Mas como a razão é limitada e imperfeita (por exemplo, ignorância do futuro), ela nunca pode substituir a fé.

Fé e razão andam de mãos dadas. Os argumentos acima para Deus não são exaustivos; há muito outros. Eles podem não ser convincentes para todos, no entanto, mostram que a fé em Deus pode ser razoável. E não é só isso: a descrença pode ser irracional. Os prazeres temporários do pecado podem nos levar a negar irracionalmente a Deus, como está escrito no Salmo 14:

  • “O tolo diz em seu coração: ‘Deus não existe.'” (Salmo 14,1).
Facebook Comments