Saiba mais sobre as Igrejas Orientais (Parte 3/3)

A Igreja Armênia Católica


São Gregório o Iluminador, o santo da Armênia



A Armênia é um país da Ásia Menor que se tornou independente com o fim da antiga União Soviética. Mas o povo armênio devido à sua história e múltiplas perseguições se encontra espalhado por todo o Oriente Médio e pelo mundo, inclusive no Brasil. O cristianismo tem uma história antiga na Armênia. Os próprios apóstolos Tadeu e Bartolomeu teriam anunciado o evangelho naquele país (então bem maior que suas fronteiras de hoje) e teriam sido ali martirizados.

A conversão do povo armênio ao cristianismo se deu em fevereiro de 301. O ano de 2001 tem sido marcado por comemorações dos 1700 anos desse fato. A história do batismo do povo armênio é uma bela história com elementos de fábula.

No final do século III o rei da Armênia se chamava Tiridate III. E havia Gregório, que tinha sido educado em Cesaréia na Capadócia (atual Turquia), então um dos principais centros do cristianismo. O rei ordenou que Gregório oferecesse sacrifícios à deusa Anahide. Este se recusou alegando que um só é criador do céu e da terra, o Pai do Senhor Jesus Cristo. O rei mandou jogá-lo num poço escuro e cheio de cobras onde ninguém antes tinha sobrevivido. Mas alimentado por uma piedosa viúva Gregório sobreviveu lá por longos anos.

O Imperador Romano Diocleciano na mesma época se apaixonou e fazia de tudo para seduzir uma bela moça chamada Hripsime. Mas essa era cristã e não correspondia a seus avanços. Para fugir do perigo ela escapou de Roma junto com um grupo de companheiras, buscando refúgio na Armênia. Mas então sua beleza chamou a atenção do rei Tiridate, que quis fazê-la sua. A moça se recusou, e enfurecido o rei mandou matá-la a ela e a suas companheiras com terríveis torturas. Como castigo pelo horrendo crime Tiridate teve o rosto transformado no rosto de um porco selvagem.

 Obedecendo a uma indicação do céu, o rei castigado retirou Gregório do poço. Ele tinha ficado lá por treze anos. Orou pelo rei que tantos crimes cometera, e o rei voltou prodigiosamente a ter o semblante humano. Diante disso Tiridate compreendeu que o Deus de Gregório era o verdadeiro e se converteu, junto com a família e o exército, e decidiu trabalhar pela conversão de todo o país. E assim o povo todo foi batizado e a Armênia se tornou o primeiro país oficialmente cristão. Junto com Gregório percorreram o país destruindo templos pagãos e construindo igrejas cristãs.

Depois de uma visão do Unigênito Filho de Deus encarnado, foi construída uma igreja no lugar dessa visão, que tomou o nome de Etchimiazin, isto é, lugar onde ?o Unigênito desceu?. Os sacerdotes pagãos foram instruídos na nova religião e tornaram-se os ministros do novo culto. Gregório se retirou para vida de eremita no deserto. Posteriormente seu filho mais novo Aristakes se tornou bispo e participou do Concílio de Nicéia, que ajudou a definir o Credo que rezamos hoje em cada liturgia nas Igrejas católicas de todo o mundo.

Por seu papel na conversão do povo Gregório é conhecido como ?O Iluminador?.

Uma das dificuldades do cristianismo na Armênia é que não havia um alfabeto próprio. A partir do ano 405 um sábio, Mesrob Machdots, decidiu criar um alfabeto próprio e uma liturgia própria. Este homem conhecia profundamente várias línguas e criou um alfabeto, o que possibilitou a tradução da Bíblia para o armênio, além dos livros dos padres da Igreja. Por esse trabalho foi canonizado São Mesrob.

No entanto dificuldades políticas e de comunicação fizeram com que a igreja armênia aos poucos fosse se afastando da comunhão católica. A Armênia não teve representantes nos importantes concílios de Constantinopla (381), Éfeso (431 ? condenou o nestorianismo), e Calcedônia (451 ? condenou o monofisismo). O Monofisismo era uma doutrina que fazia muitos adeptos na época e dizia que a natureza divina de Cristo absorvia sua natureza bhumana. Os armênios receberam as conclusões do Concílio de Calcedônia mas a tradução era ruim e imprecisa. O monofisismo entrou na igreja armênia e num sínodo (reunião de bispos) em 525 a igreja Armênia condenou o concílio de Calcedônia, separando-se assim da Comunhão. Os que aceitaram o concílio foram perseguidos e emigraram para outros países. Assim se constituiu a Igreja Apostólica Armênia, que não é católica, e que existe até hoje e abrange a maioria dos armênios em todo o mundo.

