O SACRAMENTO DA EUCARISTIA
Decreto sobre o Santíssimo Sacramento da Eucaristia
Ainda que o Sacrossanto, Ecumênico e Geral concílio de Trento, reunido legitimamente no Espírito Santo, e presidido pelos Legados e Núncios da Santa Sé Apostólica, e se congregou, não sem a particular direção e governo do Espírito Santo, com a finalidade de expor a verdadeira doutrina sobre a fé e os Sacramentos, a colocar um paradeiro em todas as heresias e a outros gravíssimos males que no presente afligem lamentavelmente a Igreja de Deus, e a dividem em muitos e vários partidos, teve, desde o princípio, principalmente por objetivo de seus desejos, arrancar pelas raízes a mancha dos execráveis erros e cismas que o demônio colocou nestes nossos calamitosos tempos sobre a doutrina da fé, uso e culto da Sacrossanta Eucaristia, a mesma que foi deixada à Sua Igreja pelo nosso Salvador, como símbolo de sua unidade e caridade, querendo que com ela estivessem todos os Cristãos juntos e reunidos entre si.
Como conseqüência, então o Sacrossanto Concílio, ensinando a mesma perfeita e sincera doutrina sobre esse venerável e Divino Sacramento da Eucaristia, que sempre reteve e conservará até o final dos séculos a Igreja Católica, instruída por Jesus Cristo, nosso Senhor e seus Apóstolos, e ensinada pelo Espírito Santo que incessantemente lhe sugere toda verdade, proíbe a todos os fiéis Cristãos que de ora em diante se atrevam a crer, ensinar, ou pregar a respeito da mesma Eucaristia, de outro modo que não aquele que de define e explica no presente decreto.
Cap. I – Da presença real de Jesus Cristo nosso Senhor no santíssimo sacramento da Eucaristia
Em primeiro lugar, ensina o Santo Concílio, claramente, e sinceramente confessa que depois da consagração do pão e do vinho, fica contido no saudável sacramento da Santa Eucaristia, verdadeira, real e substancialmente nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e Homem, sob as espécies daqueles materiais sensíveis, pois não existe com efeito, incompatibilidade que o mesmo Cristo nosso Salvador esteja sempre sentado, no Céu, à direita do Pai, segundo o modo natural de existir e que ao mesmo tempo nos assista sacramentalmente com Sua presença, e em sua própria substância em outros lugares, com existência que ainda que apenas o possamos expressar com palavras, poderemos, não obstante, alcançar com nosso pensamento ilustrado pela fé, que é possível a Deus, e devemos firmemente acreditar.
Assim pois, professaram clarissimamente todos os nossos antepassados que viveram a verdadeira Igreja de Cristo, e trataram deste santíssimo e admirável Sacramento, a saber: que nosso Redentor o instituiu na última ceia, quando depois de ter benzido o pão e o vinho, atestou a seus Apóstolos, com claras e enérgicas palavras que lhes dava Seu próprio Corpo e Seu próprio Sangue. E sendo fato consumado que as ditas palavras mencionadas pelos mesmos Santos Evangelistas e repetidas depois pelo Apóstolo São Paulo, incluem em si mesmas aquele próprio e patentíssimo significado, segundo as entenderam os santos Padres, é sem dúvida execrável a maldade com que certos homens pretensiosos e corruptos as distorcem, violentam e tentam explicar em sentido figurado, fictício ou imaginário, negando a realidade da Carne e Sangue de Jesus Cristo contra a inteligência unânime da Igreja, que sendo coluna e apoio da Verdade, sempre detestou por serem diabólicas estas ficções expressas por homens ímpios e sempre conservou indelével a memória e gratidão deste tão sobressalente benefício que nos fez Jesus Cristo.
Cap. II – Do modo com que se instituiu este santíssimo Sacramento
Estando, então, nosso Salvador para partir deste mundo para ficar junto ao Seu Pai, instituiu este Sacramento, no qual, incluiu todas as riquezas de Seu divino amor para com todos os homens, deixando-nos um monumento de suas maravilhas, e ordenando-nos que ao recebe-lo recordássemos com veneração Sua memória, e anunciássemos Sua morte e que Ele haveria de voltar para julgar o mundo. Quis também que este Sacramento fosse recebido como um alimento espiritual das almas, que com ele se alimentem e confortem os que vivem pela vida de Jesus Cristo que disse: Quem comer do Meu Corpo e beber do Meu Sangue, viverá por Mim; e como um antídoto com que nos libertamos dos pecados veniais e nos preservamos dos pecados mortais. Quis também que fosse este Sacramento um prêmio de nossa futura glória e perpétua felicidade, e consequentemente um símbolo ou significado daquele único Corpo, cuja Cabeça é Ele mesmo, e ao qual quis que estivéssemos unidos estritamente como membros por meio da seguríssima união da fé, da esperança e da caridade, para que todos crêssemos na mesma Verdade e que não houvesse cisma entre nós.
