Carta Encíclica
SERTUM LAETITIAE
sobre o 150° aniversário da constituição da hierarquia eclesiástica nos Estados Unidos da América.
INTRODUÇÃO
1. Desejosos de tornar mais radiosa a coroa de santa alegria, atravessamos em espírito os mares vastíssimos e nos apresentamos diante de vós, que, em companhia de vossos fiéis, festivamente celebrais o centésimo qüinquagésimo aniversário da constituição da hierarquia eclesiástica nos Estados Unidos da América. De boa mente o fazemos, porquanto, já nos primórdios do nosso Pontificado, nos é dada ocasião tão grata quão solene, de manifestar publicamente a estima e solicitude que consagramos ao ilustre povo americano, vigoroso de mocidade. Perlustrando os anais da vossa história e considerando as causas profundas dos acontecimentos, é fácil verificar como, para a glória e prosperidade de que hoje goza a vossa pátria, contribuiu não pouco o triunfante desenvolvimento da divina religião, que, oriunda do céu, para conduzir mediante seus preceitos e leis os homens à eterna beatitude, ainda à vida terrena tais benefícios traz, que maiores não fora possível se unicamente se destinasse a proporcionar felicidade aos humanos, no tempo de sua breve vida mortal. Apraz-nos recordar fatos notórios. Quando Pio VI deu a vossos compatriotas o primeiro bispo, na pessoa do cidadão americano João Carroll, indicando-o para a sede de Baltimore, tão pequeno e exíguo era o número dos católicos, e, ao mesmo tempo, tão precárias as condições dos Estados Unidos, que a sua própria unidade política e integridade se viam ameaçadas, porquanto, devido a longa e dura guerra, o erário público estava oprimido de dívidas, enlanguesciam as indústrias, e os cidadãos, exasperados pelas calamidades, dividiam-se em partidos contrários a circunstâncias tão aflitivas e até ruinosas, trouxe remédio o célebre Jorge Washington, ilustre pela firmeza de caráter e pela sagacidade da inteligência. Sólida amizade o ligava ao mencionado bispo de Baltimore. Destarte, nessa terra dileta, o Pai da pátria e o primeiro sagrado pastor da Igreja, unidos por laços de amizade e como que de mãos dadas, para exemplo perpétuo dos que viriam depois e ensinamento para épocas futuras, significavam ao povo americano que devia guardar como coisa santa e sagrada o respeito à fé cristã, que, fundamento e tutela dos supremos princípios éticos, é a salvaguarda do bem público e do verdadeiro progresso.
2. Muitas foram as causas que proporcionaram à Igreja católica prosperar e florir nas vossas regiões. Salientaremos uma, digna de atenção. Numerosos sacerdotes, que por força de perseguições para aí se dirigiram, levaram gratíssimos auxílios ao bispo Carroll, e com a sua colaboração ativa lançaram preciosos germes de onde cresceu farta messe de virtudes; alguns deles, ornados depois com a dignidade episcopal, ainda mais largamente mereceram da causa católica, pelo incremento do nome cristão. Assim, pois, como o testemunha a história, muitas vezes sucede que a tempestade das perseguições não extingue o fogo do apostolado, mas, ao contrário, o difunde mais largamente, quando ele se alimenta de fé não ilusória e de sincera caridade em corações generosos.
