Carta Apostólica sob forma de “Motu Proprio”
SUMMORUM PONTIFICUM
sobre o uso da liturgia romana anterior à Reforma realizada em 1970.

Os sumos pontífices até nossos dias preocuparam-se constantemente para que a Igreja de Cristo oferecesse à Divina Majestade de um culto digno de “louvor e glória a seu nome” e “do bem de toda a sua Santa Igreja”.

Desde tempo imemoriável, como também para o futuro, é necessário manter o princípio segundo o qual “cada Igreja particular deve estar de acordo com a Igreja universal não só quanto à doutrina da fé e aos sinais sacramentais, mas também quanto aos usos universalmente aceitos pela tradição apostólica e ininterrupta, que devem ser observados não só para evitar os erros, mas também para permitir a integridade da fé, de modo que a regra da oração da Igreja corresponda também à sua regra de fé”.

Entre os pontífices que tiveram essa preocupação ressalta o nome de São Gregório Magno, que se esforçou por transmitir aos novos povos da Europa tanto a fé católica como os tesouros do culto e da cultura acumulados pelos romanos nos séculos precedentes. Ordenou que fosse definida e conservada a forma da Sagrada Liturgia, relativa tanto ao Sacrifício da Missa como ao Ofício Divino, no modo em que se celebrava na Urbe. Promoveu com a máxima atenção a difusão dos monges e monjas, que, agindo segundo a Regra de São Bento, sempre junto com o anúncio do Evangelho, exemplificaram com sua vida a tão salutar máxima da Regra: “Nada se anteponha à obra de Deus” (cap. 43). Dessa forma a Sagrada Liturgia, celebrada segundo o uso romano, enriqueceu não somente a fé e a piedade, mas também a cultura de muitas populações. Consta efetivamente que a liturgia latina da Igreja em suas várias formas, durante todos os séculos da era cristã, impulsionou na vida espiritual numerosos santos e fortaleceu a tantos povos na virtude da religião, e fecundou sua piedade.

Muitos outros Pontífices Romanos, no transcurso dos séculos, mostraram particular solicitude para que a Sagrada Liturgia manifestasse da forma mais eficaz essa tarefa; dentre eles se destaca São Pio V, que, com grande zelo pastoral, segundo a exortação do Concílio de Trento, renovou todo o culto da Igreja, revisou a edição dos livros litúrgicos emendados e “renovados segundo a norma dos Padres”, e os pôs em uso na Igreja Latina. Entre os livros litúrgicos do Rito Romano, sobressai o Missal Romano, que se desenvolveu na cidade de Roma e que, pouco a pouco, com o transcurso dos séculos,tomou formas que têm grande semelhança com aquela vigente em gerações mais recentes.

“Este mesmo objetivo buscaram os Pontífices Romanos no curso dos séculos seguintes, assegurando a atualização ou definindo os ritos e livros litúrgicos, e empreendendo, a partir do início deste século, uma reforma mais geral” (Carta apostólica Vicessimus Quintus Annus – Papa João Paulo II). Foi desta forma que atuaram nossos predecessores Clemente VIII, Urbano VIII, São Pio X, Bento XV, Pio XII e o Bem-aventurado João XXIII.

Mais recentemente, porém, o Concílio Vaticano II expressou o desejo de que, com o devido respeito e reverência pelo culto divino, este fosse renovado e adaptado as necessidades de nossa época. Movido por esse desejo, nosso predecessor, o Sumo Pontífice Paulo VI, aprovou em 1970 para a Igreja Latina os livros litúrgicos reformados, e, em parte, renovados. Estes livros foram traduzidos em muitas línguas em todas as partes do mundo e foram acolhidos com muito agrado pelos Bispos, bem como pelos sacerdotes e fiéis. João Paulo II revisou a terceira edição típica do Missal Romano. Assim os Pontífices Romanos atuaram “para que esse, por assim dizer, edifício litúrgico […] aparecesse novamente esplêndido em sua dignidade e harmonia” (Papa Pio X, Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio Abhinc Duos Annos e Carta Apostólica Vicessimus Quintus Annus João Paulo II). Em algumas regiões, contudo, não poucos fiéis aderiram e seguem aderindo com muito amor e afeto às formas litúrgicas anteriores, que haviam embebido tão profundamente sua cultura e seu espírito, que o Sumo Pontífice João Paulo II, movido pela preocupação pastoral em relação a esses fiéis, no ano de 1984, com o indulto especial Quattuor Abhinc Annos, emitido pela Congregação para o Culto Divino, concedeu a faculdade de usar o Missal Romano editado pelo Bem-aventurado João XXIII no ano de 1962; depois disso, no ano de 1988, com a Carta Apostólica Ecclesia Dei, dada sob a forma de Motu Proprio, João Paulo II exortou novamente os Bispos a utilizarem ampla e generosamente essa possibilidade em favor de todos os fiéis que a solicitassem.