Cap. III – Da excelência do santíssimo sacramento da Eucaristia, em relação aos demais Sacramentos
É comum, por certo, à Santíssima Eucaristia, juntamente com os demais Sacramentos, ser símbolo ou significado de uma coisa sagrada, e forma ou sinal visível da graça invisível, não obstante se acha neste, a excelência e singularidade dos demais Sacramentos que começam a ter eficácia de santificar quando são administrados em alguém, a Eucaristia contém o Próprio Autor da santidade antes de ser administrado, pois ainda não tinham recebido os Apóstolos a Eucaristia da mão do Senhor, quando Ele mesmo afirmou com toda verdade que o que lhes dava era Seu Corpo e Seu Sangue.
Sempre subsistiu na Igreja de Deus esta fé que nos diz que imediatamente depois da consagração existe sob as espécies do pão e do vinho, o verdadeiro Corpo e verdadeiro Sangue de nosso Senhor, juntamente com Sua Alma e Divindade. O Corpo certamente sob a espécie do Pão, e o Sangue sob a espécie do Vinho, e a Alma sob as duas espécies, em virtude daquela natural conexão e concomitância pelas quais estão unidas entre si as Partes de nosso Senhor Jesus Cristo, que ressuscitou dentre os mortos para não voltar jamais a morrer, e a divindade por aquela Sua admirável união hipostática com o Corpo e com a alma. Por isto é certíssimo que existe sob a espécie do Pão, em seu todo ou em suas menores partes, e sob a espécie do Vinho, também em seu todo ou em suas menores partes[1].
Cap. IV – Da Transubstanciação
Mas pelo que disse Jesus Cristo nosso Redentor, que era verdadeiramente Seu Corpo que O oferecia sob a espécie do pão, a Igreja de Deus acreditou perpetuamente e o mesmo declara novamente o Santo Concílio que pela consagração do pão e do vinho, são convertidas: a substância total do pão no Corpo de nosso Senhor, e a substância total do vinho no Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e essa transformação é oportuna e propriamente chamada de Transubstanciação pela Igreja Católica.
Cap. V – Do culto e veneração que se deve dar a este santíssimo Sacramento
Não resta pois motivo algum de dúvida de que todos os fiéis Cristãos tenham que venerar este Santíssimo Sacramento e prestar-lhe, segundo o costume sempre seguido pela Igreja católica, o culto de adoração que se deve a Deus. Também não se deve tributar menos adoração com o pretexto de que foi instituído por Cristo nosso Senhor para recebe-Lo, pois cremos que está presente nesse Sacramento, aquele mesmo Deus de quem o Pai Eterno quando O introduziu no mundo disse: Adorem a Ele todos os Anjos de Deus, o mesmo a Quem os magos prostrados adoraram, e Quem finalmente, segundo o testemunho da escritura, foi adorado pelos Apóstolos na Galiléia.
Declara também o Santo Concílio que o costume de celebrar com singular veneração e solenidade todos os anos em dia certo, demarcado e festivo, este sublime e venerável Sacramento e o costume de conduzi-lo em procissões, honorífica e reverentemente pelas ruas e lugares públicos, foram introduzidos na Igreja de Deus com muita piedade e religião. É sem dúvida muito justo que sejam designados alguns dias de festa em que todos os Cristãos testemunhem com singulares e agradáveis demonstrações a gratidão e lembranças de seu encorajamento e respeito pelo Dono e Redentor de todos, por tão inefável e claramente Divino benefício, em que se representam seus triunfos e a vitória que Ele alcançou sobre a morte. É necessário por certo que a verdade vitoriosa triunfe de tal modo sobre a mentira e as heresias que Seus inimigos, assistindo tanto esplendor e testemunhos do grande regozijo da Igreja Universal, ou debilitados e alquebrados sejam consumidos pela inveja ou então envergonhados e confundidos tomem novo sentido.
