Nuno de Santa Maria nasceu em 1360 como Nuno Álvares Pereira, filho legítimo de D. Álvares Gonçalves Pereira e Dona Iria Gonçalves. O seu pai era prior da Ordem do Hospital e Privado – favorito – dos reis D. Afonso IV, D. Pedro I – de Portugal – e D. Fernando. Desde cedo foi educado dentro do espírito da cavalaria, ou seja, na coragem, lealdade, generosidade, amor a Cristo e à Sua Igreja. Ganhou fibra e cresceu como homem e como crente quando entrou na corte do Rei D. Fernando, onde foi feito cavaleiro vestindo uma armadura emprestada por D. João, Mestre de Avis, futuro Soberano de Portugal. A história de Nuno de Santa Maria é inseparável da própria história da sua pátria. A filha de D. Fernando, Dona Beatriz, a herdeira ao trono, era casada como João I de Castela, que, assim, pretendia unificar as coroas. O nosso herói português se levantou em defesa da legitimidade e independência da nação, apoiando a ascensão do Mestre de Avis ao trono lusitano, o que foi concretizado para o júbilo geral. Com a coroação e sagração do Rei, D. Nuno foi feito Condestável – segundo na hierarquia militar do reino – e Conde de Ourém. O grande general lutou bravamente pela autonomia do seu país frente à Castela. A incursão castelhana em Portugal, na Batalha de Aljubarrota, foi convertida em quadros e telas ao longo da história corando, desse modo, a grande proeza militar do santo carmelita; seus 6.000 homens venceram o exército espanhol com 30.000 soldados.
Além da sua glória militar – não cansado com a vitória sobre João de Castela ainda manteve um Estado policial contra a Espanha – o General lusitano foi um homem com grandes riquezas e influência, D. Nuno era O Condestável de Portugal, 2.º conde de Arraiolos, 7.º conde de Barcelos e 3.º conde de Ourém e tinha uma das maiores fortunas de toda a Península Ibérica. Sua filha, Beatriz Pereira de Alvim, nascida do seu casamento com D. Leonor Alvim, celebrou bodas com Afonso I de Bragança. Essa união deu origem à Casa de Bragança que, três séculos depois, reinará em Portugal e, cinco séculos seguintes, no Brasil . Com a morte da sua esposa, passando por um processo de aprofundamento espiritual nos ideais da cavalaria, com muita contrição, conversão diária, penitência e oração, resolveu ingressar na Ordem do Carmo, construindo o Convento de Lisboa, adotando o nome de Nuno de Santa Maria, deixando todos os prazeres do mundo; “Esta foi a última batalha da sua vida. Para ela se preparou com as armas espirituais de que falam a carta aos Efésios (cf. Ef 6, 10 20) e a Regra do Carmo: a couraça da justiça, a espada do Espírito (isto é, a Palavra de Deus), o escudo da fé, a oração, o espírito de serviço para anunciar o Evangelho da paz, a perseverança na prática do bem.” (Conferência Episcopal Portuguesa).
Claro que as suas grandiosas batalhas, as lutas travadas em defesa da pátria, foram obras significantes da sua vida, não obstante, sem dúvida alguma, é o Convento do Carmo de Lisboa que encarna o espírito e a entrega de Nuno de Santa Maria. O então Condestável de Portugal, ao largar a espada e abraçar a Regra, ao deixar o escudo e vestir o hábito, transformou a sua riqueza em pedras, em cúpulas, em altares, em cruzes, em imagens, fez da sua fortuna na terra a sua fortuna no céu; ergueu, solitariamente, um dos maiores monumentos sacros da terra lusitana. O Convento, ocupado por carmelitas vindos de Moura, convidados pelo próprio Nuno, tornou-se em farol da fé na grande cidade portuguesa, muitas vezes ofuscada pelos prazeres do mundo. O Condestável e o carmelita, mesmo vestidos e paramentados com diferentes roupas, submetiam-se aos mesmo princípios e a mesma fé; “Só por ordem do Rei é que deixou de andar pelas ruas a pedir esmola para os pobres. Do que o Rei lhe mandava para seu sustento, distribuía tudo o que podia pelos pobres, socorrendo e assistindo na agonia os moribundos.”, assim ainda foi lembrado no guião da cerimônia de canonização. D. Nuno sempre primou pela vivência da Religião diária e cotidiana, abraçando com uma sadia radicalidade a fé em sua plenitude; “Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus.” (S.S Bento XVI). O Santo Padre, na homilia da canonização, lembrou que os anos de vida do santo português foram aqueles “que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos – não sem um desígnio particular de Deus –, abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra”.
Talvez Nuno de Santa Maria tenha sido um dos portugueses que viveu com mais afinco aquele espírito tão característico da nação lusitana, o mesmo que levou homens a desbravarem os mares. É comum ouvir historiadores de linha marxista criticando Portugal por ser sido o país que com mais fervor abraçou o projeto expansionista; não queriam apenas colônias e cidades no ultramar, mas sim territórios onde triunfasse a Civilização – o que eles entendem como demérito nós enxergamos como glorioso. O que une o Timor Leste e o Brasil, Angola e Macau, Guiné-Bissau e Goa, não é apenas a língua – claro que o idioma é importantíssimo – mas a mesma base de formação humana, mesmo que essa legado se encontre em decadência. Não somos nações irmãs porque apenas temos ruas com pedras portuguesas, as mesmas casas em estilo colonial e igrejas barrocas, mas sim porque o fermento que foi usado na nossa construção foi aquele que nasceu com a identidade portuguesa, desde D. Afonso Henriques. Estaria exagerando se dissesse que São Nuno foi o responsável, de algum modo, pelos descobrimentos portugueses, mas não posso negar que nele pulsava aquela dignidade, grandeza que também se fez presente nos corações dos descobridores lusitanos. A identidade d’O Condestável se fundiu com a da própria nação, um espírito que de tão sublime e majestoso foi convertido em poesia pelo baluarte da língua e literatura portuguesa; Luís Vaz de Camões. Assim fala Nuno Álvares Pereira em Os Lusíadas:
Eu só, com meus vassalos e com esta
(E, dizendo isto, arranca meia espada),
Defenderei da força dura e infesta
A terra nunca de outrem sojugada.
Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei não só estes adversários,
Mas quantos a meu Rei forem contrários.»
(Canto IV, est.ª 19)