Os pavores deste mundo são desprezíveis, e seus bens, merecedores de riso. Não tenho medo da pobreza, não ambiciono riquezas. Não temo a morte, nem prefiro viver a não ser para vosso proveito. Por isso, recordo os acontecimentos atuais e rogo à vossa caridade que tenhais confiança.
Não escutas o Senhor dizer: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, estarei ali no meio deles’ [Mateus 18,20]? E onde há tanta gente ligada pelos laços da caridade, não estará Ele presente? Tenho Seu penhor. Será que confio em minhas próprias forças? Seguro Seu testamento. Este é o meu bordão, a minha segurança, o meu porto tranquilo. Abale-se embora o universo, tenho Sua resposta: leio em seus escritos que aí está a muralha para mim, a fortaleza. Quais escritos? ‘Eu estou convosco todos os dias até a consumação do mundo’ [Mateus 28,20].
Cristo está comigo, a quem temerei? Mesmo que as ondas, os mares, o furor dos príncipes se agitem contra mim, tudo isto não me impressiona mais do que uma aranha. E se vossa caridade não me retivesse, não recusaria partir ainda hoje mesmo para outro lugar. Repito sempre: ‘Senhor, faça-se a Tua vontade’ [Mateus 26,42]; não o que quer este ou aquele, mas o que Tu queres. Esta é a minha torre, minha pedra imóvel; este, o meu báculo firme. Se Deus quer isto, faça-se. Se quiser que eu permaneça aqui, agradecerei. Onde quer que me queira, darei graças.
E onde estou eu, aí estais vós; onde estais, aí eu também: somos um só corpo e não se separa o corpo da cabeça nem a cabeça do corpo. Estamos em lugares distantes, mas unidos na caridade, que nem a morte poderá separar; porque, embora morra meu corpo, viverá a alma que se lembrará do povo.
Vós sois meus cidadãos: vós, meus pais; vós, meus irmãos; vós, filhos; vós, membros; vós, corpo. Para mim sois a luz, ou melhor, mais deliciosos que esta luz. O que poderá enviar-me um raio igual à vossa caridade? O raio de sol para mim é vida; porém, vossa caridade tece-me a coroa para o futuro” (Homilia ante o seu Exílio 1-3: PG 52,427-430).