Cap. VI – Como se deve guardar o sacramento da Sagrada Eucaristia, e como leva-la aos enfermos
É tão antigo o costume de guardar a Santa eucaristia no sacrário, que já era conhecido no século em que foi celebrado o Concílio de Nice. É certo que além de ser muito conforme a equidade e a razão, se tenha ordenado em muitos concílios, e observando por costume muito antigo da Igreja Católica, que se leve a Sagrada Eucaristia para administrá-la aos enfermos, e com essa finalidade a eucaristia deve ser cuidadosamente guardada nas igrejas. Por este motivo, estabelece o Santo Concílio que necessariamente este costume tão saudável deve ser mantido.
Cap. VII – Da preparação que deve preceder o recebimento digno da Sagrada Eucaristia
Se não é decoroso que ninguém se apresente a nenhuma das demais funções sagradas, senão com pureza e santidade, muito mais notória é às pessoas cristãs, a santidade e divindade deste celeste Sacramento, com muito maior agilidade por certo devem procurar apresentar-se para receber com grande respeito e santidade; principalmente se nos lembrarmos daquelas terríveis palavras do Apóstolo São Paulo: “Quem come e bebe indignamente, come e bebe sua condenação, pois não faz diferença entre o Corpo do Senhor e outras comidas”. Devido a isto deveremos sempre lembrar àquele que queira comungar, o preceito do mesmo Apóstolo: Reconheça-se o homem a si mesmo.
O costume da Igreja declara que é necessário este exame para que ninguém que tenha consciência de que esteja em pecado mortal possa receber a Sagrada Eucaristia, mesmo que pareça estar muito arrependido, pois é necessária a confissão sacramental para livrá-lo dos pecados. Isto mesmo foi decretado por este Santo Concílio, e seja observado perpetuamente por todos os cristãos, e também os sacerdotes, a quem corresponde a celebração por obrigação, a não ser que lhes falte um confessor. E se o sacerdote, por alguma urgente necessidade celebrar sem haver se confessado, confesse sem prorrogação, logo que possa.
Cap. VIII – Do uso deste admirável Sacramento.
Com muita razão e prudência discutiram nossos Padres a respeito do uso deste Sacramento, e concluíram que existem 3 modos de recebê-Lo. Alguns ensinaram que certas pessoas o recebem apenas sacramentalmente, pois são pecadores. Outros O recebem apenas espiritualmente, ou seja, aqueles que recebendo com o desejo este pão celeste, percebem com a vivacidade de sua fé, que realiza por amor seu fruto e utilidades. Os terceiros são os que recebem sacramental e espiritualmente ao mesmo tempo, e estes são os que se preparam e se propõe antes, de tal modo que se apresentam a esta divina mesa adornados com as vestes nupciais.
Quando os fiéis recebem a Eucaristia sacramentalmente, sempre foi costume da Igreja de Deus que estes leigos tomem a comunhão da mão do sacerdote, e que os sacerdotes, quando celebram, se comunguem a si mesmos. Esse costume deve ser mantido com muita razão por vir de uma tradição apostólica. Finalmente, o Santo Concílio faz uma admoestação com seu amor paternal, exorta, roga e suplica pelas entranhas de misericórdia de Deus nosso Senhor, a todos e a cada um que estejas sob o nome de cristãos, que se compenetrem e conformem-se neste sinal de unidade neste vínculo de caridade e neste símbolo de concórdia, e lembrando-se de tão suprema majestade e do amor tão extremo de Jesus Cristo, nosso Senhor, que deu Sua amada vida em favor de nossa salvação, e Sua Carne para que nos servisse de alimento, creiam e venerem estes sagrados mistérios de Seu Corpo e Sangue, com fé tão constante e firme, com tal devoção de alegria, e com tal piedade e reverência, que possam receber com freqüência aquele Pão sobresubstancial de modo que exista vida verdadeira em suas almas, e saúde perpétua de seus entendimentos para que, confortados com o vigor daquilo que recebem, possam chegar do caminho desta miserável peregrinação à Pátria Celestial, para comer nela, sem nenhum disfarce nem véu, o mesmo pão dos Anjos que agora comem sob as sagradas espécies.
