Reflexões sobre a moral sexual (Parte 1): a prole

Questão: Grande parte das críticas que se levantam contra a moral sexual resume-se a afirmação de que ela possui caráter meramente religioso. Portanto, continuam as repreensões, não é justo nem necessário que os descrentes sigam essas orientações. Para estes críticos, o ato sexual, mesmo fora do matrimônio, não obedece a qualquer norma ou fim, a não ser a satisfação imediata do apetite sexual. A prole, na medida em que não se encontra neste nível imediato e até pode impedir sua execução, é muito especialmente negada como fim deste ato. Para eles, os filhos não são fruto natural de uma relação sexual. No entanto, em outro post foi afirmado que um dos fins do matrimônio é a prole e, portanto, não é lícito (nem saudável para a relação matrimonial) um matrimônio sem filhos. O objetivo dessa reflexão é mostrar que não se pode agir como se o ato conjugal não tivesse um fim em si mesmo, independente da vontade dos cônjuges. Para isso, a reflexão apresentará dois momentos: uma abordagem teológica e outra filosófica.

Abordagem Teológica

É muito comum se dizer que o ato conjugal não precisa visar de modo algum a prole, mas que o fim do ato conjugal é tão simplesmente o bem dos esposos. Com isso se quer dizer que o único e razoável fim para o ato sexual entre esposos é o gozo deste mesmo ato, que sacia temporariamente o apetite sexual. É com este espírito que se diz ordinariamente aos recém-casados: “vocês têm que aproveitar o casamento um pouco, viajar, curtir um ao outro…”, como se os filhos fossem empecilho natural a união dos esposos. Os cristãos, porém, não deviam ter esse problema de compreensão, pois para os que tem fé, especialmente de origem judaica, a prole é já um modo parcial de realização das promessas feitas ao Pai dos crentes, Abraão: descendência mais numerosa que as estrelas do céu (cf. Gn 22,17). Além disso, as santas mulheres do Antigo Testamento sofriam por não terem filhos: “Faze-me ter filhos também, ou eu morro“, disse Raquel a seu marido Jacó (Gn 30,1), demonstrando indiretamente o gozo e a realização que é para a casal de Deus ser co-criador do gênero humano. E finalmente, a fecundidade matrimonial precisa ser vista como um dom para o homem desde o princípio: “Crescei e multiplicai-vos” (Gn 1,26). Por detrás da insegurança dos casais de fé com relação a sua prole está, certamente, a falta de confiança na Palavra de Deus. Os que dizem ser cristãos, mas não reconhecem o Senhorio de Deus nesta parte de sua vida, precisam admitir que não há mais fé verdadeira no domínio de Deus sobre toda a natureza. São cristãos incompletos, portanto.

Aos católicos, que não têm apenas a Palavra de Deus Escrita, mas também a Palavra de Deus Pregada como fundamento da sua fé – além do Magistério – é ainda mais clara a questão. Diversas vezes o Magistério Ordinário definiu que o ato conjugal deve estar sempre aberto à transmissão da vida (cf. CIC §2366), além de prever o bem dos esposos. Só por razões graves o ato sexual deve separar a união do casal da abertura à vida. Com efeito, o fim dos apetites humanos é a satisfação de uma potência. Ora, um dos fins naturais do ato conjugal é a prole. Logo, os cristãos católicos, seja por causa da Fé na Palavra de Deus, seja pela obediência refletida no Magistério Ordinário, não podem tentar separar esses fins, a não ser por motivo grave.

Mas e os que não têm fé? Eles podem usar do ato conjugal introduzindo artifícios para, sem razões graves, espaçar ou impossibilitar gravidezes? É o que veremos.

Abordagem Filosófica

Os que não têm o dado religioso para guiar suas ações levantam objeções a todo tipo de normatização no campo da sexualidade. Dizem que não veem sentido na imposição de regras em um aspecto tão íntimo da vida humana. Afirmam que se a prática sexual possui algum tipo de prazer anexo, não há evidentemente nada de mal em usufruir deste prazer. Se o ato sexual traz alguma satisfação, não há razão de se pôr limites a ela. No entanto, apesar destas premissas bem convincentes, esses mesmos defensores do prazer sexual sem finalidade acham muito constrangedor – e muitas vezes ofensivo – se alguém busca incessantemente a satisfação gustativa, mesmo que para isso tenha que expelir o alimento recém ingerido. O guloso gera no espectador um certo horror. Gula não tem nada a ver com o cafezinho depois do almoço ou o pudim depois da macarronada, mas é aquela ânsia de ingerir alimentos por causa do prazer derivado da ingestão ou do paladar. Em grau profundo, a gula torna-se patologia, fazendo com que o guloso, ato contínuo ao alimentar-se, vomite a refeição para que o alimento não cause o efeito necessário, a nutrição. Neste sentido, poucas coisas são mais deprimentes e reveladoras da condição humana que o vomitório romano, pois demonstram como o homem pode desviar-se da natureza nas suas ações mais cotidianas. Com efeito, nosso tempo reconhece a bulimia como grave doença que abate jovens e adultos em algo tão simples como a alimentação. E o que é a bulimia senão a ação de desfrutar do prazer gustativo sem “sofrer” as consequências da alimentação, a saber: a nutrição? Os bulímicos, para manterem sua autoimagem, pretendem usufruir do prazer anexo ao apetite nutritivo sem assumir a nutrição como fim do ato de nutrir-se. Obviamente, neste ato há uma deturpação da natureza, que há poucos escapa. É a gula no seu estado químico, que certamente já tornou-se patologia física e psiquiátrica.

Ora, se aos que não tem fé repugnam atitudes de esbanjamento, desperdício e bulimia, a eles também deveria repugnar o ato sexual que, deliberadamente e sem razões, impede o apetite reprodutivo de alcançar o fim remoto de sua ação: a prole. A gula e a bulimia, isto é, a prática de alimentar-se e depois, por meio de um intermédio (a pena de ganso ou um comprimido), impedir a consequente absorção dos alimentos ingeridos, causa tanta repugnância por razão da rejeição da natureza deste ato. Quem diria que é justificável desejar o bônus do prazer gustativo dos alimentos sem arcar com o ônus da absorção desses alimentos? O apetite sexual tem como fim intrínseco de sua ação a prole, assim como o fim da alimentação é a nutrição. Os prazeres anexos a estas ações são moralmente lícitas, contanto que não se interponha nada ao desenvolvimento da natureza. Afirmar que nada há demais em que o ato sexual evite sempre a prole é o mesmo que achar natural que toda refeição seja impedida de produzir nutrição, por meio de remédios ou de vômitos.

Outra crítica que se faz é que, na prática, os métodos naturais para espaçamento da prole equivalem aos artificiais, pois impedem a gestação, deixando a ato conjugal com apenas um dos horizontes de sua moralidade: a união dos esposos. No entanto, não é ilícito se um alimento, tomado para nutrir e cujo paladar é agradável, não é absorvido pelo corpo, sem o intermédio da ação humana. Nesse sentido, o uso de métodos contraceptivos naturais e artificiais não se equivalem, pois os primeiros não interferem no desenvolvimento natural do corpo, enquanto os segundos marcam a intervenção do homem a fim de tornar infecundo um ato naturalmente destinado a prole. Os atos conjugais praticados nos períodos inférteis, pelo contrário, não tornam esses atos infecundos. Eles o são naturalmente.

O uso dos métodos naturais são moralmente aceitáveis, portanto, caso se respeitem seus fins. A prole é um desses fins, para o casal cristão ou não.

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