Atividades florescentes
3. Haviam transcorrido cem anos do acontecimento que agora vos enche de legítima alegria, quando Leão XIII, de feliz memória, com sua carta “Longínqua Oceani” relembrou o caminho aí percorrido pela Igreja, acrescentando exortaçães e diretivas, onde a benevolência ia de par com a sabedoria. O que o nosso augusto predecessor nessa época escreveu, tão egregiamente, é digno de perene consideração. Nestes últimos 50 anos, o progresso da Igreja entre vós não se deteve; antes estendeu vastamente sua influência e aumentou seus membros. Realmente, é florescente a vida que a graça do Espírito Santo alimenta no íntimo sacrário dos corações; numerosos acorrem os fiéis aos templos de Deus; é assiduamente freqüentada a mesa onde se recebe o Pão dos Anjos e o alimento dos fortes; com grande diligência se celebram os retiros fechados de santo Inácio. Muitos, dóceis à divina voz que os chama a ideais mais sublimes, abraçam o estado sacerdotal ou a vida religiosa. Hoje, nos Estados Unidos, há 19 províncias eclesiásticas, 115 dioceses, quase 200 seminários, inúmeras Igrejas, escolas primárias, institutos superiores, colégios, hospitais, asilos para os pobres, mosteiros. Com razão se admiram os estrangeiros do sistema de organização que rege as várias categorias de vossas escolas, mantidas com o auxílio generoso dos fiéis, vigiadas pelo cuidado perspicaz dos bispos – viveiros de falanges de cidadãos sábios e morigerados, respeitadores das leis divinas e humanas, justamente considerados colunas da Igreja e da Pátria, suas flores e sua legítima honra. Ademais, as obras missionárias, exemplarmente notáveis pela firmeza e operosidade, sobretudo a Obra Pontifícia da propagação da fé, pela oração, pelas esmolas e por outros auxílios diversos, ajudam os pregoeiros do evangelho que levam o vexilo da cruz salvadora às terras dos infiéis. Não podemos deixar escapar esta oportunidade de enaltecer, com nosso público testemunho, os trabalhos missionários próprios da nação americana, que com ativa diligência se consagram a difusão do nome católico. São notórios os seus títulos: “Catholic Church Extension Society”; sodalidade preclara e gloriosa pelas suas benemerências; “Catholic Near East Welfare Association”, que presta providenciais auxílios às muitas necessidades do Oriente; “Indian and Nigroes Mission”, associação aprovada pelo terceiro Concílio de Baltimore,(1) que confirmamos e recomendamos porque o pede exímia caridade para com os vossos concidadãos. Reconhecemos, com efeito, que sob a inspiração de Deus sentimos grande afeto para com os vossos patrícios negros, porquanto soubemos que têm necessidade de especiais cuidados e consolos para sua assistência espiritual e religiosa, cuidados e consolos que eles, aliás, merecem. Por essa razão, imploramos fartos auxílios celestes e salutares graças em favor dos que, tão generosamente, vêm cuidando deles. Vossos compatriotas ainda, para dar de modo oportuno graças a Deus pelo dom inestimável da fé íntegra e verdadeira, e desejosos de santos cometimentos, enviam fortes contingentes ao exército dos missionários; estes, suportando fadigas, com invicta paciência e com energia nas nobres iniciativas pelo reino de Cristo, acumulam méritos que a terra admira e que o céu há de retribuir com adequada coroa.
4. Nem menos força vital têm as obras que são de utilidade para os filhos da Igreja dentro dos confins da pátria: os ofícios diocesanos de caridade, organizados e governados com sábio critério, por meio dos párocos e com o concurso das famílias religiosas, levam aos pobres, aos necessitados, aos enfermos, os dons da misericórdia cristã e trazem lenitivo às misérias. No exercício deste ministério de tão grande importância, os filhos da fé, suaves e penetrantes, vêem a Cristo, benigníssimo Redentor, presente nos miseráveis e nos aflitos, seus místicos membros dolorosos. Entre as associações leigas – enumerá-las todas seria demasiado longo – conseguiram entre vós louros de glória verdadeira a Ação católica, as Congregações marianas, o Sodalício da doutrina cristã, jubilosos já de seus frutos e que prometem ainda mais farta messe no futuro, assim como a Associação do Santo Nome, excelente guia para promover o culto e a piedade cristã. À multíplice operosidade dos leigos, desenvolvida em vários setores, consoante a exigência dos tempos, preside o conselho denominado “National Catholic Welfare Con ference”, que proporciona a vosso ministério episcopal meios prontos e aptos. Pudemos ver as principais dessas instituições, pormenorizadamente, em outubro de 1936, quando empreendemos a viagem através do oceano e experimentamos a alegria de conhecer presencialmente a vós e o campo de vossas atividades. Inapagável e gratíssima há de permanecer sempre em nosso coração a lembrança de quanto admiramos com os nossos olhos.