E portanto, não basta expor as verdades, se não se descobrem e refutam os erros. Houve por bem este Santo Concílio editar os cânones seguintes, para que, uma vez conhecida a doutrina católica, entendam também todos, quais são as heresias de que devem guardar-se e devem evitar.
Cânones do Santíssimo Sacramento da Eucaristia
Cân. I – Se alguém negar que no santíssimo sacramento da Eucaristia está contido verdadeira, real e substancialmente o corpo e o sangue juntamente com a alma e divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e por conseqüência o Cristo inteiro; mas pelo contrário, disser que apenas existe na Eucaristia um sinal, ou figura virtual, seja excomungado.
Cân. II – Se alguém disser que no sacrossanto sacramento da Eucaristia permanece substância de pão e vinho juntamente com o Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e negar aquela admirável e singular conversão de toda a substância do pão em Corpo e de toda substância do vinho em Sangue, permanecendo somente as espécies de pão e vinho, conversão que a Igreja Católica propiciamente chama de Transubsctanciação, seja excomungado.
Cân III – Se alguém negar que o venerável sacramento da Eucaristia contém o Cristo Total em cada uma das espécies, e em cada uma das partículas em que forem divididas as espécies, seja excomungado.
Cân. IV – Se alguém disser que, feita a consagração, não existe no admirável sacramento da eucaristia, nada além de mentiras, e que recebe, mas nem antes e nem depois permanece o verdadeiro Corpo do Senhor nas hóstias ou partículas consagradas, que se guardam depois das comunhões, seja excomungado.
Cân. V – Se alguém disser que o principal fruto da Sacrossanta Eucaristia, é o perdão dos pecados, ou que não provém dela outros efeitos, seja excomungado.
Cân. VI – Se alguém disser que no santo sacramento da eucaristia não se deve adorar a Cristo, Filho unigênito de Deus, com o culto de “latria” nem também com o externo, e que portanto não se deve venerar com peculiar e festiva celebração, nem ser conduzido solenemente em procissões, segundo o louvável e universal rito e costume da Santa Igreja, ou que não se deve expor publicamente ao povo para que receba adoração, e que tal adoração constitui idólatria, seja excomungado.
Cân. VII – Se alguém disser que não é lícito reservar a Sagrada Eucaristia no sacrário, pois imediatamente depois da consagração é necessário que se faça a distribuição total das hóstias, ou disser que não é lícito levá-la piedosamente aos enfermos, seja excomungado.
Cân. VIII – Se alguém disser que Cristo, dado na eucaristia, somente é recebido espiritualmente e não também sacramental e realmente, seja excomungado.
Cân. IX – Se alguém negar que todos e cada um dos fiéis Cristãos de ambos os sexos, quando tenham chegado ao completo uso da razão, estão obrigados a comungar todos os anos ao menos na Páscoa da Ressurreição, segundo o preceito de nossa Santa Madr Igreja, seja excomungado.
Cân. X – Se alguém disser que não é lícito ao sacerdote que celebra a missa, comungar-se a si mesmo, seja excomungado.
Cân. XI – Se alguém disser que apenas a fé é preparação suficiente para receber o Sacramento da Santíssima Eucaristia, seja excomungado.
E para que não se receba indignamente tão magno Sacramento, e por conseqüência, seja causa de morte e condenação da alma, estabelece e declara o mesmo Concílio, que os que se sintam agravados com a consciência de pecado mortal, por mais arrependidos que estejam, devem, para receber a Eucaristia, proceder à confissão sacramental, havendo confessor. E se alguém presumir ensinar, pregar, ou afirmar com pertinácia o contrário, ou também defendê-lo em discussões públicas, fique pelo mesmo fato excomungado.
