“Sola fide”, “sola gratia” e Fé Católica

Dois dos princípios fundamentais do Protestantismo são conhecidos pelas expressões latinas “sola fide” (somente a fé) e “sola gratia” (somente a graça). Ambas as expressões, no fim das contas, querem dizer a mesma coisa: o homem não pode fazer nada por sua salvação, restando-lhe apenas crer em Cristo e confiar na graça divina. Lutero, que pode ser considerado “o Pai do Protestantismo”, insurgiu-se contra a doutrina católica segundo a qual o homem pode e deve cooperar para sua salvação, defendendo, ao contrário, que o ser humano “é totalmente incapaz de contribuir para sua própria salvação.”[1]

Não obstante, se atentarmos bem para o desenrolar da História, o que se viu desde então foi que, no Protestantismo, é ao homem, isto é, a cada indivíduo, que cabe, por esforço próprio (embora, teoricamente, sob o auxílio do Espírito Santo), descobrir “o verdadeiro sentido da fé”, mediante a leitura da Bíblia. Nesse sentido, ainda que de modo involuntário e inconsciente, foram abandonados os princípios “sola fide” e “sola gratia”, passando a recair sobre a individualidade (subjetividade) toda a responsabilidade pela compreensão do que seja a verdadeira Fé Cristã, dispensando-se, na prática, dois mil anos de ensinamentos da Tradição e do Magistério.

Essa perspectiva, inclusive, repercutiu em toda a História do Pensamento Ocidental a partir de Lutero. Desde Kant, que fora luterano, toda a filosofia moderna foi influenciada por essa ênfase no indivíduo, constituindo um caudaloso rio que veio desembocar no oceano de subjetivismo e relativismo em que nos encontramos na atualidade.

No entanto, se pudéssemos retroceder na História em aproximadamente cinco séculos, e então refletíssemos bem sobre os aludidos princípios “sola fide” e “sola gratia”, perceberíamos que, a rigor, somente a Fé Católica permite ao homem reconhecer e vivenciar a fé e a graça como os únicos meios pelos quais o ser humano pode receber de Deus a salvação. Isso porque somente na Fé Católica o homem pode, efetivamente, reconhecer a sua precariedade intrínseca e então compreender que somente em Deus podemos encontrar o sentido e as diretrizes para a nossa existência. E compreendendo isso, o homem percebe que não pode fazer nada além de depositar a sua individualidade, a sua consciência, enfim, o seu ser aos pés da Cruz, e receber de Cristo, isto é, da Igreja, a diretriz e a graça sem as quais todos nós estamos perdidos. Pois Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Redentor, instituiu a Igreja Católica para que Ele continuasse perpetuamente conosco. A Igreja, com seus sacramentos, com seus ensinamentos e com a autoridade que, outorgada pelo seu Fundador, é-lhe inerente e exclusiva, é a única garantia possível de que não estamos sós, de que não fomos abandonados à nossa própria precariedade.

Assim, não é a cada indivíduo que compete “descobrir”, por si mesmo, o “verdadeiro” sentido da Fé Cristã. Ao contrário, sem Cristo (isto é, sem a Igreja) nada podemos saber nem fazer. Nosso Senhor, conhecendo profundamente a nossa natureza humana, sabia que inevitavelmente necessitaríamos de uma autoridade que nos arrancasse do subjetivismo e nos permitisse encontrar critérios objetivos pelos quais pudéssemos conhecer a vontade de Deus para além de todo e qualquer relativismo. E foi por isso que Nosso Senhor instituiu a Igreja Católica.

Sendo assim, os princípios “sola fide” e “sola gratia”, apesar das conseqüências nefastas que produziram no âmbito protestante, constituem uma importante oportunidade para reflexão sobre o verdadeiro sentido da fé cristã e da própria condição humana: em função da nossa precariedade, somente a fé em Cristo e nas Suas promessas nos permite encontrar, na única Igreja que Ele fundou — e onde as suas promessas se consubstanciam —, a graça sem a qual nada somos e nada podemos fazer. Somente na Igreja Católica podemos reconhecer a nossa debilidade, e receber, pela fé e pela graça de Deus, a direção para as nossas vidas para além dos nossos gostos, opiniões e preferências individuais.

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NOTA:

[1] HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. Porto Alegre: Concórdia, 2003, p. 198.

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