5. E, pois, sobremaneira justo que, com sentimentos de adoração, convosco rendamos graças a Deus, por todos esses benefícios, e lhe elevemos o cântico de gratidão: “Louvai ao Senhor dos céus, porque a sua misericórdia permanece eternamente” (Sl 135, 26). O Senhor, cuja bondade não conhece limites, assim como encheu a vossa terra com a liberalidade dos seus dons, também concedeu às vossas Igrejas ardor construtivo e cumulou de frutos os seus esforçados trabalhos. Solvido o tributo devido do reconhecimento a Deus, de quem procede todo o bem, reconhecemos, diletíssimos, que esta fecundidade próspera, que hoje convosco admiramos, deve-se também ao espírito de iniciativa e à constante atividade dos pastores e fiéis; reconhecemos que se deve ainda a vosso clero, que, inclinado a trabalhar com decisão, obedece zelosamente a vossos mandatos; aos membros das Ordens e das Congregações que, ilustres por suas preclaras virtudes, se dedicam com emulação ao amanho da vinha do Senhor; às Religiosas inúmeras que, tantas vezes silenciosas e ignoradas dos homens, movidas por íntimo esto de caridade, se consagram com exemplar dedicação a causa do Evangelho – lírios no jardim de Cristo e motivo de suave complacência dos santos. Queremos, todavia, que o nosso louvor seja salutar. A consideração do bem já obtido não deve levar a inércia do ócio, nem produzir deleites de vã glória nos espíritos, mas acender novos ardores no combate contra o mal e solidificar com maior firmeza todas as obras salutares, úteis e dignas de louvor. O cristão que respeita a dignidade do seu nome, nunca deixa de ser apóstolo; o soldado de Cristo jamais há de sair do combate, de cuja participação somente a morte o pode arrancar. Bem conheceis onde deve ser mais atenta a vossa vigilância e que programa de ação traçar ao trabalho dos sacerdotes e fiéis, para que a religião de Cristo, removidos os óbices, senhoreie os espíritos, oriente os costumes, e, causa única da salvação, penetre os refolhos íntimos e as próprias veias da sociedade civil. Muito embora os progressos dos bens exteriores e materiais, os confortos melhores e mais copiosos que dele provêm para a vida, não se devam desprezar, não obstante, de modo algum são eles suficientes para o homem, nascido para coisas melhores e mais sublimes. Feito à imagem e semelhança de Deus, a Deus anela por inelutável impulso da alma, sempre triste e inquieto, se escolhe colocar seu amor onde não está presente a suma verdade e o infinito bem. De Deus afastar-se é morrer, para Deus converter-se é viver, em Deus permanecer é iluminar-se; a Deus, porém, não se chega com atravessar espaços corpóreos, mas sob a direção de Cristo, pela plenitude de uma fé sincera, intemerata consciência, e vontade reta, pela santidade das obras e pela obtenção e uso de uma liberdade genuína, cujas sagradas normas foram promulgadas pelo evangelho. Se, ao contrário, se desprezam os divinos mandamentos, não só não se obtém a felicidade posta além do breve espaço de tempo assinado à existência terrena, mas vacila a própria base na qual assenta a verdadeira civilização da humanidade, e só se devem esperar lastimáveis ruínas; é que os caminhos que levam à vida eterna são a força viva e seguro alicerce das realidades temporais. Como, de fato, podem ter garantias o bem público e o decoro da civilização, se se subverte o direito e se despreza e ridiculariza a virtude? Acaso não é Deus a fonte e o sustentáculo do direito? O inspirador e prêmio da virtude? Ele, a quem nenhum legislador se assemelha (cf. Jó 36, 22)? Em toda parte – segundo a confïssão de homens sérios – é esta a raiz amarga e fértil de males: o desconhecimento da divina majestade, a negligência dos preceitos morais oriundos do alto, uma lamentável inconstância que hesita entre o lícito e o ilícito, o bem e o mal. Daí, o cego e imoderado amor próprio, a sede dos prazeres, o alcoolismo, as modas dispendiosas e impudicas, a criminalidade mesmo de menores, a ambição do poder, a negligência com relação aos pobres, a cupidez de riquezas iníquas, o abandono dos campos, a leviandade em contrair o matrimônio, os divórcios, a desagregação das famílias, o resfriamento do mútuo afeto entre pais e filhos, a desnatalidade, a degenerescência da raça, o enlanguescimento do respeito para com as autoridades, o servilismo, a revolta, a negligência dos deveres para com a pátria e para com o gênero humano.
