A Sagrada Escritura, recordando este nascimento, diz: ‘Envolveu-o em panos’ [Lucas 2,7]; proclama felizes os seios que O amamentaram e fala também do sacrifício oferecido pelo nascimento deste Primogênito. O anjo Gabriel, com prudência e sabedoria, já o anunciaram a Maria; não lhe disse simplesmente: ‘aquele que nascer em ti’, para não se julgar que se tratava de um corpo extrínseco nela introduzido; mas: ‘de ti’ [cf. Lucas 1,35], para se acreditar que o fruto desta concepção procedia realmente de Maria.
Assim foi que o Verbo, recebendo nossa natureza humana e oferecendo-a em sacrifício, assumiu-a em sua totalidade, para nos revestir depois de sua natureza divina, segundo as palavras do Apóstolo: ‘É preciso que este ser corruptível se vista de incorruptibilidade; é preciso que este ser mortal se vista de imortalidade’ [1Coríntios 15,53].
Estas coisas não se realizaram de maneira fictícia, como julgam alguns, o que é inadmissível! Nosso Salvador fez-Se verdadeiro homem, alcançando assim a salvação do homem na sua totalidade. Nossa salvação não é absolutamente algo de fictício, nem limitado só ao corpo; mas realmente a salvação do homem todo, corpo e alma, foi realizada pelo Verbo de Deus.
A natureza que Ele recebeu de Maria era uma natureza humana, segundo as divinas Escrituras, e o corpo do Senhor era um corpo verdadeiro. Digo ‘verdadeiro’, porque era um corpo idêntico ao nosso. Maria é portanto nossa irmã, pois todos somos descendentes de Adão.
As palavras de João: ‘O Verbo Se fez carne’ [João 1,14] têm o mesmo sentido que se pode atribuir a uma expressão semelhante de Paulo: ‘O Cristo fez-Se maldição por nós’ [Gálatas 3,13], pois da íntima e estreita união com o Verbo, resultou para o corpo humano um engrandecimento sem par: de mortal tornou-se imortal; sendo animal, tornou-se espiritual; terreno, transpôs as portas do Céu.
Contudo, mesmo tendo o Verbo tomado um corpo no seio da Maria, a Trindade continua sendo a mesma Trindade, sem aumento nem diminuição. É sempre perfeita, e na Trindade reconhecemos uma só Divindade; assim, a Igreja proclama um único Deus no Pai e no Verbo” (Epist. Ad Epictetum 5-9; PG 26,1058.1062-1066).