Reflexões de d. Eugênio Araújo Sales (Parte 2/3)

Sacerdócio – Episcopado – CNBB – Dia da Bíblia

11/02/2000

Exemplo de Sacerdócio

Há indivíduos que são alvos constantes de pareceres severos da opinião pública e outros, ao contrário, passam pelo mundo, desconhecidos ou ignorados, apesar de relevantes trabalhos realizados. Neste caso encontra-se o Monsenhor Expedito Sobral de Medeiros, pároco por 56 anos em São Paulo do Potengi, no interior do Rio Grande do Norte. Desloquei-me do Rio para celebrar suas exéquias. Ele bem merecia o sacrifício!

Sua última grande obra, no campo social, foi aglutinar os homens públicos, a partir do Governador, Parlamentares, Prefeitos e as Comunidades flageladas pelas secas, utilizando a força moral da Igreja em busca de solução imediata e duradoura para o abastecimento de água às localidades do interior. Uma das três adutoras recebeu, à revelia, seu nome e somente esta leva água potável a 23 cidades ou povoados. A voz do povo carinhosamente já o apelidara de “o Monsenhor das águas”, “o Profeta das águas”. E quem conhece o sertão do Nordeste pode avaliar o alcance do significado desse título.

Na mensagem enviada ao Governador do Estado, por ocasião do falecimento, a 16 de janeiro último, por insuficiência respiratória decorrente de um câncer, o Presidente da República assim se expressa: “A força e a obstinação com que defendia a expansão da oferta de água para o semi-árido nordestino, como condição essencial para a preservação da vida e da dignidade humana, deixaram-me forte e indelével impressão, permitindo-me passar a denominá-lo de “apóstolo das águas”. O alvo da luta desse discípulo de Cristo ia além das fronteiras do Estado, propugnava pela utilização do excedente hídrico do rio São Francisco.

A luta pela água é apenas um capítulo, o último e inacabado de toda uma existência sacerdotal a serviço do espiritual – zeloso pároco – e da dignidade do homem.

Falo com conhecimento de causa. O Movimento de Natal, com suas variadas e vitoriosas iniciativas, teve sempre em Monsenhor Expedito um sustentáculo, um incentivador. Ele fazia parte dos que iniciaram a Sindicalização Rural em nível nacional, a Campanha da Fraternidade, pequenas comunidades surgidas e assentadas em torno de receptores cativos da Emissora de Educação Rural, as Escolas Radiofônicas, as Maternidades, as Escolas de nível médio, a Ação Católica Rural, a Formação de Líderes, o Plano de Pastoral, a elevação do padrão cultural do Clero para melhor servir aos irmãos. Esses e outros empreendimentos começaram a surgir antes do Concílio Ecumênico Vaticano II e em uma época de extraordinária carência de meios materiais.

Ele sabia que o simples protesto nada constrói. Era firme em preservar a independência da Igreja mas, ao mesmo tempo, pacientemente procurava reunir acima dos partidos os políticos, em busca de uma causa tão nobre como o atendimento aos necessitados do Nordeste semi-árido. Ao sepultamento em sua paróquia do interior potiguar, estavam o seu Arcebispo e mais três Bispos, além de quase todos os sacerdotes da Arquidiocese de Natal. Ele foi sempre e acima de tudo, um ministro de Deus, fiel à sua Igreja, de onde lhe vinha a força e a orientação do seu trabalho social,

*** Em certo momento foi instado pelo então Arcebispo para assumir a Catedral de Natal. Razões de saúde do pároco do interior justificavam o convite de Dom Marcolino Dantas. Como desejasse permanecer onde estava, foi atendido. Há poucos anos foi nomeado, pelo atual Arcebispo, Vigário Episcopal para o Clero, mas residindo em São Paulo do Potengi. ***

Atravessou o período agudo da contestação na Igreja sem negar o juramento de fidelidade feito no altar a Deus, por ocasião de sua ordenação sacerdotal. Soube ser sempre obediente, um padre no pleno sentido da palavra, mesmo quando lidava com assuntos profanos. Onde estivesse buscava difundir o Evangelho e ajudar os necessitados por amor de Deus. Por isso, conservou até aos últimos dias da vida a juventude de espírito e a alegria dela decorrente.