6. Elevamos, além disso, a voz de nosso paterno lamento, porque ainda em tantas escolas freqüentemente se despreza ou se ignora a Jesus Cristo, restringe-se a explicação do universo e da humanidade ao naturalismo e racionalismo, e se ensaiam novos sistemas educativos, dos quais não se podem esperar senão tristes frutos para a vida intelectual e moral da nação e do gênero humano.
Nefastos efeitos do divórcio
7. A vida doméstica, outrossim, se, observada a lei de Cristo, floresce de verdadeira felicidade, assim também, quando repudia o Evangelho, perece miseravelmente e é devastada pelos vícios: “O que procura conhecer a lei será saciado com ela, mas para o hipócrita ela é um escândalo” (Eclo 32,19)
8. Que pode haver na terra mais jucundo e alegre que a família cristã? Nascida junto ao altar do Senhor, onde o amor foi proclamado santo vínculo indissolúvel, consolida-se e cresce no mesmo amor que a graça superna alimenta. E então “é por todos honrado o matrimônio e imaculado o tálamo” (Hb 13,4); as paredes tranqüilas não ressoam de litígios nem são testemunhas de secretos martírios pela revelação de astutos manejos de infidelidade; a solidíssima confiança mútua afasta o espinho das suspeitas; no recíproco afeto de benevolência se aliviam as dores, e se acrescentam as alegrias. Lá os filhos não são considerados peso insuportável, senão dulcíssimos penhores; nem uma condenável razão utilitária ou a procura de estéril prazer fazem que se impeça o dom da vida e que caia em desuso o suave nome de irmão e irmã. Com que solicitude cuidam os pais que cresçam os filhos não apenas fisicamente vigorosos, senão que, seguindo a tradição dos antepassados, que lhes são freqüentemente relembrados, sejam adornados da luz que lhes comunica a profissão da fé puríssima e a honestidade moral! Comovidos por tantos benefícios, os filhos cumprem seu máximo dever, isto é, honram a seus progenitores, secundam os seus desejos, sustentam-nos na velhice com seu auxílio fiel, tornam jucundas suas cãs com um afeto que, inalterado pela morte, no céu se há de tornar ainda mais glorioso e completo. Os membros da família cristã, não queixosos na adversidade, não ingratos na prosperidade, sempre estão plenos de confiança em Deus, a cujo império obedecem, a cujo querer se confiam, cujo socorro jamais esperam em vão.
9. Aqueles, pois, que nas Igrejas exercem funções diretivas ou de magistério, exortem assiduamente os fiéis a que constituam e mantenham famílias segundo a norma da sabedoria do Evangelho, buscando assim com assíduo cuidado preparar para o Senhor um povo perfeito. Pelo mesmo motivo, cumpre também sumamente atender a que o dogma, que por divino direito afirma a unidade e indissolubilidade do matrimônio, seja compreendido em sua importância religiosa e santamente respeitado por todos os que contraem núpcias. Que tal capital ponto da doutrina católica tenha validíssima eficácia para a sólida estrutura da família, para o bem-estar crescente da sociedade civil, para a saúde do povo e para uma civilização cuja luz não seja falsa, reconhecem-no também não poucos, que, embora afastados da nossa fé, são todavia notáveis pelo senso político. Ah! se vossa pátria houvesse conhecido por experiência alheia e não por exemplos domésticos o cúmulo de males que produz a licença dos divórcios! Que a reverência para com a religião, a piedade para com o grande povo americano persuadam a que o mal, infelizmente grassante, seja radicalmente curado e afastado. As conseqüências desse mal, assim as descreveu o Papa Leão XIII, em termos incisivos: “Mercê dos divórcios, o contrato nupcial é sujeito à instabilidade: diminui-se a afeição, originam-se perniciosos estímulos à infidelidade conjugal; recebem dano o cuidado e a educação da prole, prepara-se ocasião de romper-se a sociedade doméstica: lançam-se sementes de discórdia entre a família; diminui-se e se deprime a dignidade da mulher, que corre risco de se ver abandonada depois que serviu de instrumento de prazer ao marido. E, visto que para arruinar as famílias e solapar o poder das nações nada é mais eficaz que a corrupção dos costumes, infere-se facilmente que o divórcio é o que há de mais nocivo à prosperidade das famílias e ao bem dos Estados”.(2)
10. Quanto às núpcias, em que uma das partes não aceita o dogma católico ou não tenha recebido o sacramento do batismo, estamos seguros de que observais com diligência as determinações do Código de direito canônico. Na verdade, tais matrimônios, como de longa experiência sabeis, raramente são felizes, e soem ocasionar graves perdas à Igreja católica.
