Reflexões sobre a Fé como ato do Intelecto

A fé é apreensão intelectual, iluminada e inspirada pelo Espírito Santo, da Revelação Divina proposta pela Igreja, em virtude da autoridade de Deus que revela, a qual foi transmitida por Jesus aos Apóstolos e seus Sucessores.

Mas antes de uma adesão aos conteúdos revelados, há uma adesão ao “Revelador”, um reconhecimento de que Ele tem autoridade sobre minha vida – e de que essa autoridade foi transmitida ao Magistério da Igreja; por isso se fala de “obediência da fé”. É uma espécie de reconhecimento de que “Deus é Deus”, e que diante d’Ele não há alternativa que não seja a da humilde submissão de todo nosso ser; ao mesmo tempo um reconhecimento do amor de Deus, “que nos compele” (2Cor 5,14); não se trata de uma autoridade “opressiva”, mas de alguém que se “impõe” por seu amor.

Conseqüentemente, é um reconhecimento de que “a Revelação é Revelação” (e não uma invenção humana dos “padres”, etc.), para que possa ser, então, reconhecimento dos conteúdos concretos dessa Revelação – o que falta aos não crentes não é o conhecimento do Catecismo (que eles poderiam ler), mas a aceitação de que esses conteúdos são verdadeiramente revelados por Deus enquanto merecedor de credibilidade. Esse reconhecimento nos abre à confiança nas promessas divinas referentes ao futuro (nos abre à virtude teologal da Esperança); e a uma atuação em conformidade com Aquele que reconheço como Amor e de cujo amor participo (nos abre à virtude teologal da caridade).

A fé é um conhecimento, antes de tudo, pessoal, como o conhecimento que temos de um amigo: não dizemos que conhecemos um amigo apenas quando tomamos conhecimento “somos informados” das coisas que ele nos conta; mas quando, de um certo modo, participamos de sua vida, de tal modo que praticamente chegamos a “apalpar” seus relatos pessoais, entramos na intimidade dele, o conhecemos “por dentro” (etimologicamente, “inteligir” é “ler dentro”; não é um conhecimento meramente teórico, mas uma “intimação” com a realidade). Um conhecimento, por assim dizer, “amoroso”, que nos leva à atitude de nos “fiar” nessa pessoa (Fé como fiabilidade); eu conheço o Amor de Deus e por isso me fio naquilo que Ele diz: os Mistérios que revela (Fé propriamente dita); também suas promessas (Esperança); e o sentido de nossas vidas (Amor).

A dimensão do sentimento – assim como, obviamente, a da vontade – não está excluída da Fé, mas não é formalmente aquilo que define a Fé. Não se pode “amar aquilo que não se conhece”. Entretanto, alguém não tem uma fé “maior” porque sabe mais teologia, mas porque, com o pouco ou o muito que saiba, se aproxima mais de Deus, e se abre mais à Esperança e ao Amor. Um mínimo conhecimento, como o da fórmula do Símbolo dos Apóstolos, por exemplo, pode nos levar a uma entrega muito mais ardorosa que o conhecimento da Suma Teológica inteira – a maior Fé é a que conduz a uma maior Esperança e a um maior Amor. Uma Fé que não “opera pela caridade” (Gl 5,6), nem confia no Senhor, é uma Fé pouco madura, que não tira para a vida as conseqüências práticas daquelas realidades em que crê.

E a Fé se inscreve toda dentro da certeza; não há espaço para o medo de errar. Mas não é uma espécie de obstinação psicológica, e sim uma autêntica segurança pessoal, da mesma espécie, por exemplo, daquela que nos vem quando sabemos um assunto por termos estudado a fundo e vamos para uma prova tranqüilos.

A Fé é uma experiência pessoal de encontro com Deus dentro da comunidade que perdura no tempo a Sua manifestação ou Revelação, ou seja, dentro da Igreja Católica – ou dentro daquelas comunidades eclesiais que mantém alguns elementos da Revelação (nesse caso, é uma Fé “incompleta” que impele à plenitude católica). Eu só posso crer porque a Fé me é anunciada. Não é algo que “eu me dou”, mas que recebo, é um dom. Justamente o dom que me permite reconhecer a “Deus enquanto Deus”, o mesmo dom que fez S. Pedro proclamar sua profissão de Fé diante de Cristo. O anúncio da Fé é anúncio da Palavra Encarnada, é um colocar as pessoas diante da realidade de Jesus de Nazaré, que se manifesta na Sagrada Escritura, Palavra escrita, na Tradição Apostólica, nos Sacramentos, nos fiéis cristãos… Anúncio que tem como meta a conversão da pessoa e sua adesão a Cristo, para que assim entre em comunhão, por meio dEle e na Igreja, com a Santíssima Trindade.

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