“para que a justificação obtida por sua graça nos torne, em esperança, herdeiros da vida eterna” (Tt 3,7)
Certo dia caminhando para o confessionário encontrei um panfleto protestante. A mensagem dizia que podemos ter certeza da nossa salvação pela crença em Jesus Cristo. Para parafrasear o folheto, afirma que podemos ter certeza de nossa ida ao paraíso, porque Deus nos ama (Jo 3,16). Mesmo que tenhamos pecado e estejamos destituídos da glória de Deus (Rm 3,23), Jesus morreu por nossos pecados (Rm 5,8). Pelo arrependimento dos pecados e pela aceitação de Cristo em nosso coração estaremos livres do inferno (At 3,19; Ap 3,20). O folheto professa verdades cristãs, mas falha sobre a plenitude da fé cristã. Alguns pontos importantes devem ser observados.
Comecemos com Jo 3,16
Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna
Esta é uma bonita e concisa afirmação da verdade evangélica. Deus nos amou de tal forma que nos mandou Seu único Filho, Jesus, para morrer numa cruz pelas mãos de homens pecadores para nos salvar da condenação do inferno (Rm 5,6-11). Nossa salvação é um dom gratuito conseguido pelos méritos de Cristo. Nós não merecemos a salvação para que não nos gloriemos (Ef 2,8). Somos salvos por Cristo por crer em Cristo.
Mas o que significa “crer”?
Jo 3,16 não expressa a plenitude da doutrina da salvação. Devemos compreender o contexto. Vinte versículos após também está escrito:
Aquele que crê (pisteuon) no Filho tem a vida eterna; quem não crê (apeithon) no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus
As bíblias RSV, NAB e NASB traduzem o verbo grego apeithon como “obedecer”. Este verbo relaciona a “crença em Cristo” com a “obediência a Cristo”. Em outro momento São Paulo relaciona a fé com a obediência como uma “obediência da fé” (Rm 1,5) e com as boas obras pela “fé que opera pela caridade” (Gl 5,6). Também está escrito “Pela fé Abraão obedeceu… ” (Hb 11,8). De acordo com a linguagem bíblica, “acreditar” também significa “obedecer”. Não podemos sinceramente crer em Cristo se desobedecemos os mandamentos de Deus, isto é, se cometemos pecado (Tg 2,18-26). O pecado é uma quebra da fé (Nm 5,6-7).
Como resultado do pecado de Abraão (Rm 5,12) e através de nossos pecados graves, nós rejeitamos a Deus e servimos ao inferno. Perdemos a vida eterna. Notemos que o inferno não é uma punição de um Deus vingativo, mas uma conseqüência de nossa rejeição a Deus ? fonte de toda bondade e toda vida. Nossos pecados ofendem o amor de Deus. Não há nada que possamos fazer como criaturas finitas que possa reparar uma ofensa infinita. Felizmente, pela misericórdia de Deus, Jesus nos redimiu do inferno pela sua paixão e sacrifício na cruz. Como dom gratuito (Tt 3,5), Deus perdoa os nossos pecados e nos oferece a graça de poder estar em Sua companhia eternamente, inicialmente pelo sacramento do batismo (Mc 16,16; 1 Pd 3,21; At 2,38). Pela purificação do batismo recebemos a graça santificante que nos torna justos diante de Deus (At 22,16; 1 Cor 6,9-11).
Agora estamos redimidos por Cristo no batismo, mas podemos escolher livremente rejeitar este dom pelos nossos pecados graves, como escreve São Paulo em Rm 6,23:
Porque o salário do pecado é a morte, enquanto o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor
Neste versículo, a vida eterna é o paraíso, e a morte é o inferno. O paraíso é um dom de Deus, mas nós podemos merecer o inferno por comenter pecados mortais. A observância da lei não nos salva, mas nos mostra os pecados que podem nos condenar (Rm 3,20). Por exemplo, minha liberdade é um dom de meus antepassados, mas seu eu cometer alguma ilegalidade, irei para a cadeia. Da mesma forma a bíblia:
Porque sabei-o bem: nenhum dissoluto, ou impuro, ou avarento – verdadeiros idólatras! – terá herança no Reino de Cristo e de Deus. E ninguém vos seduza com vãos discursos. Estes são os pecados que atraem a ira de Deus sobre os rebeldes (Ef 5,5-6)
Outra sensata afirmação de São Paulo:
Depois de termos recebido e conhecido a verdade, se a abandonarmos voluntariamente, já não haverá sacrifício para expiar este pecado. Só teremos que esperar um juízo tremendo e o fogo ardente que há de devorar os rebeldes (Hb 10,26-27)
Se notarmos bem Paulo, fiel seguidor e apóstolo de Cristo, usa o plural nas palavras, ou seja, está se incluindo nesta afirmação. Após o batismo, se pecarmos deliberadamente e sem arrependimento, poderemos vir a perder o dom da salvação. No batismo recebemos a graça santificante em nossas almas sem mérito próprio algum, mas após disso devemos cooperar com esta graça, ou iremos perdê-la (2 Cor 6,1). Esta cooperação com a graça redentora de Deus é o que entende a Igreja Católica por mérito (CCE 162; 2025).