Progresso do clero nas ciências divinas e humanas
11. Para obviar a tão graves males, meio eficaz será receberem os fiéis em toda a sua plenitude o ensino das verdades divinas, e conhecer o povo claramente a via da salvação. Exortamos, pois, encarecidamente, os sacerdotes a que busquem seja copiosa sua ciência das coisas divinas e humanas; não se contentem com os conhecimentos intelectuais adquiridos na mocidade; com atenta pesquisa meditem a lei do Senhor, cujos oráculos são mais puros do que a prata; saboreiem continuamente as castas delícias da Sagrada Escritura; com o andar dos anos, estudem, com maior profundeza, a história da Igreja, seus dogmas, sacramentos, direitos, mandamentos, a liturgia, sua língua, de tal sorte que neles o aperfeiçoamento intelectual acompanhe o progresso nas virtudes. Cultivem também os estudos literários e as disciplinas profanas, particularmente as mais intimamente conexas com a religião, a fim de que com lúcido pensamento e com funda eloqüência possam ministrar o ensino da salvação e sejam capazes de dobrar ainda os mais doutos engenhos ao suave peso e jugo do Evangelho de Jesus Cristo. Feliz da Igreja, que, assim, estará “assentada sobre safiras” (cf. Is 54,11). As exigências do nosso tempo requerem, ademais, que os leigos, notadamente os que coadjuvam o exercício do apostolado hierárquico, procurem adquirir um tesouro de conhecimentos religiosos, não pobre e débil, mas sólido e rico, mediante as bibliotecas, as conferências, os círculos de estudo; de tal sorte que lucrem grande proveito para si mesmos, possam ensinar os ignorantes, refutar os adversários e se tornar úteis aos amigos bons.
12. Soubemos, com grande alegria, que entre vós a imprensa defensora dos princípios católicos é deveras valorosa e que a rádio-difusão, pela qual a voz pronunciada é ouvida imediatamente por todos os pontos da terra, invenção maravilhosa, imagem da fé apostólica, que abraça toda a universalidade do gênero humano freqüente e de modo útil é empregada para que fatos e ensinamentos eclesiásticos tenham mais larga divulgação. Louvamos o bem obtido. Aqueles, todavia, que desempenham tal ministério, ao proporem e promoverem a doutrina social, procurem aderir com todo o empenho às diretivas do magistério eclesiástico; esquecidos da própria utilidade, desprezadores de glórias vãs, alheios a partidarismos, falem “como de Deus, perante Deus, em Cristo” (2Cor 2,17).