Vi a ampla divulgação da imprensa local, por ocasião do falecimento e enterro, a imensa multidão, o município que parou, as manifestações das autoridades religiosas, civis, do Povo de Deus. Grande o sofrimento, ao lado de uma paz fruto de uma vida a serviço do Evangelho. Aludiam à graça de o terem tido como pastor em convivência ininterrupta: o primeiro e único pároco. “Nunca vi tantos homens reunidos, chorando tanto”, confidenciou a uma freira um velho sertanejo, momentos antes do sepultamento.

Sei que existem no Brasil muitos outros sacerdotes como ele. Isso faz a força da Igreja de Cristo. Aliás, eles cumprem uma missão recebida e esperam o prêmio das mãos de Deus. No entanto, se um ou outro, por fraqueza humana ou outra causa, comete faltas, logo se difunde a má notícia, não raramente complementada com adendos inverídicos.

Antes da celebração da Missa de Exéquias foi feita a abertura do seu testamento. Escreve ele: “A quem me substituir, continue presente junto aos pobres e, pelo amor de Deus, não os humilhe. Considero uma grande graça que Deus me concedeu: ser servidor do Povo de Deus. Peço a Maria Santíssima, a “Compadecida”, que se compadeça de mim e esteja a meu lado, no Julgamento. Amém”. Assim termina o testamento, com data de 12 de setembro de 1997.

A Igreja Católica, em sua longa e quase bimilenar história, sobrevive pela graça de Deus, que age em homens como Monsenhor Expedito Medeiros.

 

12/05/2000

Vocações Sacerdotais

O 4º Domingo da Páscoa é conhecido como o Domingo do Bom Pastor. O trecho do Evangelho que contém essa parábola é lido na Missa do “Dia Mundial de Oração pelas Vocações”. Este ano é o XXXVI e tem como tema “A Eucaristia, fonte de toda a vocação e ministério na Igreja”.

O Concílio Vaticano II dedicou todo um documento, o “Optatam Totius” à questão das vocações sacerdotais. Estabelece, de início, o princípio de que “o incentivo às vocações sacerdotais obrigação de toda a comunidade cristã promovendo-as, sobretudo, por uma vida plenamente cristã. Enumera aspectos concretos do cumprimento desse dever. Evidentemente, em primeiro lugar está a família “animada pelo espírito de fé, de caridade e piedade, tornando-se assim, como que um primeiro seminário”. (“Optatam Totius”, 2a). Seguem depois “as paróquias, de cuja vida fecunda participam os próprios adolescentes” (ibidem), “Os professores e todos quantos, de algum modo, têm a seus cuidados, a formação de jovens, em particular as associações católicas” (ibidem). O texto conciliar exalta a importância do testemunho do próprio sacerdote “manifestem o máximo de zelo apostólico no fomento das vocações e por sua própria vida humilde, operosa, levada com ânimo alegre e também com mútua caridade sacerdotal (…) entusiasmem os adolescentes pelo sacerdócio” (ibidem). Portanto, a comunidade cristã é responsável pela transmissão de sua fé às novas gerações e, para isso, se torna fundamental o trabalho de recrutamento e de formação dos seminaristas. A Igreja sabe que a vocação é algo rigorosamente pessoal. O apelo que vem de Deus, deve encontrar, na consciência e no coração do vocacionado grande generosidade. O jovem rico busca algo maior, mas esbarra diante das exigências sem meias verdades da parte de Jesus. Eis um exemplo de como a graça de Deus pode se frustrar na falta de magnanimidade. Na descoberta de uma genuína e profunda amizade de Cristo, o jovem consegue entender o Mestre que o chama: “Tu segue-me… Farei de ti pescador de homens” (Mc 1,17). Tanto a contribuição da comunidade como o chamamento individual na consciência do vocacionado estão sob o influxo de um terceiro fator, e este é o mais profundo. Por isso, Jesus admoesta aos seus: “A messe é grande, mas poucos os operários! Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para a sua messe” (Mt 9,36ss) Também São Paulo declara que é por Deus que ele foi “segregado para o Evangelho” (Rm 1,1). É Jesus Cristo “por quem recebemos a graça e a missão de pregar, para louvor do seu nome (…) entre todos os gentios” (Rm 1,4s). Assim ele vê sua vocação como um chamado direto da parte de Deus. “Sou o último dos apóstolos, mas pela graça de Deus sou o que sou” (1 Cor 15,3ss).

