Seriam os deuterocanônicos livros inspirados?

INTRODUÇÃO

Todos os que já se acostumara a ler os textos que os protestantes chamam de “apologéticos” (embora não se trate de verdadeira apologia, dado o subjetivismo quase que absoluto em suas argumentações) terão tido, freqüentemente, a sensação de déjà vu. Um argumento citado pelo protestante “A” soa incrivelmente parecido com um outro usado pelo protestante “B”. As mesmas citações bíblicas, as mesmas palavras, os mesmos erros de português… Na verdade, os protestantes, em seus “debates” vivem colando textos que viram em outros lugares, sem fazer qualquer menção de fonte e sem dar qualquer crédito ao devido autor. As multiplicações dos textos são tão constantes que, ao final das contas, não se sabe quem foi o autor original de determinado argumento.

Digo isto porque, neste texto, pretendo analisar alguns argumentos muito comuns que os protestantes usam para refutar a inspiração divina dos livros deuterocanônicos. Já os vi em muitíssimos textos e, sinceramente, não sei quem seria o “pai da criança”. O leitor, possivelmente, já os terá visto mais de uma vez em diversos sites heréticos.

Não pretendo, aqui, analisar todos os argumentos levantados pelos protestantes, mas apenas, dentre os mais comuns, aqueles que não têm sido rebatidos pela maior parte dos apologistas católicos.

II – OS “ARGUMENTOS” PROTESTANTES

O problema dos deuterocanônicos é bem conhecido. Existe uma série de livros do Antigo Testamento que os protestantes não aceitam como fazendo parte da Bíblia sagrada. Vamos analisar os argumentos mais usados, mas, antes, preliminarmente, colocaremos uma questão: existe, na Bíblia, algum catálogo de livros inspirados?

A resposta a esta pergunta é negativa. A Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse, não traz qualquer série de livros inspirados. A definição dos livros bíblicos requer, inexoravelmete, uma fonte extra-bíblica. Este é um ponto incontornável para os protestantes que, para não enfrentarem este problema, criam um sem número de subterfúgios. Trazem listas antigas, afirmam que a inspiração dos livros é patente (êta, subjetivismo arretado!), etc..

O fato, contudo, é que todo protestante acredita (faz parte da sua fé) que os livros que compõe a sua Bíblia são inspirados e que todos os demais não o são. É ponto de fé basilar do protestantismo. Só que este ponto de fé não está na Bíblia. Uma das crenças centrais do protestantismo (da qual procede todas as demais) não está, implícita ou explicitamente, estabelecida no Livro que eles têm como sendo a única fonte de sua fé!!!

Isto, por si só, faz de todo o protestantismo um enorme absurdo. Isto, por si só, torna qualquer discussão sobre os deuterocanônicos irrelevante.

Mas, sejamos bondosos. Passemos por cima deste obstáculo (que lhes é absolutamente invencível) para analisarmos os outros “argumentos” usados para rejeitar os deuterocanônicos. Assim, o leitor terá uma idéia ainda mais ampla do absoluto despropósito de tudo o que nasceu da árvore podre de Lutero.

Argumento protestante nº 1: O Concílio judeu de Jamnia descartou os deuterocanônicos como sendo de inspiração divina.

Talvez o leitor menos acostumado com a questão não saiba, exatamente, o que foi este Concílio, pelo que o explicaremos rapidamente. Por volta do ano 100 da nossa era, os líderes religiosos judeus se reuniram para definir qual seria o Cânon de suas próprias escrituras. Estavam, particularmente, interessados em barrar o avanço do cristianismo entre os judeus da diáspora e, por isto, estabeleceram algumas regras que, na prática, excluíram, não apenas os deuterocanônicos, mas todos os escritos cristãos.

É óbvio que o bom senso nos indica que uma decisão de líderes judaicos, tomada em plena era apostólica, não tem qualquer poder de vinculação com relação à Igreja, já constituída por Deus como a nova guardião e depositária da fé. Em outras palavras: o que os judeus de Jâmnia disseram sobre o Cânon não tem qualquer importância.