Decreto sobre a Reforma
Cap. I – Velem os bispos com prudência na reforma dos costumes de seus súditos e que ninguém apele de sua correção
O Sacrossanto Concílio de Trento, reunido legitimamente no Espírito Santo, e presidido pelos mesmos Legados e Núncios da santa Sé Apostólica, propondo-se a promulgar alguns estatutos pertencentes à jurisdição dos Bispos, para que, segundo o decreto da próxima Sessão, se sintam com mais gosto a residir nas igrejas que lhes estão destinadas, e também com maior e melhor facilidade e comodidade possam governar seus súditos, e mantê-los na honestidade de vida e costumes, acredita que em primeiro lugar deve alertá-los que se lembrem que são pastores e não verdugos, e que de tal modo convém que na administração de seus súditos, procedam com eles, não como senhores, porém que os amem como a filhos e irmãos, trabalhando com suas exortações e avisos, de modo que os separem das coisas ilícitas, para que não se vejam na necessidade de sujeitá-los às penas legais, nos casos de delinqüência. Não obstante, se acontecer que pela fragilidade humana caiam em alguma culpa, devem observar aquele preceito do Apóstolo, de reinquiri-los, de rogar-lhes encarecidamente, e de repreendê-los com toda bondade e paciência, pois em muitas ocasiões é mais eficaz, com os que se tem que corrigir, a benevolência que a austeridade, mais a exortação que a ameaça, e mais a caridade que o poder. Mas se, pela gravidade do delito for necessário apelar para o castigo, então é quando deve ser usado o rigor com mansidão, a justiça com brandura, para que procedendo com aspereza, se conserve a disciplina necessária e saudável aos povos, e se emendem os que foram corrigidos, ou, se não quiserem voltar sobre si, exortem os demais para não cair nos vícios, com o saudável exemplo do castigo que foi imposto aos outros, pois é próprio do pastor diligente e ao mesmo tempo piedoso, aplicar primeiro estímulos suaves às enfermidades de suas ovelhas e proceder, depois quando for necessário para uma enfermidade maior, remédios mais fortes e violentos. Se isto não for aproveitável para as desgarradas, sirvam ao menos para livrar as ovelhas restantes do castigo que as ameaça. E sabendo-se que os réus apresentam, em muitas ocasiões, queixas e agravantes para evitar as penas e declinar das sentenças dos Bispos, e que impedem o processo do juiz com o recurso da apelação, para que não haja abusos em defesa de sua iniquidade e da pena estabelecida como corretivo, e para que não ocorram semelhantes artifícios e subterfúgios dos réus, estabelece e decreta o seguinte:
Não cabe apelação antes da sentença definitiva do Bispo ou de seu vigário geral, nas coisas espirituais, da sentença interlocutora, como também de nenhum outro agravante, quaisquer que sejam as causas em questão, e correção, ou de habilidade e inaptidão, assim como também não cabem nem nas criminais. Nem o Bispo nem seu vigário estão obrigados a deferir semelhante apelação frívola, mas podem prosseguir adiante sem que haja qualquer obstrução emanada do juiz da apelação, nem tão pouco seja obstáculo qualquer estilo ou costume contrário, ainda que seja muito antigo, a não ser que o agravante alegado seja irreparável na sentença definitiva, ou que não se possa apelar desta, em cujos casos devem prevalecer em seu vigor os antigos estatutos dos sagrados cânones.
Cap. II – Quando em causas criminais a apelação da sentença do Bispo deve ser feita ao Metropolitano, ou a um dos superiores mais próximos
Se acontecer que as apelações da sentença do Bispo ou do seu vigário geral de casos espirituais, sobre matérias criminais, sejam delegadas por autoridade Apostólica “in partibus” ou fora da cúria Romana, em caso que haja motivo de apelação, estas deverão ser dirigidas ao Metropolitano ou seu vigário geral para casos espirituais, ou em caso de aquele ser suspeito por qualquer razão, ou esteja a mais de dois dias de caminho, ou já se tenha apelado a ele, recorra-se a um dos Bispos mais próximos, ou a seus vigários gerais, mas jamais a juízes inferiores.
Cap. III – Sejam dados dentro de trinta dias e gratuitamente os autos de primeira instância ao réu que apelar
O réu, que em causa criminal, apela da sentença do Bispo ou de seu vigário geral para causas espirituais, apresente certidão de pobreza ao juiz ante o qual tenha apelado nos autos de primeira instância, e de nenhum modo este poderá absolvê-lo sem que antes o tenha visto. O juiz a quem tenha sido feita a apelação deve entregar gratuitamente os autos que lhe forem pedidos dentro de trinta dias. Se assim não o fizer, fique terminada sem esses autos a causa da mencionada apelação, segundo parecer em justiça.
