Reflexão Patrística – “A Vida manifestou em nossa carne” (Santo Agostinho de Hipona, +430)

“O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos e as nossas mãos tocaram da Palavra da Vida [1João 1,1]. Quem poderia tocar a Palavra com suas mãos, a não ser porque a Palavra Se fez carne e habitou entre nós? [João 1,14].

A Palavra que Se fez carne para ser tocada com as mãos, começou a ser carne no seio da Virgem Maria; mas não foi então que a Palavra começou a existir, porque – diz João – Ela era desde o princípio. Vede como sua Carta é confirmada pelas palavras do seu Evangelho, que acabais de escutar: ‘No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus’ [João 1,1].

Alguns talvez julguem que a expressão Palavra da Vida designe de modo geral a Cristo e não o próprio Corpo de Cristo que foi tocado pelas mãos. Reparai no que vem em seguida: ‘E a Vida manifestou-se’ (1João 1,2). Por conseguinte, Cristo é a Palavra da Vida.

E como se manifestou esta Vida? Ela existia desde o início, mas não tinha se manifestado aos homens; manifestara-se aos anjos que a contemplavam e se alimentavam dela como de seu pão. E o que diz a Escritura? ‘O homem se nutriu do pão dos anjos’ [Salmo 77,25].

Portanto, a Vida se manifestou na carne, para que, nesta manifestação, aquilo que só o coração podia ver, fosse visto também com os olhos e desta forma curasse os corações. De fato, o Verbo só pode ser visto com o coração, ao passo que a carne pode ser vista também com os olhos corporais. Éramos capazes de ver a carne, mas não éramos capazes de ver a Palavra. Por isso, a Palavra Se fez carne que nós podemos ver, para curar em nós o que nos torna capazes de vê-la.

‘E somos testemunhas’ – diz João – ‘e vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e que se tornou visível para nós’ [1João 1,2], isto é, que Se manifestou entre nós; ou – falando mais claramente – nos foi manifestada.

‘Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos’ [1João 1,3]. Prestai atenção: Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos. Eles viram o próprio Senhor, presente na carne, ouviram da boca do Senhor suas palavras e no-las anunciaram. E nós ouvimos certamente, mas não vimos.

Somos, por isso, menos felizes do que eles que viram e ouviram? Por que então acrescenta: ‘Para que estejais em comunhão conosco’ [1João 1,3]?. Eles viram; nós não vimos; e, contudo, estamos em comunhão com eles porque temos uma Fé comum.

E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. ‘Nós vos escrevemos estas coisas’ – diz João – ‘para que a vossa alegria fique completa’ [1João 1,4]. Essa alegria completa encontra-se na mesma comunhão, na mesma caridade e na mesma unidade” (Tratados sobre 1João 1,1.3; PL 35,1978.1980).

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