O Santo Padre, em sua Mensagem para esse Dia Mundial, nos adverte: “Toda vocação é dom do Pai. E como todos os dons que vêm de Deus, chega através de muitas mediações humanas: a dos pais ou dos educadores, dos pastores da Igreja, de quem está diretamente empenhado no ministério de animação vocacional ou do simples fiel” (nº 4).

Em todas as turmas do último retiro espiritual do clero do Rio de Janeiro, apresentei aos sacerdotes um pedido formal, como fruto do Grande Jubileu: paróquia alguma sem, ao menos, um seminarista no Seminário de São José ou em preparação, nos Grupos de Vocações de Jovens (GVJ) ou Grupos de Vocações Adultas (GVA).

A presença de seminaristas e seu número, são sinais de vitalidade paroquial. A ausência de candidatos ao Sacerdócio deve ser motivo de grave interrogação sobre os métodos pastorais utilizados ou o zelo do pároco. Sem o sacerdote, e em número suficiente, correm risco a presença da Eucaristia, a administração de vários sacramentos, a formação dos leigos, a transmissão da Fé, de modo conveniente.

No Dia Mundial, a Obra das Vocações Sacerdotais e o Clube Serra, que se dedicam a essa causa, devem se sentir estimulados em seu labor. E cada um de seus membros questionar-se sobre o trabalho realizado e a maneira de executá-lo. O mesmo se diga de outros grupos e pessoas que, generosamente, se consagram ao fomento de vocações e a sua manutenção no Seminário de São José. Nossa casa de formação sacerdotal recebeu, este ano, 64 novos seminaristas, sendo que 8, no Menor, vindos dos grupos vocacionais e 56 nos Cursos de Filosofia e Teologia, vindos do Menor ou dos GVA. O número anual de ordenações sacerdotais nesta Arquidiocese tem se elevado substancialmente. Desde 1971, quando assumi a Arquidiocese, até nossos dias, foram ordenados 146 presbíteros para o Rio de Janeiro. O número de defecções é muito reduzido. O Seminário está cheio, atendendo também outras dioceses.

Acolhamos dois apelos do Papa João Paulo II, em sua Mensagem: “Cada fiel torne-se educador de vocações, sem ter receios de propor escolhas radicais; cada comunidade compreenda a centralidade da Eucaristia e a necessidade de ministros do Sacrifício Eucarístico; de todo o Povo de Deus se eleve sempre mais intensa e apaixonada a oração ao Dono da Messe, a fim de que mande operários para a sua messe. Confie essa sua súplica à intercessão dAquela que é a Mãe do Eterno Sacerdote.”

E não nos esqueçamos: “A Eucaristia é fonte de toda a vocação e ministério na Igreja”. E o Seminário é fundamental à vida eclesial. A responsabilidade de todos os fiéis no campo vocacional, fomento das vocações e manutenção dos seminários, casas de formação de futuros padres se estende à santificação do clero. A santidade de vida dos presbíteros multiplica seu número pela maior eficácia de seu trabalho pastoral.

09/03/2001

Curso de Bispos

 

Anualmente, a Arquidiocese do Rio de Janeiro oferece um curso ao Episcopado Nacional. Trata-se de uma iniciativa estritamente pessoal, como gesto fraterno de colaboração da Arquidiocese do Rio de Janeiro com os irmãos no Episcopado. O encerrado a 9 de fevereiro último foi o XI e teve por tema: “Igreja e Ecumenismo”, exposto pelo Cardeal Walter Kasper, até então Secretário do Pontifício Conselho pela Unidade dos Cristãos e hoje Presidente. Ele é conhecido entre nós pelos seus livros de conteúdo teológico, entre outros “Jesus, o Cristo” e “O Deus de Jesus Cristo”. O Bispo Angelo Scola, professor e pesquisador, Magnífico Reitor da Universidade Lateranense, abordou aspectos fundamentais da Eclesiologia, dentro da qual se situa um autêntico esforço ecumênico. Lançou luzes sobre o recente e oportuno documento da Congregação para a Doutrina da Fé “Dominus Jesus”. Por ele, vê-se que a Igreja Católica, sem trair nem nivelar o divino depósito da Fé que Jesus nos legou, abre as portas a todos os homens. Nesse contexto, o Cardeal Dario Castrillon Hoyos, Prefeito da Congregação para o Clero, discorreu sobre algo fundamental à nossa Igreja, no cumprimento de sua missão: o relacionamento do bispo com o seu presbitério.