Cap. IV – Como se deverão castigar os clérigos quando o exija a gravidade de seus delitos
Sendo algumas vezes tão graves e atrozes os delitos cometidos por pessoas eclesiásticas que devem estas serem depostas de suas sagradas ordens, e entregues ao braço secular da lei, em cujo caso se requer, segundo os sagrados cânones, certo número de Bispos e se for difícil que todos se juntem, seja deferido o devido cumprimento do direito, e se alguma vez puderem se juntar, seja cassada sua residência. Estabeleceu e declarou o Sagrado Concílio para acorrer a estes inconvenientes, que o Bispo, por si ou por seu vigário geral para causas espirituais, possa processar o clérigo, ainda que este esteja constituído na sagrada ordem do sacerdócio, até sua condenação e disposição verbal, e por si mesmo também até a atual e solene extinção das mesmas ordens e graus eclesiásticos. Nos casos em que seja requerida a assistência de outros Bispos no número determinado pelos cânones, ainda que estes não se reunam, mas acompanhem e assistam nesse caso outros diversos Abades que tenham privilégio Apostólico, uso de mitra e báculo, se puderem ser achados na cidade ou diocese, e puderem comodamente assistir. Se não puder ser assim, será acompanhado por outras pessoas constituídas em dignidade eclesiástica, que sejam recomendáveis por sua idade, gravidade e instrução, no direito.
Cap. V – Conheça sumariamente o Bispo, as graças pertencentes ou à absolvição dos delitos, ou a remissão das penas
E mesmo que possa acontecer que algumas pessoas alegando causas fingidas e que sem dúvida parecem bastante verossímeis, consigam graças de tal natureza que lhes são perdoadas todas as culpas, ou lhes são diminuídas as penas que com justa severidade lhes foram impostas pelos Bispos, jamais deve-se tolerar que a mentira, desagradável a Deus em alto grau, não apenas fique sem castigo, como também jamais sirva ao mentiroso como meio de alcançar o perdão para outro delito.
Com este objetivo, o Sagrado Concílio estabeleceu e decretou o seguinte: Tome o bispo, que resida em sua igreja, conhecimento sumário por si mesmo, como delegado da Sé Apostólica, da opressão ou supressão das graças alcançadas com falsos motivos, sobre a absolvição de algum pecado ou delito público, ou que tenha começado a tomar conhecimento, ou do perdão da pena que haja sido condenado o réu por sua sentença, e não admita aquela graça sempre que legitimamente constar haver sido obtida por falsos informes, ou por haver se calado à verdade.
Cap. VI – Não se cite ao Bispo para que compareça pessoalmente senão em causa que se trate de sua privação ou proibição de posse
E mesmo que aqueles que estejam sujeitos ao Bispo podem, ainda que tenham sido castigados justamente, aborrecê-lo bastante e como se houvessem padecido graves injúrias, imputar-lhe falsos delitos para molestar-lhe por todos os meios possíveis, de onde resulta que o temor destas vexações intimida e retarda de modo geral ao Bispo para inquirir e castigar os delitos de seus súditos. Com este motivo, e para que o bispo não se veja solicitado com muita incomodidade, tanto sua como de sua igreja, a abandonar o rebanho que está conduzindo, e a ficar vagando com detrimento de sua dignidade episcopal, estabeleceu e decretou o Sagrado Concílio, que de modo algum se cite ou admoeste o Bispo a que compareça pessoalmente, senão por causa em que deve comparecer para ser deposto ou privado de sua posse, ainda que se processe por ofício ou por informação ou denúncia ou acusação ou de qualquer outro modo.
Cap. VII – Descreva-se as qualidades dos testemunhos contra o Bispo
Não se recebam por testemunhos em causa criminal para informação ou indiciação ou para qualquer outra coisa em causa principal contra o Bispo, senão de pessoas que sejam incontestáveis e de boa conduta, reputação e fama, e em caso que deponham alguma coisa por ódio ou temeridade ou cobiça, sejam castigados com penas graves.
Cap. VIII – O Sumo Pontífice é o que deverá conhecer as causas graves contra os Bispos
Ante o Sumo Pontífice é que deverão ser expostas, e por ele mesmo haverão de terminar as causas dos Bispos, quando pela qualidade do delito imputado devam estes comparecer.
Decreto da Prorrogação da Definição de Quatro Artigos sobre o Sacramento da Eucaristia e do Salvo-Conduto que deverá ser Concedido aos Protestantes
Desejando o mesmo Santo Concílio retirar do campo do Senhor todos os erros que apareceram sobre este Santíssimo Sacramento da Eucaristia, e cuidar da salvação de todos os fiéis, havendo exposto na presença de Deus Onipotente todos os dias suas piedosas súplicas, entre outros artigos pertencentes a esse Sacramento tratados com a mais completa investigação da verdade Católica, havidas muitas e minuciosas disputas segundo a gravidade da matéria, e ouvidas as opiniões dos teólogos mais destacados, discutia também os quatro artigos que se seguem:
Primeiro: Se é necessário, para obter a salvação e ordenado por direito divino, que todos os fiéis cristãos recebam o mesmo venerável Sacramento sob as duas espécies?