Os protestantes costumam a usar um texto bíblico para tentar sustentar esta tese esdrúxula (que, adotada de forma coerente levaria à rejeição de todo o Novo Testamento). Trata-se do texto de Rm 3, 2 que diz serem os judeus os “portadores dos oráculos de Deus”.

A utilização deste trecho é bastante curiosa. São Paulo afirma que os judeus eram “guardiães dos oráculos”. Ocorre que a divisão das Escrituras entre Antigo e Novo Testamento é, apenas, uma divisão didática, assim como didática é a divisão dos livros em capítulos e versículos. As Escrituras formam um todo orgânico. Não há qualquer sentido em se afirmar que aos judeus foi confiado o Antigo Testamento e, aos cristãos, o Novo. Se os judeus são os guardiões das escrituras (ou dos oráculos), e se esta premissa serve de argumento para excluirmos os deuterocanônicos, então, logicamente, devemos rejeitar todos os livros do Novo Testamento, visto que estes “guardiões” não os aceitaram como escritura inspirada.

Mais curiosamente ainda, quando defendem o “sola scriptura”, ao citarem 2 Tm 3, 15-17, os protestantes entendem o termo “escritura” de forma totalmente diversa. Vejamos:

“Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que podem instruir-te para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Pois toda Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e capacitado para toda boa obra.”

Aqui, “escritura” abrange tanto o Antigo como o Novo Testamento (não fosse assim, eles seriam obrigados a crer que apenas os livros do Antigo Testamento eram bons para ensinar, repreender, corrigir e educar). Por que em Rm 3,2 “escritura” refere-se apenas ao Antigo Testamento, enquanto que em 2Tm 3, 15-17 refere-se à Bíblia como um todo?

Mistérios protestantes…

Mas podemos resolver este mistério. Tal é assim porque o texto de Romanos, entendido segundo o subjetivismo protestante é útil para que se afastem os deuterocanônicos; por sua vez, esta mesma exegese, sendo-lhes inútil em 2 Tm, 15-17, é solenemente deixada de lado.

Assim caminham os protestantes. Na verdade, a sua única fonte de fé é a sua própria cabeça. Usam a Bíblia apenas para justificarem suas crenças, e, nisto, não se dão conta das incoerências e contradições que caem.

Como entender, então, o texto de Rm 3,2? De fato, o povo de Israel era o depositário da verdade até que Deus suscitou um novo Israel (a Igreja) e a ele deu esta missão. Por isto, enquanto Nação, os Judeus têm vantagem sobre os demais povos (disto é que falava São Paulo neste trecho), visto que, com eles, Deus havia feito uma aliança. Os judeus precedem os gregos na predileção divina. Mas, em relação à Igreja, aos batizados, estão em desvantagem, visto que a aliança que Deus fez conosco é superior à feita com eles.

Basta ler. Sem subjetivismos ou incoerências.

Argumento protestante nº 2: O cânon bíblico se encerrou com Malaquias.

Embora, normalmente, os protestantes afirmem que “o cânon bíblico se encerrou com Malaquias”, os mesmos aceitam, como inspirados, uma série de livros que se escreveram depois de Malaquias, quais sejam, todos os livros do Novo Testamento. Assim, o que eles gostariam de dizer (embora não o digam) é que o cânon do Antigo Testamento (e não da Bíblia) se encerrara com Malaquias. Passarei, então, a responder o que eles gostariam de argumentar, ao invés de responder o que, de fato, argumentam.

Os protestantes que usam este argumento (e a maioria o faz) têm a crença de que, no período que vai da morte de Malaquias ao nascimento de João Batista, o profetismo havia abandonado Israel. É neste período que foram escritos os deuterocanônicos. Concluem, portanto, que os mesmos não poderiam ser inspirados.