Inscreveram-se 136, entre Cardeais, Arcebispos e Bispos. Pareceu-me oportuno trazer ao conhecimento público alguns tópicos desse rico material. Eles interessam a toda a comunidade e aos homens de boa vontade.

O clima de grande alegria e fraternidade indicava a oportunidade da iniciativa, que se repete com regularidade, em favor de nosso Episcopado.

A 5 de junho do ano passado, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos comemorou 40 anos de existência. Foi instituído em 1960, como comissão preparatória ao Concílio. O Papa João XXIII, no Discurso de Abertura do Vaticano II, a 11 de outubro de 1962, afirmou “que começava a surgir na Igreja um dia precursor de luz esplendorosa”. Para se avaliar o longo caminho já percorrido, basta recordar o que seria absolutamente impensável até então: a 18 de janeiro do ano 2000, cerca de 40 irmãos, vindos de outras igrejas e comunidades eclesiais, entraram, com o Bispo de Roma, em procissão, na Basílica de São Paulo Fora-dos-Muros. Nunca, até então, um evento foi assinalado por tão numerosa participação de outros cristãos não-católicos. A Porta Santa foi aberta pelo Santo Padre, acompanhado de dois enviados que representavam o Oriente e o Ocidente cristão. Ajoelharam-se com João Paulo II diante da Porta, isto é, de Cristo, nosso Redentor. A troca do sinal da paz foi uma marca profética e alegre do objetivo dessa peregrinação em busca da plena comunhão. Esse é apenas um episódio do recente Ano Santo.

Toda a Eclesiologia parte da resposta a uma pergunta: “Quem é a Igreja?” É a comunhão de pessoas, enxertadas em Cristo, comunhão essa que atravessa a História, tendo como ponto de partida a missão livremente conferida e aceita. A dimensão missionária é, pois, essencial. E ao mesmo tempo, no seu exercício, deve ser absolutamente fiel à doutrina de Jesus. Pregar a todo mundo, tudo e somente o que veio de Cristo e foi por Ele ensinado. Como exemplo, na obediência às raízes, não lhe é permitido admitir mulheres à Ordem sagrada. Incumbe à Igreja preservar a pureza do que foi comunicado pelo Senhor Jesus e transmitido através dos séculos.

A terceira parte do curso versou sobre o relacionamento do Bispo com o seu presbitério e o dever do Pastor em cumprir seu ministério junto a seus próvidos colaboradores, os sacerdotes, na expressão do Concílio. Deus proporciona a seu Povo, ainda hoje, a presença eficaz de Pastores que o congreguem, que o guiem segundo o Seu Coração que se revelou a nós plenamente em Cristo, Bom Pastor (Exortação Apostólica “Pastores dabo vobis” nº 28). Ele nada possui para si mesmo (Lc 9,59), não persegue os próprios interesses (Jo 13,14-16), oferece-se em resgate por nós, para livrar-nos da morte e fazer-nos participantes da vida eterna (Jo 10,10ss). Os padres representam seu Pastor nas comunidades dos fiéis, tomando sobre si uma parte importante do cargo e da solicitude pastoral, exercendo-a no trabalho cotidiano, sob a autoridade do Bispo (Ef 4,12; “Lumen Gentium”, nº 28). Devemos reconhecer que Bispos e Presbíteros são homens de hoje: filhos de uma cultura decadente, que sonha com ilusões de bem-estar, distantes de Deus, que é o verdadeiro Bem. Daí serem as exigências da formação bem maiores para superarem a força do ambiente malsão que os rodeia. E de uma formação continuada que preserve a identidade do sacerdócio ministerial. Urge defender o caráter sobrenatural e sagrado do sacerdócio.

Eis um rápido bosquejo dos temas do Curso para os Bispos sobre “Igreja e Ecumenismo”, com o objetivo de integrar os fiéis e pessoas de boa vontade nessa iniciativa da Arquidiocese do Rio. O texto integral das aulas virá a lume no próximo número da revista “Communio”, edição em português.

O Cardeal Dario Castrillon concluiu sua reflexão sobre o Sacerdócio com a seguinte oração de João Paulo II (Exortação Apostólica “Ecclesia in America” nº 76): “Protege a tua Igreja e o Sucessor de Pedro, a quem Tu, Bom Pastor, confiaste a missão de apascentar todo o teu rebanho (…) Ensina-nos a amar tua Mãe, Maria, como Tu mesmo a amaste. Dá-nos força para anunciar com valentia a tua Palavra na empresa da Nova Evangelização para corroborar a esperança do mundo”.

