“Respeito pela vida humana não-nascida: o ensinamento constante da Igreja” (~1995)

Dossiê preparado pelo Comitê de Atividades Pro-Vida da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos.

O Catecismo da Igreja Católica afirma:” A Igreja afirmou, desde o século I, a maldade moral de todo o aborto provocado. Este ensinamento não mudou. Continua invariável. O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral”(§2271).

Em réplica a todos que dizem que esse ensinamento mudou ou é de origem recente, aqui estão os fatos:

Desde os primórdios, os Cristãos se distinguiam notoriamente das culturas pagãs que os rodeavam pela rejeição do aborto e do infanticídio. Os primeiros documentos utilizados para o ensino e a prática cristãs depois do Novo Testamento, nos séculos I e II dC, a Didaquê (Magistério dos Doze Apóstolos) e a Carta de Barnabé, condenavam as duas práticas, bem como os primeiros Concílios das Igrejas Regionais e Particulares.

Certamente, o conhecimento da embriologia humana era muito limitado até o tempo recente. Muitos pensadores Cristãos aceitaram as teorias biológicas de seu tempo, baseadas nos escritos de Aristóteles (Séc. IV a.C) e outros filósofos. Aristóteles entendia que era necessário um processo no tempo para transformar a matéria contida no útero da mulher em um ser que pudesse receber uma forma humana específica ou alma. Pensava-se que o poder ativo de formação desse processo viesse integralmente do homem – a existência do ovo humano era desconhecida, assim como a maior parte dos fundamentos da biologia.

No entanto, essas teorias biológicas equivocadas nunca mudaram a convicção comum da Igreja de que o aborto é gravemente errado em qualquer estágio. O aborto de uma gravidez em estágio inicial era visto, no mínimo, como sendo um ataque a um ser com um destino humano, sendo preparado por Deus para receber uma alma imortal (Jr 1, 5 : “Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia”).

No século V dC essa rejeição do aborto em qualquer estágio foi afirmada pelo grande bispo-teólogo Santo Agostinho. Ele conhecia teorias que diziam que a alma humana não estava presente até algumas semanas de gravidez. Por usar a tradução grega dos Setenta para o Antigo Testamento, ele também pensava que os antigos Israelitas impunham uma pena mais severa para quem acidentalmente causasse aborto se o feto estivesse “completamente formado” (Ex 21,22-23), linguagem que não é encontrada em nenhuma versão hebraica dessa passagem. Mas ele também sustentava que o conhecimento humano da biologia era muito limitado, e sabiamente alertou contra o uso dessas teorias para justificar um homicídio. Aduziu, ainda, que Deus tem o poder de compensar todas as deficiências humanas e insuficiências na Ressurreição, portanto não podemos assumir que as crianças abortadas em estágio inicial serão excluídas de passar a Eternidade com Deus.

No século XIII, Santo Tomás de Aquino fez uso extensivo do pensamento Aristotélico, incluindo sua teoria de que a alma racional humana não está presente nas primeiras semanas de gravidez. Mas também ele rejeitava o aborto como gravemente errado em qualquer estágio, apontando que é um pecado “contra a natureza” rejeitar o dom de Deus que é uma nova vida.

Durante esses séculos, teorias se originadas de Aristóteles e de outros influenciaram a gradação de penas para o aborto no Direito Eclesiástico. Algumas penas canônicas eram mais severas para um aborto direto depois do estágio em que se pensava que a alma já se fazia presente. Entretanto, o aborto em todos os estágios continuava sendo visto como um mal moral grave.

Do século XIII ao século XIX, alguns teólogos especularam sobre casos raros e difíceis nos quais pensavam que um aborto antes da “formação” ou da “infusão da alma” poderia ser moralmente justificado. Mas essas teorias foram debatidas e sempre ao final rejeitadas, enquanto a Igreja refinava e reafirmava seu conceito do aborto como um ato intrinsecamente mal que nunca pode ser moralmente correto.

Em 1827, com a descoberta do ovo humano, a biologia equivocada de Aristóteles foi desacreditada. Os cientistas gradativamente compreenderam que a união de espermatozóide e óvulo, na concepção, produz um novo ser vivo que é distinto tanto da mãe quanto do pai. A genética moderna demonstrou que esse indivíduo é, externamente, distintivamente humano, com o potencial inerente e ativo de se maturar em um feto, bebê, criança e adulto humanos. A partir de 1869 a distinção obsoleta entre feto “formado” e “não-formado” foi permanentemente removida da lei canônica sobre o aborto.

As leis seculares contra o aborto foram sendo reformadas ao mesmo tempo e na mesma direção, baseada na percepção dos especialistas médicos seculares de que “a única doutrina que parece estar de acordo com a razão e a fisiologia é aquela que coloca o inicio da vida no momento da concepção” (Relatório sobre o Aborto Criminoso, Associação Médica Americana – AMA, 1871).

Logo, a ciência moderna não mudou o ensinamento constante da Igreja contra o aborto, mas sublinhou o quão importante e razoável é, confirmando que a vida de cada indivíduo da espécie humana começa com o embrião em estágio inicial.

Dado o fato científico de que a vida humana começa na concepção, a única norma moral necessária para entender a oposição da Igreja ao aborto é o princípio de que toda e qualquer vida humana tem dignidade inerente, e, portanto, deve ser tratada com o respeito devido à pessoa humana. Essa é a base da Doutrina Social da Igreja, inclusive de seus ensinamentos sobre a guerra, a aplicação da pena de morte, eutanásia, cuidados com a saúde, pobreza e imigração. Inversamente, afirmar que alguns seres humanos vivos não merecem respeito ou não devem ser tratados como “pessoas” (baseando-se em variáveis como idade, condição, localização, ou inabilidade mental ou física) é negar a própria idéia de direitos humanos de caráter inerente. Tal alegação mina o respeito pelas vidas de muitas pessoas vulneráveis antes e depois do nascimento.

Para mais informações: Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração sobre o Aborto Provocado (1974), nºs 6-7; [https://www.veritatis.com.br/article/4701]; John R. Connery, SJ, Aborto: o desenvolvimento da Perspectiva Católica Romana (1977); Germain Grisez, Aborto: os mitos, as realidades e os argumentos (1970), Capítulo IV; USCCB – Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, Sobre as Pesquisas com Células-tronco Embrionárias (2008) [https://www.veritatis.com.br/article/5303]; Papa João Paulo II, Evangelium Vitae (1995), nºs 61-2 [https://www.veritatis.com.br/article/3692].

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