Reflexão Patrística – “A Verdade brotou da terra e a Justiça olhou do alto do céu” (Santo Agostinho de Hipona, +430)

“Desperta, ó homem: por tua causa Deus Se fez homem. Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá [cf. Efésios 5,14]. Por tua causa – repito – Deus Se fez homem.

Estarias morto para sempre, se Ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se Ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a Sua misericórdia. Não voltarias à vida, se Ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se Ele não te socorresse. Estarias perdido, se Ele não viesse salvar-te.

Celebremos com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos este dia de festa, em que o grande e eterno Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso dia temporal e tão breve.

Ele se tornou para nós justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito: ‘quem se gloria, glorie-se no Senhor’ [1Coríntios 1,30-31].

A verdade brotará da terra [Salmo 84,12]: O Cristo que disse ‘Eu sou a verdade’ [João 14,6], nasceu da Virgem. E a justiça olhou do alto do céu [cf. Salmo 84,12], porque o homem, crendo Naquele que nasceu, é justificado não por si mesmo, mas por Deus.

A verdade brotou da terra porque ‘o Verbo se fez carne’ [João 1,14]. E a justiça olhou do alto do céu porque todo o dom precioso e toda a dádiva perfeita vêm do alto [cf. Tiago 1,17].

A Verdade brotou da terra, isto é, da carne de Maria. E a justiça olhou do alto do céu porque o homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu [cf. João 3,27].

Justificados pela fé, estamos em paz com Deus [cf. Romanos 5,1] porque a justiça e a paz se beijaram [cf. Salmo 84,11] por intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois a verdade brotou da terra. Por Ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus [cf. Romanos 5,2]. [O Apóstolo Paulo] não disse ‘de nossa glória’, mas ‘da glória de Deus’, porque a justiça não procede de nós, mas olha do alto do céu. Portanto, quem se gloria, não se glorie em si mesmo, mas no Senhor.

Eis por que, quando o Senhor nasceu da Virgem, os anjos cantaram: ‘Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade’ [Lucas 2,14].

Como veio a paz à terra senão por ter a verdade brotado da terra, isto é, Cristo ter nascido em carne humana? Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só [cf. Efésios 2,14], para que fôssemos homens de boa vontade, unidos uns aos outros pelo suave vínculo da caridade.

Alegremo-nos com esta graça, para que nossa glória seja o testemunho da nossa consciência, e assim nos gloriaremos, não em nós mesmos, mas no Senhor. Por isso, disse o Salmista: ‘Vós sois a minha glória que levanta a minha cabeça’ [Salmo 3,4]. Na verdade, que graça maior Deus poderia nos conceder do que, tendo um único Filho, fazê-lo Filho do homem e reciprocamente fazer os filhos dos homens serem filhos de Deus?

Procurai o mérito, procurai a causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa que não seja a graça de Deus” (Sermão 185; PL 38,997-999).

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