 

16/03/2001

Conferência Episcopal

 

A Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 expressou o desejo de que as Conferências Episcopais procedessem oportunamente a uma revisão de seus estatutos. Dando andamento a essa decisão do Sínodo, o Santo Padre João Paulo II publicou, com data de 21 de maio de 1998, a Carta Apostólica sob forma de “Motu proprio”, “Apostolos Suos”, acerca da natureza teológica e jurídica das Conferências dos Bispos. Entre as indicações do Sínodo acolhidas por “Apostolos Suos” está o estudo aprofundado do “status” teológico e, conseqüentemente, jurídico das Conferências Episcopais e, sobretudo, o problema de sua autoridade doutrinal” (nº 7). Desde então, muitas Conferências em atitude de comunhão afetiva e efetiva entre seus membros e com o Sucessor de Pedro, já fizeram a oportuna revisão e adequação de seus estatutos, como foi indicado na Carta Apostólica de 1998. Nossa Conferência Episcopal (CNBB) se prepara a cumprir essa determinação e espero que consiga efetuá-lo, na próxima Assembléia Geral, no mês de julho, com a aprovação de novos estatutos. Isso virá assegurar que a direção das atividades da Conferência Episcopal esteja real e diretamente nas mãos dos Bispos. Esse passo seria, sem dúvida, um imenso benefício haurido no Grande Jubileu e no 500º aniversário da evangelização do País. Em conseqüência, o Episcopado do Brasil poderá efetivar, com maior clareza e eficácia, a sua missão evangelizadora e pastoral, para o bem dos fiéis e da sociedade.

Reconheço que se trata de um assunto complexo, pois na Igreja, o elemento constitutivo, essencialmente divino, coexiste com o contexto histórico, cujas formas humanas são revestidas de um conteúdo revelado. Diante desta relativa complexidade do assunto, não é de admirar que pessoas retas optem por um modelo de conferência episcopal diverso do apresentado por Cristo, através de seu Vigário. Por exemplo, tentar exercer autoridade superior à que Jesus concedeu a cada Bispo, legitimamente ordenado, e em comunhão com o Sucessor de Pedro. Ou ver nas Conferências um lugar de competição entre diversas correntes do pensamento reinante. No entanto, seu sagrado dever é cumprir o mandato de Jesus, contribuir para a pregação do Evangelho em todo o mundo.

O Santo Padre, em sua Carta Apostólica, deixa clara a natureza teológica e jurídica dessas instituições. Proclama a grande utilidade das Conferências Episcopais, ao lado da exaltação de sua importância, especialmente em nossos dias. Aborda o árduo problema que é a relação da Conferência com a jurisdição de cada Bispo e destes com o Sucessor de Pedro.

Jesus instituiu, como autoridade suprema na Igreja, o Colégio Universal dos Bispos com o Papa e sob Pedro e seus Sucessores. Elegeu doze homens e os constituiu “um colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe Pedro, escolhido entre eles” (“Apostolos Suos”, nº 1). A autoridade dos Doze não é fruto de uma soma, mas expressão da unidade da Igreja de Cristo. Assim, dois ou três dentre eles não agiriam em nome do Colégio, mas apenas por sua própria responsabilidade. Por isso Paulo e os seus julgam necessário ir até Jerusalém, para se encontrarem com o Colégio dos Apóstolos e Pedro. (Atos, 15,2).

O documento “Apostolos Suos” (12,2) nos diz: “A Igreja universal não pode ser concebida como a soma das Igrejas particulares, nem como uma federação das mesmas (…) De igual modo, também, o Colégio Episcopal não há de ser considerado como a soma dos Bispos postos à frente das Igrejas particulares (…) mas enquanto constituiu elemento essencial da Igreja universal, é uma realidade prévia ao múnus de presidência da Igreja particular (AS, idem). Com efeito, o poder do Colégio Episcopal sobre toda a Igreja não é constituído pela soma dos poderes que os diversos Bispos detêm sobre suas Igrejas particulares” (AS idem).