13. Desejosos de que o progresso científico em todo o seu complexo se firme cada vez mais, agora que se nos depara oportuno ensejo, queremos manifestar-vos nosso cordial interesse pela Universidade Católica de Washington. Bem sabeis com que ardentes votos o papa Leão XIII saudava este preclaro templo de saber no seu nascedouro, e que reiterados testemunhos de particular afeição lhe deu o romano pontífice, nosso imediato predecessor, intimamente persuadido de que, se este grande instituto, já feliz de alvissareiros resultados, se solidificar ainda mais e maior renome obtiver, não somente concorrerá para o incremento da Igreja, senão também para a vossa glória e prosperidade nacional. Compartilhando a mesma esperança, a vós nos dirigimos com esta carta, para recomendar-vos a referida universidade. Não poupeis nenhum trabalho para que ela, protegida com a vossa benevolência, supere as dificuldades e, com progressos mais felizes, torne realidade a grande esperança nela depositada. É-nos ainda muito grato o vosso propósito de tornar mais espaçosa e condigna a sede do Colégio Pontifício que em Roma acolhe para a educação eclesiástica os alunos dos Estados Unidos. Se é coisa útil que os jovens de escolhido engenho procurem países longínquos, afim de aperfeiçoar o seu saber, longa e feliz experiência demonstra que esta vantagem é suma quando os candidatos ao sacerdócio são educados na Urbe, junto à sede de Pedro, onde é puríssima a fonte da fé e onde tantos monumentos incitam os corações generosos a magnânimas empresas.
Para uma feliz solução dos problemas sociais
14. Queremos mencionar outra questão de primordial importância: a questão social, que, insolúvel, há muito tempo agita cruelmente as nações e lança nas classes sociais sementes de inveja e de dissensão. Bem conheceis o aspecto que ela assume em vosso país, que dificuldades e perturbações suscita, de sorte que não há mister demorar-nos a esse respeito. Ponto fundamental da questão é que os bens por Deus criados para todos os homens devem igualmente favorecer a todos, segundo os princípios da justiça e da caridade. A memória de todas as épocas testemunha que sempre houve pobres e ricos; e que assim há de ser também no futuro, fá-lo prever a inflexível condição das coisas humanas. Dignos de honra são os pobres que temem a Deus, porque deles é o reino dos céus, e porque facilmente têm abundância de graças espirituais. Os ricos, de sua parte, quando retos e probos, são os dispensadores e procuradores dos bens terrestres de Deus; e como ministros da superna providência, ajudam os indigentes, por cujas mãos muitas vezes recebem os dons que enriquecem o espírito, e – assim podem esperar serão conduzidos aos eternos tabernáculos. Deus, que a tudo provê oportunamente, estabeleceu que para o exercício das virtudes e comprovação dos méritos, haja no mundo ricos e pobres; mas não quis que alguns tenham riquezas exageradas e outros se vejam em tais estreitezas que lhes falte o necessário para a vida. Boa mãe e mestra de virtudes é a pobreza honesta, que vive do labor cotidiano, consoante o dito da Escritura: “Não me deis, meu Deus, nem indigência nem opulência; concedei-me somente o necessário para meu sustento” (Pr 30;8). Se hão de os aquinhoados de bens e os opulentos, movidos de pronta misericórdia, auxiliar os necessitados, por mais grave razão ainda lhes devem dar o que é justo: Os salários dos operários, cumpre sejam tais que bastem para eles e suas famílias. Gravíssimas as palavras que; neste particular, escreveu o nosso antecessor, Pio XI: “Urge envidar todos os esforços para que recebam os pais de família tal ordenado, que seja suficiente a prover convenientemente às comuns necessidades domésticas. E se, nas presentes contingências sociais, isto nem sempre se pode conseguir, pede a justiça social que se introduzam quanto antes as reformas que assegurem a todo operário adulto o salário de que falamos. Outrossim, merecem louvor todos os que, com sapientíssimo e utilíssimo conselho, buscaram e tentaram meios de atribuir a paga do trabalho em tal proporção com os encargos de família, que, aumentados estes, seja também maior aquela; e mais, eventualmente, se alcance ocorrer as necessidades extraordinárias”. (3) Oxalá todos os que se sentirem com forças obtenham a possibilidade de trabalhar, afim de ganhar para si e os seus o pão de cada dia. Exprimimos toda a nossa compaixão pela sorte dos tão numerosos nas vossas regiões que, apesar de robustos, capazes e desejosos, não conseguem o trabalho que procuram. A sabedoria dos governantes, a largueza de visão dos patrões, juntamente com o restabelecimento de condições externas mais favoráveis, cujo advento auguramos solicitamente, logrem obter que tão justos anelos encontrem cumprimento, para felicidade de todos.