Tendo ponderado amplamente os insistentes pedidos destes fiéis a nosso Predecessor João Paulo II, tendo escutado os Padres Cardeais no Consistório de 23 de março de 2006, após haver avaliado exaustivamente todos os elementos, invocado o Espírito Santo e pondo a nossa confiança no auxílio de Deus, pela presente Carta Apostólica estabelecemos o seguinte:

Art. 1 – O missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária da Lex orandi da Igreja Católica de rito latino. Contudo, o Missal Romano promulgado por São Pio V e publicado novamente pelo Bem-aventurado João XXIII deve ser considerado como expressão extraordinária da mesma Lex orandi da Igreja e, em razão do seu venerável e antigo uso, goze da devida honra. Estas duas expressões da Lex orandi da Igreja não levarão de forma alguma a uma divisão da Lex credendi da Igreja; são, de fato, dois usos do único Rito romano.

Portanto, é lícito celebrar o Sacrifício da Missa segundo edição típica do Missal Romano promulgada pelo Bem-aventurado João XXIII em 1962, e nunca ab-rogada, como forma extraordinária da Liturgia da Igreja. Contudo, as condições para o uso desse Missal, estabelecidas nos documentos anteriores Quattuor Abhinc Annos e Ecclesia Dei, serão substituídas como se estabelece a seguir:

Art. 2 – Nas missas celebradas sem o povo, todo sacerdote católico de rito latino, tanto secular como religioso, pode utilizar seja o Missal Romano editado pelo Bem-aventurado Papa João XXIII em 1962, seja o Missal Romano promulgado pelo Papa Paulo VI em 1970, em qualquer dia, exceto no Tríduo Sacro. Para a celebração segundo um ou outro Missal, o sacerdote não necessita de nenhuma permissão, nem da Sé Apostólica nem do seu Ordinário.

Art. 3 – Se as comunidades dos Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, de direito tanto pontifício como diocesano, desejam ter uma celebração da Santa Missa, na celebração conventual ou “comunitária” em seus oratórios próprios, segundo a edição do Missal Romano promulgado em 1962, lhes é permitido. Se uma comunidade individual ou um instituto inteiro ou Sociedade deseja ter tais celebrações freqüente, habitualmente ou permanentemente, o assunto deve ser decidido pelos Superiores Maiores, segundo as normas do direito e segundo as leis e os estatutos particulares.

Art. 4 – Às celebrações da Santa Missa a qual se refere o artigo 2, também podem ser admitidos – observados as normas de direito – os fiéis que o peçam espontaneamente.

Art. 5, parágrafo 1º – Nas paróquias onde haja estável de fiéis aderentes, de maneira estável, à precedente tradição litúrgica, o pároco acolherá de bom grado seu pedido de celebrar a Santa Missa segundo o rito do Missal Romano editado em 1962. Deve procurar que o bem desses fiéis se harmonize com atenção pastoral ordinária da paróquia, sob direção do Bispo, como estabelece o cânon 392, evitando a discórdia e favorecendo a unidade de toda a Igreja.

Parágrafo 2º – A celebração segundo o Missal do Bem-aventurado João XXIII pode ocorrer em dia de semana; nos domingos e nas festividades pode haver também uma celebração desse tipo.

Parágrafo 3º – O pároco permita também aos fiéis e sacerdotes que solicitem a celebração nessa forma extraordinária em circunstâncias particulares, como matrimônios, exéquias ou celebrações ocasionais como, por exemplo, peregrinações.

Parágrafo 4º – Os sacerdotes que utilizam o Missal do Bem-aventurado João XXIII devem ser idôneos e não ter nenhum impedimento jurídico.

Parágrafo 5º – Nas igrejas que não são paróquias nem conventuais, é competência do Reitor conceder a licença anteriormente mencionada.