Dessa forma, a Conferência dos Bispos, por mais importante que possa ser no plano pastoral, disciplinar e também doutrinal, de per si, não tem autoridade colegial, parcela do único Colégio Episcopal com o Papa. Ela age apenas como poder individual de cada um dos Bispos participantes. Só se suas decisões tiverem o consenso unânime de todo o Episcopado participante, os fiéis da respectiva região estarão obrigados a obedecer, por uma opção de fé, seguindo as orientações de seu próprio Bispo, se ele vive em comunhão com o Santo Padre.

A Conferência não é nem uma instância superior a cada Bispo, nem uma instância intermediária entre cada Bispo e o Papa ou o Colégio Universal. Por isso, diz o Papa: “Não existe uma ação colegial igual a nível de cada Igreja particular, nem dos seus agrupamentos (AS 10,1). O Bispo diocesano apascenta, em nome do Senhor, o rebanho que lhe está confiado como seu Pastor próprio, ordinário, imediato e sua ação é estritamente pessoal, não colegial, embora animado pelo espírito de comunhão? (AS 10,1). Continua o Papa, com a mesma clareza: “A nível de agrupamento de Igrejas particulares por zonas geográficas (nação, região), os Bispos que as presidem, ao exercerem conjuntamente o seu serviço pastoral, não o fazem com atos colegiais iguais aos do Colégio Episcopal” (AS 10.2).

Essas precisões doutrinárias não diminuem o valor insubstituível, até certo ponto, das Conferências Episcopais, que é fortemente acentuada pelo Papa.

O aperfeiçoamento dos estatutos, adaptados segundo as diretrizes do Sínodo de 1985 e de “Apostolos suos”, será de grande importância para a vida católica em nosso País. Todos nós, Bispos, somos convocados para, à luz da Fé, contribuir para esse dever com a Igreja no Brasil.VOZ DO PASTOR D. Eugênio de Araújo Sales 12/11/1999

Dever da Missa Dominical O cumprimento do dever de assistir Missa cada domingo e dias santos é um dos sinais de uma vida religiosa autêntica. Diz o “Catecismo da Igreja Católica” (nº 2.181): “Aqueles que deliberadamente faltam a esta obrigação, cometem pecado grave” A fidelidade às orientações e exigências da Igreja são fundamentais para ser membro vivo da obra de Cristo. A participação semanal ao Santo Sacrifício é importante fator, que nos alimenta em nossa fraqueza com a fortaleza que nasce da Eucaristia. Esse amparo espiritual faz-se mais significativo em nossos dias, pois uma mentalidade errônea sobre a liberdade favorece a escolhas de elementos eclesiais ao critério dos indivíduos e não segundo o ensino de Cristo. E assim, organizam uma religião que é católica apenas no nome. Torna-se mais grave quando o cristianismo é manipulado por opções ideológicas. Um exemplo é a palavra do Papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil. A homilia em Aparecida, em 5 de julho de 1980, nos ajuda a discernir o verdadeiro do falso nessa matéria: “Qual é a missão da Igreja, se não a de fazer nascer o Cristo no coração dos fiéis? (…) E este anúncio de Cristo Redentor, de sua mensagem de salvação não pode ser reduzido a um mero projeto humano de bem estar e felicidade temporal. Tem, certamente, incidências na história humana, coletiva e individual, mas é fundamentalmente anúncio da libertação do pecado”.

Prejudicando seriamente o plano de Deus, há os que reduzem a Igreja à tentativa da construção de uma sociedade sem injustiças e outros que se limitam a uma espiritualidade sem um profundo vínculo com a superação dos males, inclusive sociais, frutos do pecado. A orientação correta é a que decorre dos ensinamentos de Jesus autenticamente transmitidos pela Hierarquia.

A valorização da assistência à Missa, dentro de um contexto comunitário e, especialmente em dias de preceito, sofre com essas tendências. Tal a importância do assunto, que o Papa foi levado a publicar precioso documento, a Carta Apostólica “Dies Domini” dirigida ao Episcopado, ao Clero e aos fiéis sobre a santificação do domingo, com data de 31 de maio de 1998.

