Salve Regina

O órgão anuncia as notas que iremos cantar para saudar a Santíssima Virgem ao final da Celebração. O solista introduz esta bela oração de invocação à Mãe de Deus e nossa.

“Salve Regina, Mater misericordiae…”

Acabamos de receber Jesus na Sagrada Eucaristia. Temos em nosso coração Aquele que pode nos santificar. Recebemos uma graça incomparável que é maior que o fato do céu vir morar em nós: o Senhor do céu e da terra veio morar em nós. Inclusive me vem à mente a mulher que sofria com o fluxo de sangue, que só de tocar na orla de seu manto ficou curada. Que é a orla do manto quando o que se tem em nós é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade dAquele que vestia o manto que a mulher tocou?

Como se não bastasse sua santa presença em nós, recebemos do Senhor na mesma Celebração Eucarística instruções para uma vida mais santa por meio da Escritura Sagrada proclamada e da exortação do sacerdote na Homilia. Ou seja, o Senhor não só vem morar em nós por meio da Sagrada Eucaristia como nos fala por meio da Liturgia da Palavra.

Dada a imensidão das graças recebidas na Santa Missa, qual a necessidade que ainda temos de invocar Nossa Senhora ao final da Celebração?

“… Vita, Dulcedo et Spes nostra, salve!”

Para explicá-lo, peço licença a Santo Afonso Maria de Ligório, São Dionísio Areopagita, São Boaventura, São Bernardo de Claraval, São Bernardino de Sena e tantos outros santos que exaltaram a figura de Nossa Senhora, para tomar somente para citações os textos de outro dos grandes escritores marianos: São Luis Maria Grignion de Montfort. Inicio dizendo sobre a importância da devoção à Santíssima Virgem. São Luis de Montfort nos ensina que ela é a dispensadora de todas as graças do Cristo, ou seja, se recebemos graças incontáveis na Celebração Eucarística, essas graças passaram por nossa Santa Mãe para atingir nosso coração. Deus quis se servir de Maria para ser a emissária de suas graças justamente para que por meio dela, por sua doçura, sua pureza, a humanidade O encontrasse. “Deus Filho comunicou a sua Mãe tudo que adquiriu por sua vida e morte: seus méritos infinitos e suas virtudes admiráveis. Fê-la tesoureira de tudo que seu Pai lhe deu em herança; é por ela que Ele aplica seus méritos aos membros do corpo místico, que comunica suas virtudes, e distribui suas graças; é ela o canal misterioso, o aqueduto, pelo qual passam abundantemente e docemente suas misericórdias (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 24)”. Eis um dos aspectos primordiais da necessidade de uma amizade com nossa Santa Mãe. Não se trata de uma devoção interesseira, mas sim de uma devoção de dependência, onde vemos o alcance da intercessão de Nossa Senhora frente às nossas misérias. “Ele não resiste nunca às súplicas de sua Mãe, porque ela é sempre humilde e conformada à vontade divina (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 27)”.

Se entendemos que a devoção à Nossa Senhora é algo necessário, pelo que ela significa e devido ao tratamento que ela recebeu da Trindade Santíssima, se entendemos que, por meio do amor que à ela tributamos, fazemos o Nome de Cristo maior, e em troca disso – sem merecimento algum de nós, pobres pecadores – recebemos graças infinitas do céu, vindas do Trino Deus pelas mãos doces de Maria Santíssima, por que não dirigirmos nosso olhar a ela na Santa Missa? Por que não manifestarmos nossa gratidão por sua intercessão por nós?

“Ad te clamamus, exsules filii Hevae. Ad te suspirámus gementes et flentes in hac lacrimárum valle…”

Muito bem, entendemos este primeiro aspecto. Contudo, as almas mais abrasadas de amor a Nossa Senhora podem me perguntar: Mas por que somente no fim da Missa? A resposta é bem simples, contudo de caráter orientador para nosso proceder. O Centro da Celebração Eucarística é Cristo. Como dizemos, é Cristo que se dá na Palavra, Cristo que se dá na Eucaristia. A Missa é um presente do Pai, onde se doa o Filho por ação do Espírito Santo. É o Sacrifício perene onde toda a Trindade age em favor da humanidade, atualizando a doação redentora de Cristo na cruz. É a ação perfeita do Amor (entenda-se na perspectiva de São João em sua Epístola onde ele define Deus como Amor) transcendendo o tempo, o espaço e o entendimento em prol da redenção do seu povo. Nossa Senhora, a mais perfeita das criaturas de Deus, a mais cândida das almas, o mais puro coração ardente de amor por Deus, é nosso modelo de caminhada. É o sinal que recebemos do alto indicando como viver. E, justamente por ser a dispensadora das graças do Cristo, é o auxílio que Ele mesmo nos dá para praticar na semana o que aprendemos na Santa Missa. É por isso que deixamos para o final da Celebração.

Sabiamente a Igreja nos faz refletir sobre a figura de Maria Santíssima como amparo em nossa conduta ascética nos últimos instantes do Santo Sacrifício do Altar. Sairemos do templo sabendo que não estamos sós: a Trindade habita em nós, por meio da recepção da Eucaristia e escuta da Palavra, e – vejamos quão amoroso é nosso Deus – recebemos um auxílio da maior de todas as criaturas, porém que é criatura como nós. Cultivar a amizade com Nossa Senhora fará com que obtenhamos os maiores benefícios da parte de Deus.