Pergunto: em que versículo bíblico está escrito que o profetismo cessou com Malaquias? Ora, se este é um ponto de fé dos adeptos da sola scriptura, então, coerentemente, é necessário que o mesmo esteja implícita ou explicitamente estabelecido na Bíblia. No entanto, não está. E, no entanto, os “solascripturistas” crêem nele. Os protestantes, de um lado, querem que os católicos creiam no “sola scriptura”, ao mesmo tempo em que os querem crendo num ponto de fé alheio às escrituras. Incoerências protestantes…

É bastante sintomático o fato de que, para defender o devaneio desta afirmação, os protestantes socorrem-se de fontes extra-bíblicas. Citam a literatura rabínica, citam Flávio Josefo, citam os Manuscritos do Mar Morto, e, (pasmen!) citam, um tanto fora de contexto, os próprios deuterocanônicos (para eles, fonte extra-bíblica). Mas não citam sequer um único versículo por eles considerados como bíblico!

Isto, por si só, desmonta este argumento. Mas novamente, serei bondoso. Continuarei analisando este despautério apenas para demonstrar, mais profundamente, a sua absoluta inconsistência.

Vamos supor, então (embora nada nos obrigue a isto), que não houve profetismo no período em que foram escritos os deuterocanônicos.

O argumento baseia-se numa profunda ignorância do que foi o profetismo em Israel. Um profeta não era alguém chamado por Deus para escrever livros inspirados ou para estabelecer doutrinas. Tanto o é que João Batista não escreveu uma linha sequer, embora todos reconheçam, nele, o autêntico profetismo judeu. Um profeta era um canal de comunicação entre Deus e o seu povo. Geralmente, cabia ao mesmo chamar o povo de Israel de volta à observância da Aliança estabelecida, denunciando seu pecado e alertando-o das conseqüências dos mesmos. Geralmente, inclusive, os livros proféticos não foram escritos pelos profetas, mas por seus discípulos.

A inspiração ou não de um livro sagrado não está, portanto, vinculada à condição de profeta do seu autor. Um profeta pode escrever um livro não inspirado; um não-profeta, pode escrever um livro movido pela inspiração divina.

Argumento encerrado. Passemos à próxima pérola protestante.

Argumento protestante nº 3: os apócrifos não são inspirados porque apresentam várias heresias.

Segundo os protestantes, um livro que apresenta heresias e doutrinas anti-bíblicas não pode ser inspirado. Um livro bíblico, segundo eles, não pode conter doutrinas anti-bíblicas.

A falha lógica neste argumento é patente. Ora, se concluirmos que os deuterocanônicos são inspirados, as doutrinas “heréticas” que os mesmos contém seriam, então, inspiradas, e os verdadeiros hereges seriam aqueles que não as aceitam. Portanto, a afirmação de que os deuterocanônicos estão repletos de heresias já pressupõe a não-inspiração dos mesmos e, assim, não serve de argumento para provar a sua não-inspiração.

Tomou-se por provado o que se pretendeu provar.

A estrutura lógica deste sofisma é a seguinte:

Premissa maior: Um livro inspirado não contém heresias.

Premissa menor: Os deuterocanônicos contém heresias.

Conclusão: Os deuterocanônicos não são inspirados.

O leitor, facilmente, pode perceber que, para que a premissa menor seja válida, a conclusão já está pressuposta. Estamos diante de um sofisma, de um não-argumento. Novamente, isto já bastaria para que fossem afastados todos os demais argumentos procedentes desta ilogicidade. Afinal, provada a inspiração dos deuterocanônicos, todas as suas doutrinas são inspiradas. Gostem delas os protestantes ou não.

No entanto, bondosos que estamos neste dia, passemos à análise de quais seriam estas “heresias”.

1ª “HERESIA”: Os deuterocanônicos ensinam a justificação pelas obras.