Relacionado com a assistência obrigatória às Missas está o repouso dominical. Os primeiros cristãos necessitavam de dose de heroísmo para viver a sua fé em virtude do ritmo dos dias do calendário. O grego e o romano não propiciavam aos fiéis o tempo livre do domingo e, em conseqüência, estes celebravam os Ofícios divinos na madrugada. Os costumes evoluíram à luz do cristianismo nascente. No século III um autor escreveu o que já então se constatava em toda a região: a santificação do domingo já era observada. No entanto, ainda no século IV, um grupo de cristãos foi levado a um tribunal em castigo pelo delito de participar de reuniões ilícitas, – no caso, a Celebração Eucarística. A resposta foi clara e peremptória: “Temos celebrado a assembléia dominical porque não nos é permitido omiti-la”. E morreram mártires de sua Fé.

A obrigatoriedade da assistência à Missa aos domingos e dias santificados vem, pois, das origens do cristianismo. E hoje, às vésperas do Grande Jubileu, esse múnus que caracteriza o católico deve ser objeto de um exame de consciência. Paralelamente ao ato litúrgico está o repouso dominical, objeto desse mesmo exame.

No decorrer desses dois milênios persistiu o preceito do primeiro dia da semana, em modalidades variadas. Constitui parte integrante da própria existência do fiel. Há causas que o escusam. Entre elas, a ausência do Ministro ordenado. Nesses casos, o fiel é exortado vivamente – portanto, conselho e não dever – a participar da Liturgia da Palavra. O Código de Direito Canônico (can 1.248) recomenda, de modo claro, a dedicação de um tempo a atos piedosos que santifiquem o Dia do Senhor. No entanto, a assistência à Missa, mesmo celebrada fora da paróquia, é obrigatória, desde que não haja grave incômodo para dela participar. A obrigação perdura. O Código é claro: “É grave encargo a assistência à Missa aos domingos e festas de preceito. Somente uma causa suficiente a dispensa e, mesmo assim, recomenda-se substituí-la por práticas religiosas. Trata-se de “recomendação” (cânones 1.247 e 1.248).

Infelizmente, no período pós-conciliar surgiu a falsa informação de ter sido abolido o dever de assistência à Missa aos domingos e dias santos, como a abstenção dos trabalhos servis no Dia do Senhor. O “Catecismo da Igreja Católica” (nº 2.181) usa como exemplo dos motivos sérios, relevantes que dispensem da obrigatoriedade da observância do Dia do Senhor, inclusive da Santa Missa: “Doença, cuidado com bebês”, a que se poderiam acrescentar outros assemelhados, como “distância do local da Santa Missa” que, para percorrê-la, acarretasse incômodo de vulto. E, como se trata de uma participação comunitária, não cumpre esse compromisso quem assiste a transmissão pela televisão ou rádio, mesmo que seja de grande proveito espiritual. De modo particular, beneficiam-se os enfermos e encarcerados, impedidos de chegar a uma igreja. O mesmo se diga dos que residem distante dos templos.

A importância da fidelidade ao preceito grave da assistência à Santa Missa se origina do valor infinito do Santo Sacrifício explicitado pelas palavras do Santo Padre em “Dies Domini”.

Santificar o Dia do Senhor – assistência à Missa dominical e repouso semanal – favorecendo inclusive a vida familiar – é contribuir para a paz e a convivência pacífica na comunidade. Aproxima-nos do Senhor e abre novas perspectivas ao milênio que se aproxima, com o Jubileu do Nascimento de Cristo.

24/09/1999

Dia da Bíblia

Faz parte da natureza humana a necessidade de se comunicar com o próximo, inclusive quando ausente. No princípio, foram utilizados sinais em pedra, na cortiça das árvores. Assim, podiam fazer chegar uma mensagem a pessoas distantes ou de épocas posteriores, na esperança de que gerações futuras tomassem conhecimento de sua presença ou do que pensavam. A sistematização desse modo embrionário, pelo que se sabe hoje, teve início no final do IV milênio antes de Cristo. Duas grandes culturas – a do Egito e a da Mesopotâmia – criaram a escrita. Primeiro, por ideogramas e, finalmente, por sinais que significavam sons e sílabas.

Entre mil e quinhentos e mil anos antes de Cristo, os fenícios alcançaram uma das maiores invenções da História, o alfabeto. Isso ocorreu em uma região onde, dentro em breve, surgiriam os primeiros livros da Sagrada Escritura. Comenta o cientista da história bíblica, Herbert Haag (“Mysterium Salutis”, vol. I, cap 3): “Deus parece ter esperado até que os homens inventassem a escrita alfabética para que sua palavra pudesse tornar-se livro”.