 

No decorrer dos séculos houve várias tentativas de reunir a Igreja Armênia ao catolicismo, inclusive durante o Concílio de Florença em 1439, de curta duração. Mas uma união estável só aconteceria a partir de 1701, quando um monge armênio Padre Mekhtar fundou um centro missionário em Veneza (depois seus membros ganhariam o nome de ?mekhtaristas?). Em 1730 foi fundada uma ordem Armênia católica (?Antoninos armênios?) por Dom Abrão Ardvizian. Esse último foi eleito primeiro patriarca dos Armênios católicos e reconhecido como tal pelo Papa Bento XIV em 1742, ano da fundação da Igreja Armênia Católica. Ao voltar não pôde mais se instalar na Armênia, e ele e seus sucessores se instalaram no Líbano, ainda hoje o centro do catolicismo armênio.

A Igreja Armênia católica passou por muitas dificuldades assim como o seu próprio povo. Em 1915 o povo armênio foi vítima de um dos maiores crimes da história, o genocídio perpetrado pelos turcos. Morreram um milhão e meio de pessoas em massacres e deportações. (A quem se interessar mais por esse aspecto da história ha o livro ?Os 40 dias de Musa Dagh?, de Franz Werfel, sobre o assunto). 

Note-se que a igreja Apostólica Armênia, não católica, existe até hoje e abrange a maioria dos fiéis armênios. Mas está em franco processo de aproximação com o catolicismo. O Sumo Pontífice fez nos dias 25 a 27 de setembro de 2001 uma Viagem Apostólica a Armênia a convite de sua Santidade o Patriarca-catholicós Karekin II, da Igreja Apostólica Armênia. Fala-se muito numa possível união das duas igrejas.

Note-se que quando o Papa vem ao Brasil ele faz uma Visita Pastoral, ou seja, é o pastor visitando seu rebanho. Mas à Armênia ele fez uma viagem apostólica, ou seja, ele era um sucessor dos apóstolos convidado por outro sucessor dos apóstolos (Karekin II).

 

Durante essa visita o Sumo Pontífice dedicou quase todo seu tempo à Igreja Apostólica Armênia, e inclusive concelebrou em sua Catedral de Etchimiazin, o lugar onde houve o prodígio. Mas o papa também teve um almoço oficial no Centro Católico de Kanaker, na capital daquele país, visitando portanto a Igreja Armênia Católica.

A Igreja Armênia Católica no Brasil está em festa, pois recebeu recentemente uma relíquia de São Gregório o Iluminador, um pedaço do osso do crânio do santo. O crânio é conservado em Nápoles, e um pedaço agora será guardado no Brasil. No dia 22 de agosto de 2001 houve a cerimônia de recebimento com a participação de Dom Vartan Borghossian, Exarca Apostólico Armênio para a América Latina, Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Emérito de São Paulo, e Dom Datev Karibian, Arcebispo para o Brasil da Igreja Apostólica Armênia.

Resumo:

Igreja Armênia Católica

Chefe Espiritual: Sua Beatitude Nersés Pedro XIX, Patriarca de Cilícia (Sis) dos Armênios.

Sede: Beirute ? Líbano

Fiéis: 150.000

No Brasil:

Exarcado Apostólico de São Gregório de Narek para a América Latina, criado a 03.07.91 pelo Papa João Paulo II

Exarca: Dom Vartan Waldir Borghossian, Bispo da Diocese armênia de São Gregório de Narek e Exarca Apostólico Armênio da América latina, desde 1991.
 

Fontes:

   KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais, católicas e ortodoxas, tradições vivas. São Paulo: Ave Maria edições,  1997. 256p. [O autor deste livro é o adido cultural da Embaixada Brasileira no Líbano e gentilmente colocou sua obra à disposição desta página para reprodução e resumo, e a ele agradecemos].

Entrevista com Dom Vartan Borghossian em 22/08/2001, Portal catolicanet (http://www.catolicanet.com.br)

Carta Apostólica de João Paulo II pelo aniversário de 1.700 anos do batismo do povo armênio.