Para justificar esta afirmação, os protestantes citam os seguintes trechos:

“Tira de teus bens para dar esmola. Que teu olho não te inveje, quando deres esmola. Não desvies tua face de nenhum pobre, e assim não se desviará de ti a face de Deus. Age de acordo com tuas posses. Se tiveres em abundância, dá esmola em proporção a teus bens. Se tiveres pouco, não tenhas receio de tirar deste pouco. Assim acumulas em teu favor um precioso tesouro para o dia da necessidade. A esmola preserva da morte e não deixa entrar nas trevas. Para todos os que a praticam diante do Altíssimo, a esmola é oferenda de grande valor.” (Tb 4, 7-11)

“É valiosa a oração com a verdade; e a esmola com a justiça vale mais que a riqueza com a injustiça. Mais vale dar esmolas que entesourar ouro.” (Tb 12,8)

“A água extingue o fogo flamejante, e assim a esmola expia os pecados. Quem retribui os favores será recordado um dia; e, no momento da queda, encontrará apoio.” (Eclo 3, 30,31)

O leitor, desde logo, pode perceber como é notável a cegueira protestante. Primeiramente, estes trechos não ensinam a “justificação pelas obras”, mas ensinam-nos a respeito dos méritos das mesmas. As boas obras não são capazes de nos salvar, mas são retribuídas pelo Pai, juiz incorruptível. Eis o que ensinam estes trechos; eis, de resto, o que ensina o cristianismo autêntico e verdadeiro desde o princípio.

Bem, se eles forem coerentes, devem taxar de herético outros livros, pois ensinam a mesma doutrina. Curiosamente, no entanto, os protestantes os têm como inspirados. Vejamos alguns exemplos.

 

“Darás a cada um conforme as sua obras, que conheces que ele tem no seu coração, pois que só tu conheces os corações dos filhos dos homens.” (2 Cr 6, 30).

 

“Se tu disseres: As forças não me ajudam, o mesmo que é inspetor do coração o conhece e ao guardador da tua alma nada se esconde e Ele retribuirá ao homem segundo as sua obras.” (Pr 24,12).”

“Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles, doutra sorte não sereis remunerados pelo vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem honrados pelos homens.” (Mt 6,1-2)

 

“Entesouras para ti ira no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus que há de retribuir a cada um segundo as suas obras: com a vida eterna por certo aos que, perseverando em fazer obras boas, buscam glória e honra e imortalidade; mas com ira e indignação aos que são de contenda e que não se rendem à verdade, mas que obedecem à injustiça.” (Rm 2, 5-8)

Já chega! Poderíamos continuar com, literalmente, dezenas e dezenas de citações que expõem a mesma doutrina. Tanto no Velho como no Novo Testamento. Não há livro na Bíblia que, explícita ou implicitamente, não ensine que Deus premia as boas obras e castiga as más.

Se os protestantes estivessem corretos, toda a Bíblia seria herética. Como estão errados, hereges são eles.

2ª “HERESIA”: Os deuterocanônicos ensinam a mediação dos santos. Citam, para prová-lo, os seguintes trechos:

“Quando tu e Sara fazíeis oração, eu apresentava o memorial de vossa prece diante da glória do Senhor; e fazia o mesmo quando tu, Tobit, enterravas os mortos.” (Tb 12,12)

“Tomando a palavra, disse Onias: ?Este é o amigo de seus irmãos, aquele que muito ora pelo povo e pela Cidade Santa. É Jeremias, o profeta de Deus?.” (2Mc 15,14)

“Senhor Onipotente, Deus de Israel, ouve a súplica dos mortos de Israel, dos filhos daqueles que pecaram contra ti, que não ouviram a voz do Senhor seu Deus: por isso vieram sobre nós estas calamidades.” (Br 3,4)

 

Bom, se os protestantes que usam deste argumento forem coerentes (e adianto que a imensa maioria deles não será), devem tirar de sua Bíblia, igualmente, o Evangelho de São Lucas e o Apocalipse. No primeiro, vemos que o rico Epulão, já morto, intercedeu por seus irmãos (Lc 16, 19-31). Sua oração não foi atendida, não pelo fato de que os mortos não intercedem, mas porque a intercessão deste falecido, em particular, não encontrou ouvidos diante de Deus. Alguns trechos do Apocalipse são ainda mais explícitos. Vejamos (os grifos são meus):

“Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar, com vida, os que tinham sido degolados por causa da palavra de Deus e do testemunho que guardavam. Clamavam a grandes vozes, dizendo: “Até quando, Senhor, santo e verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar nosso sangue contra os habitantes da terra?” Foi então dada a cada um uma túnica branca e lhes foi dito que ficassem calados ainda um pouco de tempo até que se completasse o número de seus companheiros e de seus irmãos que também haviam de ser mortos como eles.” (Ap 6, 9-11)

“E vi os sete anjos, que estão de pé diante de Deus. Foram-lhes dadas sete trombetas. Chegou outro anjo e se pôs em pé junto do altar com um turíbulo de ouro. Foram-lhe dados muitos perfumes para oferecê-los com as orações de todos os santos no altar de ouro que está diante do trono. 4 A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos para a presença de Deus.” (Ap 8, 2-6)

No primeiro trecho, os degolados (que, salvo melhor juízo, estavam mortos…) clamam a Deus. No último, em especial, surge um ser levando as orações dos santos (cristãos) até a presença de Deus. Há, aqui, um ser intermediando os cristãos e o Pai. E (bingo!!!) este ser não é Jesus Cristo, mas um mero anjo. E agora? Como fica a tese protestante de que há, apenas, um mediador entre Deus e os homens?

Esperemos que os protestantes anatematizem, também, este livrinho herético chamado de Apocalipse…

Apenas para nos exercitarmos, vejamos também um trecho do Antigo Testamento:

“E o Senhor me disse: ainda que Moisés e Samuel se apresentassem diante de mim, o meu coração não se voltaria para esse povo” (Jr 15,1).

Ora, Moisés e Samuel já estavam mortos há alguns séculos. Deus, com todas as letras, afirma que a oração dos mesmos tem um enorme valor diante de Si. Mas o pecado do povo era tão abominável que ainda não atenderia mesmo orações tão poderosas. Só não vê quem não quer…

3ª “HERESIA”: Os deuterocanônicos ensinam o culto e o sacrifício pelos mortos. Para prová-lo, citam o seguinte trecho (os grifos são meus):

“O nobre Judas exortou o povo a conservar-se isento de pecado, pois tinham visto com os próprios olhos o que acontecera por causa do pecado dos que haviam tombado. Depois, tendo organizado uma coleta entre os soldados, mandou a Jerusalém cerca de duas mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício expiatório. Ação muito justa e nobre, inspirada no pensamento da ressurreição! Pois, se não esperasse que os soldados caídos haviam de ressuscitar, teria sido supérfluo e insensato orar pelos mortos. Considerando ele, porém, que belíssima recompensa está reservada aos que morrem piedosamente, seu pensamento foi santo e piedoso. Eis por que mandou oferecer aquele sacrifício pelos mortos, para que ficassem livres do seu pecado.” (2Mc 12, 43-45)

 

Os protestantes não aceitam nem a intercessão pelos mortos, nem o fato de que, em favor de suas almas, se ofereçam sacrifícios e orações.

O cristianismo primitivo, porém, já cultuava os seus mortos. A crença de que os cristãos (seja em militância, seja em padecimento, seja, por fim, na glória) intercediam uns pelos outros em suas orações sempre foi aceita. As fontes patrísticas o atestam. Mas vejamos textos que os protestantes aceitam para prová-lo. Citemos um do Antigo e um outro do Novo Testamentos. Primeiramente, do Antigo:

“Terminados os dias de festa, Jó os mandava chamar para purificá-los; de manhã cedo ele oferecia um holocausto por cada um, pois dizia: “Talvez meus filhos tenham cometido pecado, maldizendo a Deus em seu coração”. Assim costumava Jó fazer todas as vezes.” (Jó 1,5)

Ora, se Jó podia interceder e fazer sacrifícios pelos seus filhos, por que razão os sacrifícios e orações da Igreja (esposa predileta do Pai) em favor de seus filhos não teria qualquer valor? Seria Jó mais valioso aos olhos de Deus do que aquela por cuja redenção Ele ofereceu Seu próprio filho? De qualquer forma, temos um trecho bíblico em que se oferecem sacrifícios. Que os protestantes se virem com o mesmo.

