Reflexão Patrística – “Procuremos alcançar a Sabedoria eterna” (Santo Agostinho de Hipona, +430)

“Estando bem perto o dia em que ela [minha mãe, Mônica,] deixaria esta vida – dia que conhecias e que ignorávamos – aconteceu por oculta disposição Tua – como penso – que eu e ela estivéssemos sentados sozinhos perto da janela que dava para o jardim da casa onde nos tínhamos hospedado, lá junto de Óstia Tiberina.

Ali, longe do povo, antes de embarcarmos, nos refazíamos da longa viagem. Falávamos a sós, com muita doçura e, esquecendo-nos do passado, com os olhos no futuro, indagávamos entre nós sobre a verdade presente, quem és Tu, como seria a futura vida eterna dos Santos, ‘que olhos não viram, nem ouvidos ouviram nem subiu ao coração do homem’ [1Coríntios 2,9]. Mas ansiávamos com os lábios do coração pelas águas celestes da Tua fonte, fonte da vida que está junto de Ti.

Eu dizia estas coisas, não deste modo nem com estas palavras. No entanto, Senhor, Tu sabes que naquele dia, enquanto falávamos, este mundo foi perdendo o valor, junto com todos os seus deleites. Então disse ela: ‘Filho, quanto a mim, nada mais me agrada nesta vida. Que faço ainda e por que ainda aqui estou, eu não sei. Toda a esperança terena já desapareceu. Uma só coisa fazia-me desejar permanecer por algum tempo nesta vida: ver-te cristão católico, antes de morrer. Deus me atendeu com a maior generosidade, porque te vejo até como seu servo, desprezando a felicidade terrena. Então, o que eu faço aqui?’

O que eu lhe respondi, não me lembro bem. Cinco dias depois, talvez, ou não muito mais, ela caiu com febre. Doente, um dia desmaiou, sem reconhecer os presentes. Corremos para junto dela, mas recobrando logo os sentidos, viu-me a mim e a meu irmão, e disse-nos, como que procurando algo semelhante: ‘Onde eu estava?’ Em seguida, olhando-nos, oprimidos pela tristeza, disse: ‘Sepultai esta vossa mãe’.

Eu me calava e retinha as lágrimas. Mas meu irmão falou qualquer coisa assim, que seria melhor não morrer em terra estranha, mas na pátria. Ouvindo isto, ansiosa, censurando-o com o olhar por pensar assim, voltou-se para mim: ‘Vê o que ele diz’. Depois falou a ambos: ‘Ponde este corpo em qualquer lugar. Não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim no altar de Deus, onde quer que estiverdes’.

Terminando como pôde de falar, calou-se e continuou a sofrer com o agravamento da doença. Finalmente, no nono dia da sua doença, aos cinquenta e seis anos de idade, e no trigésimo terceiro da minha vida, aquela alma piedosa e santa libertou-se do corpo” (Confissões 9,10-11: CSEL 33,215-219).

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