“A conversão da Armênia, realizada no início do IV século e tradicionalmente datada no ano 301, deu aos vossos antepassados a consciência de ser o primeiro povo oficialmente cristão, muito antes que o cristianismo fosse reconhecido como religião própria do império romano. É sobretudo o historiador Agatângelo que, em um relato rico de simbolismo, se propõe a narrar em detalhes os fatos que a tradição põe na origem da maciça conversão do vosso povo. O relato toma seu argumento do encontro providencial e dramático de dois heróis que estão na base dos acontecimentos: Gregório, filho do parto Anak, educado em Cesaréia da Capadócia, e o rei armênio Tiridate III. No início foi, na verdade, um desencontro: Gregório, solicitado pelo rei para oferecer sacrifícios à deusa Anahide, opôs-se com um forte repúdio, explicando ao soberano que um só é o criador do céu e da terra, o Pai do Senhor Jesus Cristo. Submetido, por causa disso, a cruéis tormentos, Gregório, assistido pelo poder de Deus, não se dobrou. Diante desta sua irredutível constância na confissão da fé cristã, o rei o colocou em um poço profundo, um lugar angustiante e escuro, infestado de serpentes, onde ninguém anteriormente havia sobrevivido. Mas Gregório, nutrido pela Providência através da mão piedosa de uma viúva, ficou por longos anos naquele poço sem sucumbir.
O relato prossegue referindo-se as tentativas postas em obra, ao mesmo tempo, pelo imperador romano Diocleciano para seduzir a santa virgem Hripsimé, que, para escapar do perigo, fugiu de Roma com um grupo de companheiras, buscando refúgio na Armênia. A beleza da jovem atraiu a atenção do rei Tiridate, que se apaixonou por ela e quis faze-la sua. Diante do obstinado repúdio de Hripsimé, o rei se enfureceu e matou a ela e as companheiras entre cruéis suplícios. Segundo a tradição, como pena pelo horrendo delito Tiridate foi transformado em um porco selvagem, e não pode recuperar o semblante humano, senão quando, obedecendo a uma indicação do Céu, libertou Gregório do poço no qual permaneceu por treze longos anos. Obtido o prodígio do retorno a semelhança humana pelas orações do Santo, Tiridate compreendeu que o Deus de Gregório era o verdadeiro e decidiu converter-se, juntamente com a família e o exército e trabalhar para a evangelização de todo o País. Foi assim que os Armênios foram batizados e que o cristianismo se impôs como religião oficial da Nação. Gregório, que nesta época tinha recebido em Cesaréia a ordenação Episcopal, e Tiridate percorreram o País, destruindo os lugares de culto aos ídolos e construindo templos cristãos.
Depois de uma visão do Unigênito Filho de Deus encarnado, foi construída uma igreja em Vagharchapat, que do prodigioso acontecimento tomou o nome de Etchimiazin, isto é, lugar onde “o Unigênito desceu”. Os sacerdotes pagãos foram instruídos na nova religião e tornaram-se os ministros do novo culto, enquanto seus filhos constituíram o centro do clero e do posterior monaquismo.
Gregório se retirou rapidamente a vida eremita no deserto, e o filho mais novo Aristakes foi ordenado bispo e constituído cabeça da Igreja Armênia. Com tal título participou do Concílio de Nicéia. O historiador armênio conhecido pelo nome de Moisés de Corene define Gregório “o nosso progenitor e pai segundo o Evangelho”(1) e, para mostrar a continuidade entre a evangelização apostólica e a do Iluminador, refere-se a tradição segundo a qual Gregório teria tido o privilégio de ser concebido junto à sagrada memória do Apóstolo Tadeu.
Os antigos calendários da Igreja ainda indivisa celebram-no, no Oriente e no Ocidente, no mesmo dia como apóstolo repleto de verdade e de santidade. Pai na fé de todo povo armênio, São Gregório também hoje intercede do Céu a fim de que todos os filhos da vossa grande Nação possam finalmente se encontrar em torno da única Mesa preparada por Cristo, divino Pastor do único rebanho.
Essa narrativa tradicional recolhe em si, ao lado de aspectos lendários, elementos de grande significado espiritual e moral. A pregação da Boa Nova e a conversão da Armênia são antes de tudo fundamentadas sobre o sangue dos testemunhos da fé. Os sofrimentos de Gregório e o martírio de Hripsimé e de suas companheiras mostram como o primeiro Batismo da Armênia foi justamente aquele do sangue”.

É realmente bela a história e é uma missão que os armênios hoje sao chamados a reviver, testemunhar a radicalidade do Evangelho pelo qual deram a vida seus antepassados.

E que São Gregório Iluminador lhe seja modelo e intercessor. Azdvádz Oknagán! Azdvádz Bahabán! (Que Deus seja seu auxílio! Que Deus sustente a sua vida!)

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