Vejamos, agora, um do Novo Testamento:

“De outra maneira, o que pretendem aqueles que se batizam em favor dos mortos? Se os mortos realmente não ressuscitam, por que se batizam por eles?” ( 1 Co 15, 29)

Existia, portanto, um batismo em favor dos mortos. Um verdadeiro culto cristão, expresso na Bíblia (para que todo protestante possa ler) que demonstra como os primeiros cristãos honravam os seus mortos e sentiam-se em comunhão com eles.

Eis aí. Demos um exemplo de sacrifício do qual se conclui válido aquele praticado em favor dos mortos. Demos, também, um outro de culto explícito aos mortos. Mais dois livros que os protestantes devem tirar de suas Bíblias.

Argumento protestante nº 4: Os deuterocanônicos estão repletos de estórias absurdas e fictícias.

Para provar que as “inúmeras” estórias absurdas, citam, geralmente, o seguinte trecho:

“Partiu, pois, Tobias em companhia do anjo. Também o cão saiu e os seguia. Foram caminhando juntos, até que chegou a primeira noite. Acamparam às margens do rio Tigre. O moço desceu para lavar os pés no rio. Um enorme peixe, saltando de dentro d?água, tentou devorar-lhe o pé. Ao grito do companheiro, o anjo lhe disse: “Agarra o peixe e segura-o!”O jovem segurou o peixe e o arrastou para a terra.” (Tb 6, 1-4)

Este argumento é um dos mais difíceis de engolir. A classificação do que seria uma “estória absurda” depende, apenas, do subjetivismo do leitor. A estória narrada acima é absurda? Então, o que dizer de uma serpente falante (Gn 3, 1-5)? E o que dizer de uma jumenta falante (Nm 22, 22 ss)? Que tal a estória de um homem que passou três dias dentro das entranhas de um peixe, sendo, posteriormente, vomitado pelo mesmo em terra firme. E com vida (Jn 2)? Ou um homem que caminha sobre as águas, que tem uma espada afiada saindo pela boca, ou homens casando-se com anjos, etc, etc, etc? Perto destas estórias, a narrada em Tobias é bastante verossímel

A Bíblia é cheia de estórias que, a princípio, poderiam ser classificadas como absurdas ou lendárias. Por que razão o protestante rejeita o livro de Tobias baseado no trecho acima e, mesmo assim, aceita, por exemplo, o livro de Jonas sem maiores problemas? Eu mesmo respondo: porque lhe é conveniente! Pura e simplesmente por isto. É conveniente aceitar o livro de Jonas porque o mesmo é uma parábola da ressurreição de Cristo. É conveniente rejeitar o de Tobias porque o mesmo é uma das mais solenes negação das doutrinas protestantes que se tem notícia.

Qualquer outra razão não passa de balela.

Queremos, entre as “estórias absurdas” apontadas pelos protestantes, dar um certo destaque à do “anjo mentiroso”. Atente-se para o seguinte trecho, no qual consta um diálogo entre Tobit e o arcanjo São Rafael:

“Tobit perguntou-lhe: “De que família és, irmão, e de que tribo? Indica-me isto, meu irmão”. Respondeu-lhe: “Que necessidade tens de conhecer minha tribo?” Insistiu Tobit: “Gostaria, irmão, de saber com segurança de quem és filho e qual o teu nome”. Respondeu-lhe o anjo: “Sou Azarias, filho do grande Ananias, um de teus irmãos”. Disse-lhe Tobit: “Sê bem-vindo, irmão! E não me leves a mal, por ter querido conhecer a verdade a respeito de tua família. És realmente um irmão, membro de nobre e distinta família. Conheci Ananias e Natã, os dois filhos do grande Semeías: eles iam juntos comigo a Jerusalém, lá prestavam culto comigo e não se desviaram do caminho reto. Teus irmãos são homens de bem. És de boa estirpe. Sê bem-vindo!”(Tb 5,11-14)

Segundo os protestantes, um anjo não pode mentir, pois isto seria contrário à sua natureza. Assim, este livro ensina uma mentira e, portanto, não pode ser inspirado.