“Eia ergo, advocata nostra…”

“Encontraste graça diante de Deus” disse o Arcanjo na Anunciação. Bem vemos nestas palavras de São Gabriel que Maria é capaz de obter as graças necessárias para nós, pois o Pai se alegra em ouvir o que roga pelos que se confiam a sua intercessão. Mais que qualquer outra criatura, Deus se encanta com Maria, obra-prima de suas mãos. “A Santíssima Virgem, Mãe de doçura e misericórdia, que jamais se deixa vencer em amor e liberalidade, vendo que alguém se entrega inteiramente, para honrá-la e servir-lhe, despojando-se do que tem de mais caro para com isso adorná-la, entrega-se também inteiramente e dum modo inefável, a quem tudo lhe dá. Ela o faz imergir no abismo de suas graças, reveste-o de seus merecimentos, dá-lhe o apoio de seu poder, ilumina-o com sua luz, abrasa-o de seu amor, comunica-lhe suas virtudes: sua humildade, sua fé, sua pureza, etc.; constitui-se seu penhor, seu suplemento, seu tudo para com Jesus (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 144)”.

Como não amar e não buscar auxílio nesta pessoa que tanto bem pode trazer para nós enquanto Igreja Militante? E mais, temos de aumentar cada dia mais os laços de amor com ela, pois seu Divino Filho no alto da cruz, no maior gesto de doação por alguém – onde Ele assumiria nossos pecados salvando a humanidade – deu-a a nós como Mãe. Observemos bem: além de todos os tratos divinos recebidos por Maria Santíssima, além de todo o significado que pudesse haver em sua Imaculada Conceição, além de todo o mérito que ela possui diante de Deus por ser morada da Trindade e Sacrário por excelência para nós, ainda a recebemos do próprio Cristo como Mãe.

“… Illos tuos misericordes oculos ad nos converte. Et Iesum benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsílium ostende…”

“Oh! Que confiança e consolação para uma alma poder chamar também seu o tesouro de Deus, onde Deus depositou o que tem de mais precioso! ‘Ipsa est thesaurus Domini’ – Ela é, diz um santo, o tesouro do Senhor (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 216)”. É incrível como nós, criaturas sem valor e pecadores por natureza, somos amados. De princípio nós, enquanto criaturas, devemos somente obedecer Àquele que nos criou: no entanto, Ele nos deu o livre arbítrio. Enquanto criaturas devemos fazer além do que estiver ao nosso alcance para servi-lO, unicamente por obediência: no entanto, Ele nos concede graças. Merecemos castigo por nossas transgressões: no entanto, Ele nos deu seu Filho para que assumindo nossa culpa e morrendo em nosso lugar, nos desse Salvação. Temos de zelar para ter uma conduta santa para não O ofendermos mais: no entanto, Ele nos deu Maria Santíssima para ser exemplo de santidade e excelsa medianeira. Somos alvo de uma forma de amar que não somos capazes de entender – e menos ainda de retribuir. Diz-nos o Doutor Angélico: “A verdadeira devoção à Santíssima Virgem consiste em se lhe devotar e entregar. O culto de dulia é a dependência, a servidão (São Tomás de Aquino, Suma Teológica 2-2, q. 103, a. 3, in fine corp.)”.

Não desprezemos este auxílio dado por Deus a nós. Na próxima Missa que participarmos, não consideremos este momento como simplesmente um canto a mais a ser entoado, ou uma mera referência à figura de Nossa Senhora. Olhemos com amor para a Mãe de Jesus e nossa, e nos sirvamos através de uma devoção sincera dos benefícios que podemos lucrar resultando em uma vida mais santa. Não há como errar: o reflexo disso é exatamente a vontade de Deus realizada.

“O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!”

“Notai, se vos apraz, que eu digo que os santos são moldados em Maria. Há uma grande  diferença entre executar uma figura em relevo, a martelo e a cinzel, e executá-la por um molde. Os escultores e estatuários têm de esforçar-se muito para fazer ima figura da primeira maneira, e gastam muito tempo; mas da segunda maneira, trabalham pouco e terminam em pouco tempo. Santo Agostinho chama a Santíssima Virgem ‘forma Dei’, o molde de Deus. ‘Si formam Dei te appellem, digna exsistis’, sois digna de ser chamada o molde de Deus (Santo Agostinho, Sermo 208). Aquele que é lançado no molde divino fica em breve formado e moldado em Jesus Cristo, e Jesus Cristo nele. Bela e verdadeira comparação! Quem a compreenderá, porém? Desejo que sejais vós, querido irmão. Mas lembrai-vos que só se lança no molde o que está fundido e líquido, isto é, que é mister destruir e fundir em vós o velho Adão, para que venha a ser o novo em Maria (São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 219 e 221)”.

V: Ora pro nobis, sancta Dei Genitrix!
R: Ut digni efficiámur promissiónibus Christi!

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