A palavra de Deus, que revela a grandeza de sua mensagem salvífica a um mundo pecador, sem rumo e sofredor, supera, evidentemente, o que está aí exarado. Aliás, Jesus jamais redigiu um livro. Ele confiou todo o seu ensino – a Bíblia e a Tradição – aos seus Apóstolos e sucessores. Em si, o Antigo e o Novo Testamento não diferem no exterior de outros documentos religiosos. Somente a Tradição viva da Igreja podia, entre tantos textos, discernir o que era divinamente inspirado. Tudo indica que a mais antiga obra a vir a lume após o Messias foi a primeira Epístola aos Tessalonicenses, em torno dos anos 50/51. A Tradição assegura a origem divina das partes integrantes do cânon encerrado com o Apocalipse e a acompanha, através dos séculos, como instância capaz de interpretar autenticamente e proteger esses escritos que são o alicerce de nossa Fé católica. Sem a tradição oral, as Sagradas Letras não poderiam ser identificadas. O ensino contido na Palavra divina está sempre além do que a gramática verbaliza, ultrapassando a nossa limitada linguagem. Sobre isso, diz a Constituição Dogmática “Dei Verbum” (12): Para apreender, com exatidão o sentido dos textos sagrados, deve-se atender, com não menor diligência, ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, levando em conta a Tradição viva da Igreja toda e a analogia da Fé”. Assim, a Sagrada Tradição, confiada à guia do Magistério, consegue fazer entender o que a letra morte não alcança expressar. Ocorre o prometido por Jesus: “O Espírito Santo vos introduzirá em toda a verdade” (Jo 16,13). É Ele que orienta a leitura da Bíblia. O fiel se deixa tocar pelo imperscrutável mistério de Deus, experimenta-o, em vez de fazer uma simples análise lingüística do texto sagrado. Ao ler, ele é iluminado por essa atuação do Espírito Santo, verdadeira chave hermenêutica para a leitura da Bíblia.

O sentido original da palavra “tradição” é entrega. No caso, é “entrega”, feita por Deus, de um conteúdo. No diálogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3,16; cf Rm 8,31-39) lemos “Assim, Deus amou o mundo que entregou seu Filho para que não pereça quem nele crê, mas tenha a vida eterna”. Toda a ação da Igreja, que está sob a proteção dos pastores obedientes ao Espírito, expressa, interpreta e protege o depósito da Fé, contido nas Escrituras.

O próprio Jesus inicia esse procedimento quando confia Sua obra aos Doze sob a cabeça, Pedro. O Messias ensina aos Apóstolos que todo o Antigo Testamento deve ser explicado, não à luz da letra morta, mas conforme a vontade de Deus, manifestada no Senhor Jesus. Assim fizeram, quando os Apóstolos ensinaram fórmulas estereotipadas da Fé antes e depois da escrita dos livros sagrados do Novo Testamento.

A história da Bíblia nos mostra que ela necessita de uma exegese autêntica. A decisão do que faz parte, ou não, da Escritura Santa, obedece a critérios da Tradição. Por isso, somente no século IV (393) formulou-se, com certeza e unanimidade, esse Cânon. São Pedro já advertia sobre a importância de interpretação que não dependesse só da letra, mas do Magistério vivo: “É o que ele (Paulo) faz em todas as suas cartas, nas quais fala nesses assuntos: nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a própria ruína, como fazem também com as demais Escrituras” (2 Pd 3,16).

Toda essa exposição revela o excepcional valor da Palavra de Deus na Bíblia e a presença atuante da Tradição. Não é algo morto ou inerte, mas extraordinariamente vivo, acompanhando o desenrolar da existência da Humanidade, fazendo Jesus Cristo estar vivo e presente a cada momento da História, geração a geração.

Grande influência político-social é conseqüência do poder transformador que a Bíblia exerce na consciência individual.

A Escritura se torna a força mais revolucionária do mundo, mas sempre a partir da vida interior do homem: “Sede irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros, no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros do mundo, mensageiros da palavra da vida” (Fil 2,15s).

Na celebração do Dia da Bíblia, a 30 de setembro, lembro o valor de sua leitura individual e coletiva das centenas de círculos bíblicos, reforçados, agora, pela Missão Popular em preparação ao Grande Jubileu. Refletem e rezam os textos sagrados e procuram traduzi-los na vida de cada dia.

 

 

 

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