Bom, se assim for, que dizer de diversos trechos bíblicos que afirmam que “Deus se arrependeu”(como, por exemplo, em Gn 6,6)? Ora, arrepender-se está tão distante da natureza de Deus quanto mentir está da dos anjos. E, no entanto, os protestantes aceitam estes livros como inspirados. Que dizer, ainda, de um anjo que entra em luta corporal com um homem, sendo, inclusive, dominado por ele?

Mas basta de cobrar coerências dos protestantes. Desejar que um protestante seja coerente é como esperar que Deus se arrependa ou que um anjo falte com a verdade. A coerência está longe da natureza do protestantismo…

E, en passant, o anjo não foi mentiroso, pois não visava enganar ou manter no engano a Tobit e sua família. Apenas que a revelação, naquele momento, de sua identidade poria a perder o plano de Deus para os mesmos. A revelação veio no momento oportuno, quando, então, eles já a poderiam suportar. O demônio mentiu para Eva, fazendo-a pecar. São Rafael apenas fez com que Tobit e sua família cumprissem a vontade de Deus.

Afirmar que São Rafael mentiu, equivale a afirmar que Deus mentira a Abraão quando lhe disse ser “o mais poderoso dos deuses”. Na verdade, Yahweh era único Deus. Tal revelação, contudo, seria insuportável para o velho Abraão. No tempo oportuno, Deus se revelou, para os descendentes de Abraão, como sendo o único Deus existente.

Os pensamentos de Deus estão muito acima dos nossos…

Argumento protestante nº 5: Os deuterocanônicos ensinam a feitiçaria. Citam o seguinte trecho:

“Depois de abrir o peixe, o jovem recolheu o fel, o coração e o fígado. Assou parte do peixe e comeu. Deixou outra parte para salgar. Ambos continuaram juntos a viagem, até chegarem perto da Média. Dirigiu-se, então, o jovem ao anjo e perguntou: “Azarias, meu irmão, que virtude medicinal há no coração, no fígado e no fel do peixe?” Respondeu-lhe: “O coração e o fígado do peixe, podes queimá-los diante de um homem ou de uma mulher que estejam sendo atacados por algum demônio ou espírito mau. O ataque cessará e os demônios os deixarão para sempre. Quanto ao fel, deves ungir com ele os olhos de uma pessoa atingida por leucomas. Soprando-se, depois, sobre os leucomas, a pessoa ficará curada”. (Tb 6, 5-9)

Se o uso de partes de um peixe para curar pessoas ou afugentar demônios é exemplo de feitiçaria (suficiente para provar a não-inspiração do livro de Tobias), pode-se perguntar o que nossos queridos protestantes acham acerca de saliva misturada com terra curando cegueira, ou de uma serpente de bronze que, só de olhar para a mesma, livra qualquer um da morte por envenenamento de cobras. Ambos os casos estão escritos em livros que os protestantes têm por canônicos sem os rejeitar.

Novamente, icoerências protestantes…

Talvez, os protestantes dirão que estamos apelando. Dirão que a serpente era símbolo de Cristo crucificado; dirão que a saliva é símbolo do Evangelho de Jesus Cristo. Ou seja, interpretarão estes trechos como sendo alegorias de verdades eternas.

Para interpretar Tobias, no entanto, somente aceitam a interpretação literal. Se já não estivéssemos acostumados às incoerências protestantes, talvez achássemos isto absurdo.