Segundo: Se aquele que comunga sob uma só espécie recebe menos que aquele que comunga sob as duas?
Terceiro: Se a Santa Madre Igreja errou dando a comunhão sob apenas a espécie do pão aos leigos, e aos sacerdotes que não celebram?
Quarto: Se deve ser dada também a comunhão às crianças?
E por isto desejam os que se chamam Protestantes da nobre província da Alemanha, que os ouça o Santo Concílio sobre estes mesmos artigos, antes que se definam, e com este motivo pediram ao Concílio um salvo-conduto, pelo qual lhes seja permitido vir e habitar nesta cidade, falar e propor abertamente ante o Concílio o que sentirem e retirarem-se depois, quando quiserem.
O Santo Concílio, ainda que tenha aguardado durante muitos meses e com grandes desejos sua chegada, não obstante como mãe piedosa que geme dolorosamente para voltar a trazê-los para o seio da Igreja, desejando intensamente e trabalhando para que não haja cisma algum sob o nome Cristão, e assim como todos reconhecem a um mesmo Deus e Redentor, do mesmo modo digam e creiam e saibam uma mesma doutrina confiando na misericórdia de Deus e esperando que se conseguirá que eles voltem à santíssima e saudável união de uma mesma fé, esperança e caridade, condescendendo satisfatoriamente com eles neste ponto, lhes deu e concedeu na parte que toca à segurança e fé pública que pediram e chamam de salvo-conduto, do temor que abaixo se expressa.
Determinação das Próximas Sessões
E por causa dos mesmos se diferiu a definição dos mencionados artigos, até a Segunda Sessão que ficou marcada para o dia da festa da Conversão de São Paulo, que será em 25 de janeiro do ano seguinte, para que deste modo possam comodamente chegar. Além disso, estabeleceu que se trate na mesma Sessão do sacrifício da missa, em virtude da grande conexão que existe entre ambas as matérias e entretanto que fica assinalada para tratar na próxima Sessão a matéria dos Sacramentos da Penitência e Extrema-Unção.
Decretando que esta se celebre em 25 de novembro, festa da Santa Catarina virgem e Mártir, e que em uma e outra Sessão seja continuada a matéria da reforma.
Salvo-Conduto concedido aos Protestantes
O Sacrossanto Geral e Ecumênico Concílio de Trento, reunido legitimamente no Espírito Santo e presidido pelos mesmos Legados e Núncios da Sé Apostólica concede no que toca ao Santo Concílio, a todas e a cada uma das pessoas eclesiásticas ou seculares de toda a Alemanha, de qualquer graduação, estado, condição e qualidade que sejam, que desejem concorrer a este Ecumênico e Geral Concílio, a fé pública e plena segurança que chamam salvo-conduto, com todas e cada uma de suas cláusulas e decretos necessários e condizentes ainda que se devessem se expressar em particular e não em termos gerais, os mesmos que quiseram se tenham por expressados para que possam e tenham faculdade de conferenciar, propor e tratar com toda liberdade das coisas que tenham de discutir no mesmo Concílio Geral, e permanecer e viver nele, e também para representar e propor tanto por escrito como de viva voz os artigos que lhes parecesse e conferenciar e discutir com os padres ou com as pessoas que indicar o mesmo santo Concílio, sem injúrias nem ultrajes, e igualmente para que possam retirar-se quando quiserem quando for sua vontade.
Além disso, resolveu o mesmo Concílio que, se desejarem, para sua maior liberdade e segurança, que lhes sejam indicados juízes privativos, tanto a respeito dos delitos cometidos, como os que possam cometer, nomeiem pessoas que lhes sejam favoráveis, ainda que seus delitos sejam muito grandes e com tendências à heresias.
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NOTA:
[1] Verdadeiramente o Corpo, Sangue, alma e Divindade de Jesus Cristo (N.do T.).
- Fonte: Agnus Dei
- Tradução: Dercio Antonio Paganini