Ser “do contra”

O Prof. Jean Lauand queixou-se da atitude da TFP, que considera negativista. Ele julga exagero fazer sempre campanhas contra isso ou aquilo de errado, e preferiria que só fossem feitas campanhas a favor do que presta. Respondi-lhe:

Caro mestre, creio que o mais sensato – e mais católico, e mais brasileiro, e mais brasileiramente católico… – seria não estar nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Explico: sabemos todos, e o sabe o senhor mais que qualquer um de nós, a importância de não apenas coibir os vícios mas incentivar as virtudes, e vice-versa. Em nossa sociedade, marcada pelo hedonismo e pela irracionalidade (basta ver a campanha “de alto nível” à presidência, onde ninguém disse nada que que pretendia fazer e todos apelaram à emoção; desde quando mulheres grávidas vestidas de branco andando em câmara lenta por um prado verdejante são uma proposta política?!), é comum a mentalidade relativista, inúmeras vezes condenada pela Igreja e até pelo bom-senso dos filósofos pagãos.

Para 99% da população católica – sem culpa alguma da parte deles, pois jamais conheceram outra coisa e tiveram o politicamente correto apresentado como ortodoxia – é simplesmente errado e pecaminoso fazer o ato de misericórdia que consiste em corrigir quem está errado. Isso explica bem a ênfase da TFP em lutar CONTRA isso ou aquilo. É ótimo que na ilha-prisão de Fidel Castro haja um programa conjunto com filósofos católicos, mas isso não o exime das dezenas de milhares de assassinatos e prisões políticas, não o exime de manter encarcerado todo um povo. É sim necessário lutar CONTRA o Fidel… como é necessário levar ao povo que ele oprime a beleza e a verdade da mensagem salvífica.

Devemos, sim, ter esta atitude tão caracteristicamente brasileira, tão caracteristicamente católica, de saber ver o que é bom e aproveitá-lo, enquanto se condena o mal. A condenação “em bloco” (seja do álcool, do cigarro, das bonecas Barbie…) é algo que vem do calvinismo. Para o calvinista todo fumo é mau, todo álcool é péssimo, e toda boneca Barbie é uma aberração. Devemos sim evitar esta postura.

A brasilidade da mentalidade católica – quem sou eu para lembrar-lhe da catolicidade da mentalidade brasileira? – é tão forte que o componente da cultura católica que nos deu as vestes dos sacerdotes, os anéis de casamento, as datas das festas de S. João e do Natal, etc. – ou seja, a capacidade de aproveitar o que é bom e veio de fora da Igreja – já foi pregado como sendo algo “brasileiro”, mais que católico, sob o título amalucado de “antropofagia”.

Ora, enquanto os Padres da Igreja eram devorados pelos leões por sua santa intransigência, eles pregavam o respeito à autoridade constituída. Enquanto São Bernardo de Claraval ia à Alemanha evitar o morticínio de judeus, ele pregava a necessidade de que fossem evangelizados. Isso é ser católico, isso é ser inteligente. Não podemos nem ser “do contra” incondicionalmente, jogando o bebê fora junto com a água do banho (como expressa a horrenda imagem dos saxões) nem deixar de cumprir o nosso dever de lutar contra o que é errado.

Em um momento histórico como o nosso, em que a regra é que é proibido proibir, é importante, sim, lembrar que há coisas erradas que devm ser combatidas. É importante apontar um dedo gordo para o mal (sem jamais nos esquecer que ao mesmo tempo apontamos três para nós mesmos, o que nos ajuda a manter a sobriedade) e chamar o lobo de lobo e o preto de preto.

É bem verdade que a técnica da TFP pode sair pela culatra: ela pode atrair mais gente para ver a blasfêmia em questão, pode ser – como pouco caridosamente foi apontado por alguns – ser vista como uma versão pós-moderna da melancia pendurada no pescoço… Mas ela não é má por ser contra algo que é errado. Ela pode ser uma péssima técnica (não estou entrando no argumento, meu ponto é outro), mas é importante dar-se conta de que ela não é má por ser contra algo que é mau. Isso a faz boa e necessária para balançar o relativismo, ainda que (concedo para não cairmos em uma outra discussão) possa ser equivocada em seus meios e até contra-producente.

As fotos dos congressos católicos universitários, com aquela meninada alegre, feliz, nos enchem o coração de alegria. É contudo necessário manter sempre em mente que – ao contrário do que é crido por tantos e tantos jovens e expresso, sim, em muitas versões da liturgia da RCC – estar contente não é a religião, nem a ausência de conflitos é a paz. Corremos o sério risco de termos em breve uma ditadura perseguindo a Igreja e calando pela força as vozes que se levantam contra o erro. Corremos o sério risco de termos em breve “clínicas” de aborto gratuito e liberado, assassinando todos os bebês que estavam na barriga das belas grávidas de branco da propaganda do candidato abortista.

Neste momento é a TFP que – ainda que carrancuda demais para seu gosto, ainda que algo fora de sintonia em sua apresentação – estará expressando heroicamente a sua Fé. Não podemos nos esquecer disso, nem deixar que a juventude caia no falso irenismo que contagia nossa sociedade. Nem tudo são sorrisos, nem tudo são carrancas.

Eu gostaria muito de ver uma bela gargalhada sacudindo a farta pança de nosso caro amigo tefepista, com nós três gordinhos sentados para conversar estratégias à luz de uma cerveja estupidamente gelada. Gostaria porém de ver por vezes um ar de determinação e um sobrolho franzido também nas caras jovens daquela alegre meninada da Secretaria Fulano ou Beltrano. Boa intenção não falta em nenhuma das partes, mas por vezes falta a moderação que impede a carranca perpétua e o ar de bobo-alegre.

Tive anteontem um excelente exemplo de duas posturas aceitáveis e conciliáveis, ambas necessárias e ambas com seus riscos. O Viva-Rio, aquela corja de comunistas, estava procurando monitores para apresentar aulinhas em vídeo. Eles foram à Faculdade de Filosofia, achando que encontrariam um monte de comunistas radicais. Enganaram-se. A Faculdade de Filosofia da UCP não forma comunistas. Dentre os alunos, um aceitou o trabalho (R$450 reais por mês, e ele é músico…). Foi ao Rio para uma formação e voltou horrorizado com a incoerência, falta de lógica e agressividade dos comunistas (que não aceitaram que ele dissesse que a fome pode prejudicar o aprendizado, pois “um trabalhador oprimido que passou fome é agora o Presidente da República” – e tome palmas de pé). Outro respondeu, curto e grosso: “Viva-Rio? Não, obrigado, não trabalho para comunistas”.

Ambos estão certos, mas ambos correm riscos. O primeiro corre o seriíssimo risco de ser tentado a mentir e afirmar-se pró-comunismo para manter seu trabalho, na esperança de fazer uma diferença. Hitler começou como enfiltrado da polícia em um partido comunista; gostou tanto da coisa que virou presidente do partido, até sair dele por achar os comunistas pouco radicais. Fundou o partido nacional-socialista e deu no que deu…

O outro corre o risco de acabr ostracizado sem poder fazer diferença alguma.

O que devemos lembrar é que ambos devem procurar, de uma forma ou outra, fazer diferença, agir, ajudar a re-cristianizar a sociedade. Para isso é necessário tanto a determinação e a ira santa quanto a alegria e a busca da afirmação positiva da Verdade.

Peço, assim, que tenhamos cuidado para não fazer no “não ser do contra” um valor em si, nem da ação um imperativo categórico independente de suas conseqüências.

Sejamos católicos, não calvinistas.

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