O trecho de Tobias é um belíssimo sinal do poder de Cristo. O primeiro símbolo de Jesus Cristo era um peixe e, por metonímia, o peixe era o símbolo de todo o cristianismo. O coração do peixe é símbolo do Amor salvífico de Cristo; as brasas na qual o mesmo é queimado é símbolo do Espírito Santo; as fumaça que afugenta o demônio é símbolo da intercessão do Novo e Eterno Sumo-sacerdote que, tendo nos amado até o fim, apresenta, diante do Pai diariamente o Seu sacrifício por nós. O fel é símbolo do Evangelho que, amargo, livra-nos da cegueira do pecado.

Não há qualquer feitiçaria nisto tudo.

Argumento protestante nº 6: Os deuterocanônicos ensinam atitudes anti-cristãs como: vingança, crueldade, egoísmo.

Novamente, livros com atitudes “anti-cristãs” é o que não falta na Bíblia. Os Livro de Josué e de Juízes são um poço de atitudes de selvageria e crueldade. Em Gênese, temos situações bastantes constrangedoras, como a mentira de Abraão (que, para salvar a sua pele, arriscou a honra de sua esposa), ou a desonestidade de Jacó (premiada com uma benção), ou o incesto das filhas de Lot, etc..

Precisamos falar mais alguma coisa?

Argumento Protestante nº 7: Os deuterocanônicos possuem erros históricos e geográficos. Sendo a Bíblia inerrante (segundo os protestantes), um livro com erros históricos e geográficos não pode fazer parte da Bíblia.

Obviamente, isto não faz qualquer sentido para um católico. Em primeiro lugar, a Bíblia não é nem inerrante nem “errante”. A Bíblia não erra nem acerta; erram e acertam os homens ao interpretá-la. Além disto, a Bíblia não é um compendio de história e/ou geografia. Através dela, ecoa a da Igreja, e não a ciência dos homens. Erros de história e geografia não determinam nem excluem a inspiração de um texto bíblico.

É necessário que se tenha em vista que Deus usa dos autores sagrados para revelar Suas verdades eternas. Mas o escritor é um homem, com seu estilo, suas palavras e suas limitações. Portanto, com seus erros.

Poderíamos citar vários erros históricos e geográficos existentes nos livros bíblicos que os protestantes têm por inspirados (cf. 1 Re 6,1, que fixaria a data da saída do Egito alguns séculos posterormente ao ocorrido). Mas não o farei. Prefiro enveredar esta discussão por outros caminhos.

Pergunto: por que razão erros de história e geografia excluiriam livros da Bíblia, e erros de geologia e astronomia não? Ora, à “Bíblia inerrante em ciência” dos protestantes são permitidos erros de todas as outras ciências, menos de história e geografia? Sim, pois esta “Bíblia inerrante em ciências” afirma que o Sol gira em torno da Terra, que existem camadas de Água acima do firmamento, que a luz foi criada depois da matéria; que o Sol e as estrelas foram criados depois da Terra; que as plantas surgiram antes dos animais aquáticos, etc, etc, etc. E mais vários “etcs”. Tudo isto está em desacordo com as ciências humanas. E, no entanto, por uma razão quase esotérica, isto não é capaz de abalar a “inerrância bíblico-científica” dos protestantes. Apenas erros de história e geografia é que o podem fazer.

III – CONCLUSÃO

Com isto, terminamos. Como dissemos acima, existem, ainda, outros “argumentos” que não foram analisados. Este texto já ficou muito longo e, ampliá-lo ainda mais desencorajaria os leitores. No entanto, os “argumentos” deixados de lado são mais comumentemente rebatidos pela apologética nacional.

É óbvio que o leitor já percebeu a enorme sandice dos argumentos lançados pelos protestantes. Pelo menos, o leitor católico já o fez. Talvez o leitor protestante ainda esteja lutando para não enxergar o óbvio. Acostumou-se a confiar no fato de existirem razões objetivas para rejeitar os deuterocanônicos.

Que, então, seja grande luta! E que, ao final, vença a verdade.

Que vença Aquele que é a Verdade, vindo ao mundo através de Sua Mãe Santíssima.

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