15. Ademais, dado que a sociabilidade é natural no homem, e sendo lícito promover com forças unidas o que é honestamente útil, não se pode sem injúria negar ou diminuir, seja aos produtores, seja às classes operárias e agrícolas, a livre faculdade de unir-se em associações, que possam defender os próprios direitos e conseguir melhorias quanto aos bens do espírito e do corpo, assim como em relação aos honestos confortos da vida. Sem embargo, a tais corporações, que nos séculos passados proporcionaram glória imortal ao cristianismo e admirável esplendor às artes, não se pode impor em toda parte a mesma disciplina e governo, que, mercê da índole diversa dos povos, em circunstâncias diferentes de tempo, pode variar; estas corporações, não obstante, busquem seu surto vital nos princípios da sã liberdade, sejam informadas pelas excelsas normas da justiça e da honestidade, e, nelas inspiradas, procedam de tal maneira que no cuidado dos interesses de classe não venham a ferir direitos alheios, conservem o propósito de concórdia e respeitem o bem comum da sociedade civil.
Apelo à concórdia
16. Apraz-nos saber que a encíclica “Quadragesimo Anno”, há pouco citada, bem como a “Rerum Novarum”, de Leão XIII, onde se indica a solução da questão social consoante os postulados do evangelho e da filosofia perene, em vosso país constituem objeto de atenta e diuturna consideração da parte de homens de espírito elevado; que generosa boa vontade induz à restauração social e ao revigoramento do vínculo de caridade entre os homens, e que, mesmo, alguns patrões têm intentado solucionar segundo essas normas as controvérsias que sempre tendem a renovar-se com seus operários, respeitando a comum utilidade e a dignidade da pessoa humana. Que glória para o povo americano, por sua natureza inclinado a grandes empreendimentos e liberalidade, se plenamente e de maneira feliz resolver a antiga e árdua questão social de acordo com os seguros caminhos do Evangelho, lançando assim as bases de uma idade mais feliz! E para que este desejo se realize, não se hão de quebrar as forças com a desunião, mas aumentar com a concórdia. A esta salutar união de pensamentos e de consensos, inspiradora de magníficas ações; impelidos pela caridade, convidamos também aqueles que a santa madre Igreja lamenta estejam afastados do seu grêmio: Muitos deles, quando o nosso predecessor adormeceu no sono dos santos, e nós, pouco tempo depois de seu falecimento, por inescrutável desígnio da divina piedade, ascendemos ao sólio de Pedro – o que não escapou a nossa atenção exprimiram oralmente e por escrito sentimentos cheios de obsequiosidade e insigne nobreza; pelo que – abertamente o confessamos – concebemos a respeito deles uma esperança que o tempo não rouba, que a nossa alma alimenta como um presságio, e que nos é consolo na áspera e dura fadiga do ministério universal.
17. O vulto das iniciativas que devem ser empreendidas com fervor para a glória do Redentor benigníssimo e salvação das almas, não vos amedronte, diletíssimos, mas estimule ao contrário, fazendo-vos confiar no auxílio divino, porquanto os árduos trabalhos engendram mais robustas virtudes e méritos mais esplêndidos. Os esforços com que os inimigos, em cerradas falanges, entendem destruir o reino de Cristo, sejam para nós incitamento, para que, com vontades concordes, lhe promovamos a extensão e a firmeza. Nada mais feliz pode haver para cada homem, cada família e cada nação, do que obedecer ao Autor da salvação, seguir seus mandamentos, aceitar o seu reino, no qual nos tornamos livres e ricos de boas obras: “Reino de verdade e vida, reino de santidade e graça, reino de justiça, amor e paz”.(4) Augurando cordialmente que vós e vosso rebanho espiritual, por cujo bem zelais como pastores vigilantes, alcanceis constantes progressos, melhores e mais excelsas realizações e que da presente solenidade recolhais abundante colheita de virtudes, concedemo-vos, no Senhor, a bênção apostólica, penhor de nossa benevolência.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 1 ° de novembro de 1939, festa de Todos os Santos, no I ano do nosso Pontificado.
Pio XII Papa
- Fonte: Vaticano
- Notas suprimidas