Reflexão Patrística – “A vocação de Santo Antão do Deserto” (Santo Atanásio de Alexandria, +373)

“Depois da morte de seus pais, tendo ficado sozinho com uma única irmã ainda pequena, Antão, que tinha uns dezoito ou vinte anos, tomou conta da casa e da irmã.

Mal haviam passado seis meses desde o falecimento dos pais, indo um dia à igreja, como de costume, refletia consigo mesmo sobre o motivo que levara os Apóstolos a abandonarem tudo para seguir o Salvador; e por qual razão aqueles homens de que se fala nos Atos dos Apóstolos vendiam suas propriedades e depositavam o preço aos pés dos Apóstolos para ser distribuído entre os pobres. Ia também pensando na grande e maravilhosa esperança que lhes estava reservada nos céus. Meditando nestas coisas, entrou na igreja no exato momento em que se lia o evangelho, e ouviu o que o Senhor disse ao jovem rico: ‘Se tu queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me, e terás um tesouro no céu’ [Mateus 19,21].

Antão considerou que a lembrança dos santos exemplos lhe tinha vindo de Deus, e que aquelas palavras eram dirigidas pessoalmente para ele. Logo que voltou da igreja, repartiu com os habitantes da aldeia as propriedades que herdara da família (possuía trezentos campos lavrados, férteis e muito aprazíveis) para que não fossem motivo de preocupação nem para si próprio nem para a irmã. Vendeu também todos os móveis e distribuiu com os pobres a grande quantia que obtivera, reservando apenas uma pequena parte por causa da irmã.

Entrando outra vez na igreja, ouviu o Senhor dizer no evangelho: ‘Não vos preocupeis com o dia de amanhã’ [Mateus 6,34]. Não podendo mais resistir, até aquele pouco que restara, deu-o aos pobres. Confiou a irmã a uma comunidade de virgens consagradas que conhecia e considerava fiéis, para que fosse educada no Mosteiro. Quanto a ele, a partir de então, entregou-se a uma vida de ascese e rigorosa mortificação, nas imediações de sua casa.

Trabalhava com as próprias mãos, pois ouvira a palavra da Escritura: ‘Quem não quer trabalhar também não deve comer’ [1Tessalonicenses 3,10]. Com uma parte do que ganhava comprava o pão que comia; o resto dava aos pobres.

Rezava continuamente, pois aprendera que é preciso rezar a sós sem cessar [cf. 1Tessalonicenses 5,17]. Era tão atento à leitura que nada lhe escapava do que tinha lido na Escritura; retinha tudo de tal forma que sua memória acabou por se substituir aos livros.

Todos os habitantes da aldeia e os homens honrados que tratavam com ele, vendo um homem assim, chamavam-no ‘amigo de Deus’; uns o amavam como a filho, outros como a irmão” (Da Vida de Santo Antão 2-4; PG 26,842-846).

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