Felizmente Deus nos concedeu o sacramento da Confissão (penitência ou reconciliação) para que possamos receber o perdão dos pecados cometidos após o batismo. Se pecarmos após termos sido batizados (Jo 1,8-9), devemos permanentemente nos constringir, confessar nossos pecados e voltar nossos corações (de volta) a Cristo. O arrependimento não deve ser um momento único em nossa vida, mas deve ser um processo contínuo em nós. Ontem nós podemos ter nos arrependido termos sido perdoados, mas amanhã, pela fraqueza da natureza humana, podemos novamente cair em pecado (2 Pd 2,20-22). Estamos, então, seguros que Cristo nos perdoará assim perdoamos os outros (Lc 6,36-37; Mt 6,14-15). Por este sacramento recebemos a graça santificante e a graça que nos ajudará a resistir às tentações futuras.
Jesus reconhe nossa fraqueza mesmo após o batismo. E foi por esta razão que Ele deu aos apóstolos a autoridade para perdoar os pecados:
Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (Jo 20,22-23)
Através dos séculos este sacramento foi transmitido pelos bispos como o Sacramento da Confissão . Os cristãos dos tempos de hoje necessitam do perdão dos pecados ainda mais do que precisavam os dos primeiros séculos. Naturalmente, para confessar os pecados devemos contar a alguém publica ou auricularmente, pois os sacerdotes precisam conhecer os pecados de devem perdoar (At 19,18; Lv 5,5-6).
Mesmo que nossa salvação ainda não esteja assegurada, ainda podemos ter a esperança de consegui-la. Na bíblia São Paulo usa a frase “esperança da salvação” (1 Tes 5,8) ou “esperança da vida eterna ” (Tt 1,2; 3,7). Se temos a segurança da nossa salvação, então não há necessidade nenhuma de esperança. Esperança não é o mesmo de segurança (Rm 8,24). De acordo com o Catecismo da Igreja Católica:
A esperança é o aguardar confiante da bênção divina e da visão beatífica de Deus; é também o temor de ofender o amor de Deus e de provocar o castigo (CCE 2090)
Os dois pecados contra a esperança são o desespero e a soberba (CCE 2091). O pecado da desesperança provoca a perda da esperança na salvação, não confiando em Deus. O pecado da soberba provoca a perda da esperança ou por sustentar por nós mesmo uma situação de certeza sobre a nossa salvação ao invés de Deus ou por receber sem temor a Sua misericórdia.
A esperança é um delicado equilíbrio entre confiança na promessa e no temor de Deus (Pv 1,7).
Deus quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2,4). Através da Igreja de Cristo – a Igreja Católica – podemos chegar ao conhecimento da verdade (1 Tm 3,15; Mt 16,18-19). Através dos sacramentos recebemos a graça salvífica como um dom gratuito. Mas conseqüentemente devemos cooperar com esta graça, pois possuímos o livre-arbítrio para rejeitar Deus através da desobediência, isto é, pelo pecado que conduz à morte. Após receber a graça santificante de Deus pelo batismo, devemos continuar “trabalhar na vossa salvação com temor e tremor ” (Fl 2,12). Através da Confissão, podemos pedir continuamente a misericórdia de Deus e por mais graças para que possamos resistir às futuras tentações. Como pecadores, não estamos seguros da nossa salvação. Mas os cristãos, que fielmente usarem dos sacramentos “canais da graça de Deus ” sem desistir, podem certamente ter a esperança da salvação.
Fonte: A Catholic Response, Inc. Tradução: Rondinelly Ribeiro.