Sobre a eficácia e a infalibilidade da oração

Tenho uma dúvida teológica, sobre a qual acredito que vocês possam me ajudar. Já ouvi dizer que, quando estamos em pecado mortal, nossas orações são, de certa forma, ineficazes (já que estamos privados da graça). Não sei se essa ineficácia é total ou parcial. O que quero saber é se, quando estamos em pecado mortal, mas arrependidos, e ainda não tivemos oportunidade de confessar, como deve ser a nossa postura de oração: reforçada (em uma espécie de preparação da alma para suscitar um arrependimento ainda maior e uma boa confissão, embora haja aí a questão da ineficácia), se deve ser a mesma de quando se está em graça, ou se é totalmente ineficaz, logo não faria sentido orar nessas circunstâncias.

O que me dizem?

Caríssimo senhor,

A eficácia da oração NÃO depende do estado de graça. O que tem relação com o estado de graça é o mérito. Ou seja, o senhor não tem mérito por rezar em pecado mortal, não aumenta a graça santificante. Mas isso não significa que a oração seja ineficaz, i.e., que ela não alcance o que pede.

Sobre a eficácia da oração.

Para que a oração dê seu fruto próprio, requer-se que:

*      pureza de coração;
*      recolhimento do espírito: “Ademais, devemos procurar orar com recolhimento. A alma frívola, dissipada e sempre distraída, a alma que não sabe ou não quer se esforçar por atar a ‘louca da casa’, isto é, reprimir os desvarios da imaginação, não será nunca uma alma de oração.” (MARMION, D. Columba, OSB. Jesus Cristo, vida da Alma, II-B, 10, 6);
*      abandono;
*      humildade: “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes.” (Tg 4,6; cf. Pr 3,34);
*      reverência

Quais os frutos da oração? Há os frutos gerais: chegar mais perto de Deus, aumentar a graça santificante, conseguir graças atuais que nos ajudem na salvação, confirmar e desenvolver a graça habitual. E os frutos específicos: conseguir as graças atuais que se pedem ou, conforme a vontade de Deus, outras em seu lugar, que são mais convenientes para nos levar ao céu.

Toda oração é frutuosa, i.e., nos permite lucrar algum fruto, alguma graça. A oração de louvor, de adoração, de agradecimento, mesmo não pedindo nada a Deus, faz com que ganhemos algo: o crescimento interior e o conhecimento mais profundo de Cristo, Nosso Senhor.

Até a oração explicitamente de petição, ainda que não consigamos o que pedimos a Deus, nos dá frutos valiosíssimos. Se pedirmos algo ao Senhor, mesmo que não nos dê, teremos fruto nessa prece, quer pelo contato com Deus, que sempre nos santifica, quer porque aprendemos a conformar nossa vontade à d’Ele, sabendo que a negação de nossas petições é benéfica, quer porque rezar nos faz ter mais ânimo para amá-Lo e obedecê-Lo.

Sob determinadas circunstâncias, todavia, a oração é infalível, totalmente eficaz. “A oração, revestida das devidas condições, obtém infalivelmente o que pede em virtude das promessas de Deus.” (ROYO MARIN, Fr. Antonio, OP. Teologia de la perfección cristiana, Madrid: BAC, 1955, p. 183)

As condições, segundo Santo Tomás de Aquino, para que a oração seja infalível, para que consiga inevitavelmente de Deus o que pede, explicitam-se a seguir: “São quatro as condições para que, estando reunidas, alguém sempre consiga o que pede: a saber, (1) que peça para si mesmo (2) coisas necessárias à salvação, (3) piedosamente, e (4) com perseverança.” (S. Th., II-II, q. 83, a. 15, ad 2)

Reunidas as condições Deus nos atende exatamente como pedimos. Foi o que houve com a viúva diante do juiz iníquo. É certo que muitas vezes pedimos algo para nós com piedade e perseverança, mas o objeto da oração é próprio à nossa salvação. Só Deus conhece todas as coisas, e se o que pedimos nos afasta da vida eterna, não nos dará, por mais que pensemos que o objeto é neutro ou mesmo santo. O que achamos que nos pode auxiliar na salvação pode nos afastar dela, e o contrário é igualmente verdadeiro.

Depende de nós, com a ajuda da graça, a reunião de três das quatro condições. A primeira: pedir para nós mesmos – “A razão é que a concessão de uma graça divina exige sempre no sujeito disposto, e o próximo pode não o estar. (…) Não queremos dizer com isto que a oração pelos demais seja sempre ineficaz. Pelo contrário, obtém de fato muitíssimas vezes o que pede. Porém, não podemos ter segurança infalível de que isso ocorra, por não sabermos com certeza as disposições de nosso próximo.” (ROYO MARÍN, Fr. Antonio, OP. op. cit., p. 184) A segunda: piedosamente – com humildade, com confiança firme, com atenção e em nome de Cristo, ainda que estejamos em estado de pecado mortal, confirme ensina Santo Tomás, cf. S. Th., II-II, q. 83, a. 16, ad 2; e S. Th., III, Suppl., q. 72, a. 3, ad 4). E a terceira: com persverança – Deus “quer que perseveremos na oração até que sejamos importunos.” (Cornélio a Lápide. In Lc 11)

Comentando a primeira condição, que oferece maior dificuldade, já nos iniciamos nas demais, bem mais simples de serem compreendidas:

“1ª condição: ‘pro se petat’ (que peça para si) A razão é que a concessão de uma graça divina exige sempre um sujeito disposto, e o próximo pode não o estar. Não queremos dizer com isto que a oração pelos demais seja sempre ineficaz. Pelo contrário, obtém de fato muitíssimas vezes o que pede. Porém, não podemos ter segurança infalível de que isso ocorra, por não sabermos com certeza as disposições de nosso próximo. Podemos pedir a Deus que o disponha por um efeito de sua misericórdia infinita, mas isso Deus não o prometeu a ninguém, e não podemos, em conseqüência, obtê-lo infalivelmente.” (Fr. Antonio Royo Marin, OP. op. cit., p. 184)

Para que sejamos atendidos infalivelmente, é preciso que essas quatro condições estejam reunidas. Todavia, mesmo que falte alguma delas, pela infinita misericórdia de Deus, podemos alcançar o que pedimos, ainda que dessa forma não nos seja garantida tal resposta.

“Estas são as condições para eficácia infalível da oração. De fato, na prática, obtemos muitíssimas coisas de Deus sem reunir todas estas condições, por um efeito superabundante da misericórdia divina. Porém, reunindo tais condições, obteríamos, infalivelmente – pela promessa divina – inclusive aquelas graças que ninguém absolutamente pode merecer.” (Fr. Antonio Royo Marin, OP. op. cit., p. 186)

As condições de número 1, 3 e 4 podemos saber se as implementamos. Quanto à segunda, acerca das coisas necessárias à salvação, não o sabemos, pois isso pertence somente à ciência divina, que, entretanto, pode, por um efeito de Sua graça e Onipotência, nos revelar em casos excepcionais. A situação normal, contudo, é que apenas pensemos que tal ou tal coisa é ou não necessária ou, ao menos, não contrária à nossa salvação eterna, mas que deixemos para Deus a palavra final: só Ele sabe e conhece tudo!

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