- Autor: Alexandre A. Bastos
- Fonte: Lista Reflexões
- Transmissão: Antonio Xisto de Arruda
O quinto evangelho, segundo o herético filme norte-americano “Stigmata”, teria sido escondido do mundo pela Igreja Católica para que esta assegurasse seu poder. O quinto evangelho anunciaria o sentimento religioso, a desnecessidade de cumprir quaisquer ritos religiosos e o culto exclusivo a um Deus tão interior e pessoal quanto o umbigo do fiel. São estas as principais heresias desse filme que integra a última fornada de filmes anti-cristãos, entre os quais se incluem desde O Padre, da Walt Disney, até Dogma, da mesma produtora. No entanto, e apesar de ser forte a concorrência, Stigmata é de longe o mais herético, e foi por isto o único a merecer um artigo.
Mas ainda não disse tudo. Releio a última frase acima e vejo que faltou dizer o principal, aquilo que realmente me motivou a escrever estas linhas: faltou dizer que Stigmata é um filme diferente. Ora, não há um único filme hoje em dia que não seja ou contenha algo de anti-cristão. Vivemos numa espécie de militância constante; cada filme, cada revista, a cultura toda parece estar unida em torno de uma única coisa, a crítica ao cristianismo. Ora, se isso é verdade, por que escrever a resenha de mais um filme anti-cristão? Por que se importar? Como disse, Stigmata é um filme diferente pois traz… uma “boa mensagem”. Quase diria, uma “boa nova”, um novo – “o quinto” – evangelho.
Botando os pés bem firmes no chão, sabemos que a idéia de um quinto evangelho escondido pela Igreja é, em si mesma, absurda. Mais ainda, sabemos que um evangelho tal como o proposto pelo filme seria a negação direta dos outros quatro evangelhos. Em outras palavras, o quinto evangelho seria a inversão do catolicismo – ou seja, algo de puramente sinistro. Mas o que mais me espanta é saber de pessoas que assistiram o filme e saíram felizes, acreditando que o filme encerrava uma mensagem de bem. “Chegará um tempo em que aqueles que vos perseguirem acreditarão estar a serviço de Deus”. É curioso observar que o slogan do filme diz, sem ironia, que Stigmata “trará o inferno para dentro de você”.
Quanto às idéias principais deste quinto evangelho, conforme descritas no primeiro parágrafo desse texto, não passam de absurdos puro e simples. A idéia da Igreja ter escondido o evangelho para manter seu poder não só confunde poder temporal com autoridade espiritual – separação aliás que é justamente uma das marcas do catolicismo, sobretudo ao compará-lo com o mundo pagão da época – como faz tábula rasa dos 300 anos de martírio na fundação mesma da religião, e de toda a Idade média. De fato, o poder temporal do catolicismo, tal como o conhecemos, data da Renascença.
Já a idéia do primado do sentimento religioso sobre a fé, fruto da concepção de um Deus pessoal, é um deleite pela facilidade de se ver refutada: em primeiro lugar, o sentimento religioso é um sentimento, provém dos sentidos, portanto. Já a fé é uma adesão da inteligência a uma Verdade intuída, logo é um ato de intelecção. Assim sendo, afirmar o primado do sentimento religioso sobre a fé é o mesmo que afirmar o primado dos sentimentos sobre a inteligência, o que é estúpido; em segundo lugar, o sentimento religioso, a religiosidade, tal como definida usualmente, é comum a todos os homens, independente de serem cristãos, judeus ou pagãos. Ora, se o sentimento religioso é superior à fé, para que, então, ocorrem as revelações? Por que o Cristo então incentivou tão acentuado desvio em relação ao mundo pagão? Qual o sentido do martírio, não apenas dos primeiros cristãos, mas do próprio Cristo?
A idéia do Deus pessoal, epítome dessa brincadeira ímpia chamada New Age, não passa de uma tolice kantiana digna de Shirley McLaine e indigna de qualquer pessoa que queira ser levada a sério. Que absurdo este que coloca sobre o sacrifício muito objetivo do Cristo no Gólgota a própria subjetividade! Crer num Deus pessoal, subjetivo, significa necessariamente que:
- Deus existe somente subjetivamente; ou que
- Deus existe objetivamente, mas só pode ser conhecido subjetivamente.
A primeira conclusão significa precisamente que Deus não existe e, portanto, tanto faz se nele cremos ou não. A segunda conclusão, por sua vez, significa que Deus existe mas não podemos crer nele, pois não é possível crer ou descrer em algo que desconhecemos totalmente. Deus, segundo esta última conclusão, teria provavelmente, em sua infinita sabedoria, criado a imaginação para completarmos Sua ausência com nossa criatividade… Seria como um pai que abandonasse as crianças em baixo da ponte e lhes desse, como consolo, uma caixinha de lápis de colorir. O que mais me impressiona nesta teoria, uma das favoritas do festivo movimento New Age, é ver a quantidade de livros que sobre esse assunto são publicados; ora, se Deus é pessoal, se não pode ser conhecido objetivamente, o que adianta escrever a Seu respeito?
Resta por fim, entre as várias heresias do filme, analisar justamente aquela que leva o título. Não importa o que possam dizer os protestantes, os espíritas, os umbandistas, pois estigma é sinal de santidade. Francisco de Assis, após toda uma vida de santidade, recebeu, no momento mais sublime de sua história, as 5 chagas do Cristo. Um outro exemplo é o do recém beatificado Padre Pio, cujo processo de canonização está sendo movido pelo próprio Papa João Paulo II, testemunha ocular de um dos seus milagres. O capuchinho de Pietrelcina, que hoje só perde em devotos na Itália para o próprio Francisco de Assis, portou durante 50 anos as chagas, e é grande o número de fotos do frade e seus estigmas1.
Podem, alguns argumentar que se trata apenas de uma ficção, mas a história está repleta de exemplos de ficções que, à opinião pública, tornaram-se realidade: tome os exemplos dos papas Alexandre Bórgia2 e Pio XII, por exemplo. Em ambos os casos, bastou uma simples peça de teatro difamatória para macular a imagem destes grandes papas para todas as gerações posteriores. A falta de informação da maioria das pessoas faz com que, a seus olhos, a ficção se torne verossímil – o que já é motivo suficiente para se combater o filme. Pois consentir na sua verossimilhança, já é concorrer para a apostasia.
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NOTAS
[1] Remeto o leitor ao site http://www.capuchinfriars.org.au/padrepio.htm ou o mais completo http://www.abol.it/padrepio.
[2] O papa Alexandre VI, avô de S. Francisco de Bórgia, teve de fato amantes, a maioria das quais antes de ter sido ordenado, mas nunca foi provado, e é de fato inverossímil que tenha tido a própria filha como amante. Quando repreendido por sua conduta, o Papa pediu publicamente perdão por suas faltas e só não deixou a Santa Sé porque os fiéis, em reconhecimento de tudo aquilo que ele havia feito pela Igreja, foram contra.