Sobre um artigo de Reinaldo Azevedo (Veja, Fev./2013)

Pedem-se desculpas aos leitores do CPq, por derivarem-se as reflexões nesses dias. Por óbvio, o assunto em pauta tem de ser Bento XVI: sua renúncia humilde, sua oblação silenciosa, seu intrépido coração. Contudo, diante da notícia de um sacerdote infiel na Arquidiocese de Niterói, os meios de comunicação têm insistido sobre a dispensa da disciplina do celibato para os padres. Outro dia voltar-se-á ao caso do Pe. Emilson Soares para dar informações importantes. Neste texto, entretanto, pretende-se refletir sobre o texto do excelente Reinaldo Azevedo.

Se pudesse ensejar uma conversa com o Reinaldo Azevedo acerca do seu texto sobre a conveniência do celibato para os sacerdotes, faria-o deste modo:

Caríssimo tio Rei (posso chamá-lo assim?),

Tenho de dizer que seu último texto não foi agradável de ler. Sei que agradabilidade do que se aprende ou estuda não é um requisito de veracidade. Contudo, a causa do desagrado não foi apenas a ênfase do discurso ou o vocabulário escolhido. O desagrado surgiu justamente da inveracidade do conceito. Entendo, tio Rei, que o âmago do seu texto, o princípio motor, a causa final do seu texto está enormemente equivocado. E também os aspectos acessórios padecem do mesmo erro. Já adianto qual o objeto da contenda para que não haja dúvidas.

Diferente do articulista de Veja – que respeito e considero um dos mais destemidos e perspicazes em assunto de política – a conservação da Igreja Católica não depende da abolição do celibato sacerdotal. A Igreja definitivamente não corre risco de acabar por causa dos “escândalos” que recaem frequentemente sobre seus ombros. Não, tio Rei, não vou usar um argumento teológico para acabar o debate. Não é que “portae inferi non praevalebunt” (Mt 16,17ss). Bem, pelo menos não é só isso… rsrsrs…

Tem algo mais que o dado teológico, Reinaldo. É que, usando a lógica tão querida do amigo, quando o senhor afirma que o celibato fará perder a Igreja, também permite a dedução que o casamento a salvará. Ora, se para o senhor o celibato é um mal para a Igreja latina – a única que mantém a obrigatoriedade para seus ministros ordenados -, é necessário ser o matrimônio a salvação para os problemas que afligem a Igreja e seus ministros ordenados. Aliás, o senhor mesmo diz que “a obrigação deveria ser o casamento”, não o celibato.

Mas tio Rei, não parece ser assim. Aprendi – e confirmei-o lendo seus textos – que o critério para nossas ideias tem de ser a realidade, o mundo, os fatos. Alguém tão apegado aos próprios ideais, às próprias inspirações, às próprias convicções não é bom conselheiro nem para si próprio. Cria ídolos para os quais, mais cedo ou mais tarde, terá de sacrificar justamente a realidade, o mundo, os fatos. Quem casa-se de modo indissolúvel com suas próprias perspectivas de mundo, apenas porque são suas, não aprendeu a máxima socrática mais útil: “desconfiar do que sabe”. Só aquele que é capaz de rever suas convicções – e porque não? alguns falsos princípios – consegue ser fiel a si mesmo e, nesse caso, a Deus. Definitivamente, não acho que o tio Rei é daqueles que se casam com suas próprias inspirações… ou que venera ídolos de si mesmo…

No caso do celibato, tio Rei, os fatos não garantem sua tese: na Igreja Católica de rito oriental – onde é permitido que pessoas já casadas tomem o sacerdócio -, não há um florescimento das vocações sacerdotais ou religiosas. Muito menos há uma primavera da fé cristã no Oriente, que possui 0,1% dos católicos no mundo (cerca de 16 milhões de fiéis). Ora, como dizer isso com a caridade que merece? Tio Rei, o senhor está errado!

Acredite-me que não digo isso com alegria, mas com a dor que convém aos que corrigem, mas é preciso dizer. A Igreja Católica não está em crise por causa do celibato, pois se assim o fosse, o Oriente deveria ser um oásis de Cristianismo. Ora, os fatos não concordam com a tese. Portanto, deve-se desconfiar da tese…

Já disse, em outro lugar, que a crise de todas as vocações é um problema de generosidade; e a crise institucional pela qual a Igreja passa hoje nem de perto se parece com a crise do século X, o “Século de Chumbo” da Igreja. É claro, não é o caso de comemorar a infidelidade de um padre. Mas também não é o caso de queimar os códigos eclesiásticos no cadinho.

Reinaldo, peço desculpas por não tratar da menção a São Pedro, por óbvio. É claro que os católicos sabem que seu primeiro papa foi casado. Aliás, é piada comum nas igrejas que essa justamente foi a causa da negação de Pedro: a cura da sua sogra.

Noves fora a brincadeira, voltemos, tio Rei…

Para dar força à tese, o senhor pediu ajuda a um Santaço: São Paulo. Nas suas palavras, ele “recomenda” que os bispos sejam casados. Ora, Reinaldo, recomendação é uma coisa e dever é outra. Além do mais, desculpe o abuso, o senhor sabe muito de política e de marxismo. E a razão é bastante razoável: o senhor era comunista e viveu isso na pele. Mas teologia e Sagrada Escritura, desculpe, não são simples assim. Não basta ler o que está escrito, mas importa ver antecedentes e consequentes escriturísticos, premissas históricas, dificuldades literárias e históricas. Dizendo de outro modo: não basta saber ler (mesmo que muito bem, como o senhor, tio Rei) para entender a Sagrada Escritura. Urge um cabedal teórico.

No texto de São Paulo a São Timóteo (bispo celibatário), o que se discute não é o celibato ou o casamento com uma esposa. O que São Paulo quer reprovar é o casamento com uma ou com mais esposas, usual naquela época e lugar. “Forçar a barra”, tio Rei, é fazer um texto dizer o que nunca foi sua intenção, ainda que as intenções sejam boas.

O resto do seu texto, tio Rei, é para demonstrar como os escândalos evitados pela vida matrimonial dos ministros traria mais respeitabilidade à Igreja, protegendo-a. Entendo que já foi demonstrado, com os fatos tirados do exemplo da Igreja Oriental, que isso não é verdade.

Ademais, Reinaldo, você se diz católico, não é? Pois bem, esqueceu que mataram o Mestre e Senhor? O que não se fará com seus seguidores, tio Rei? É claro que esse dado escriturístico não pode ser usado para desculpar pecados. Mas desejar uma Igreja sem perseguição, sem crise, sem ataques é uma quimera. O futuro não é o Gênesis, é o Apocalipse. Os cristãos devem entender, o quanto antes, que a humanidade não caminha para o Paraíso (aliás, promessa diabólica aos primeiros pais repetida pelos comunistas), mas segue para uma luta sangrenta do bem contra o mal, cujo fim é a vitória de Deus, mas com vítimas fatais.

Que não sejamos eu e você, tio Rei, os que verão sua fé, sangrando, perecer por causa dos desmandos e maus testemunhos. Que nessa batalha – que já começou mas não acabará tão cedo – saiamos com nossa fé incólume.

Tio Rei, com o carinho que o senhor merece, tenho de dizer que política é no que o senhor é bom. Em teologia ainda tem algo a aprender…

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