Art. 6 – Nas missas celebradas com o povo segundo o Missal de Bem-aventurado João XXIII, as leituras podem ser proclamadas também em língua vernácula, usando-se edições reconhecidas pela Sé Apostólica.

Art. 7 – Se um grupo de fiéis leigos, como o citado no artigo 5, parágrafo 1º, não tiver obtido o que solicitou do pároco, informe o Bispo diocesano sobre o fato. Pede-se vivamente ao Bispo que satisfaça o desejo deles. Se ele não puder prover tal celebração, o assunto seja referido à Pontifícia Comissão Ecclesia Dei.

Art. 8 – O Bispo que deseja responder a essas petições dos fiéis leigos, mas que, por diferentes causas, se vê impedido de fazê-lo, pode referir o assunto à Comissão Ecclesia Dei que oferecerá conselho e ajuda.

Art. 9, Parágrafo 1º – Da mesma forma o pároco, após ter considerado bem todos os elementos, pode conceder a licença para usar o ritual mais antigo na administração dos sacramentos do Batismo, do Matrimônio, da Penitência e da Unção dos Enfermos, se o requer o bem das almas.

Parágrafo 2º – Aos ordinários concede-se a faculdade de celebrar o sacramente da Confirmação o Pontifical Romano antigo, sempre que o requeira o bem das almas.

Parágrafo 3º – Aos clérigos constituídos in sacris é lícito usar o Breviário Romano promulgado pelo Bem-aventurado João XXIII em 1962.

Art. 10 – O Ordinário do lugar, se o considerar oportuno, pode erigir uma paróquias pessoal segundo a norma de cânon 518 para as celebrações segundo a forma mais antiga do Rito Romano, ou nomear um capelão, observadas as normas de direito.

Art. 11 – A Pontifícia Comissão Ecclesia Dei ereta por João Paulo II em 1988, segue exercendo sua função. Esta Comissão tenha a forma e cumpra as tarefas e as normas de ação que o Romano Pontífice queira atribuir-lhe.

Art. 12 – A mesma Comissão, além das faculdades de que já goza, exercerá a autoridade da Santa Sé, vigiando sobre a observância e aplicação destas disposições.

Tudo quanto temos estabelecido com esta Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio ordenamos que se considere “estabelecido e decretado” e que se observe a partir de 14 de setembro deste ano, festa e exaltação da Santa Cruz, não obstante o que possa haver em contrário.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 7 de julho, Ano do Senhor de 2007, terceiro do nosso Pontificado.

Bento XVI Papa

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Carta de Bento XVI que acompanha o “Motu Proprio” Summorum Pontificum

Amados Irmãos no Episcopado,

Com grande confiança e esperança, coloco nas vossas mãos de Pastores o texto duma nova Carta Apostólica «Motu Proprio data» sobre o uso da liturgia romana anterior à reforma realizada em 1970. O documento é fruto de longas reflexões, múltiplas consultas e de oração.

Notícias e juízos elaborados sem suficiente informação criaram não pouca confusão. Há reacções muito divergentes entre si que vão de uma entusiasta aceitação até uma férrea oposição a respeito de um projecto cujo conteúdo na realidade não era conhecido.

Contrapunham-se de forma mais directa a este documento dois temores, dos quais me quero ocupar um pouco mais detalhadamente nesta carta.

Em primeiro lugar, há o temor de que seja aqui afectada a autoridade do Concílio Vaticano II e que uma das suas decisões essenciais – a reforma litúrgica – seja posta em dúvida. Tal receio não tem fundamento. A este respeito, é preciso antes de mais afirmar que o Missal publicado por Paulo VI, e reeditado em duas sucessivas edições por João Paulo II, obviamente é e permanece a Forma normal – a Forma ordinária – da Liturgia Eucarística. A última versão do Missale Romanum, anterior ao Concílio, que foi publicada sob a autoridade do Papa João XXIII em 1962 e utilizada durante o Concílio, poderá, por sua vez, ser usada como Forma extraordinária da Celebração Litúrgica. Não é apropriado falar destas duas versões do Missal Romano como se fossem «dois ritos». Trata-se, antes, de um duplo uso do único e mesmo Rito.

Quanto ao uso do Missal de 1962, como Forma extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o facto de que este Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em princípio sempre continuou permitido. Na altura da introdução do novo Missal, não pareceu necessário emanar normas próprias para um possível uso do Missal anterior. Supôs-se, provavelmente, que se trataria de poucos casos individuais que seriam resolvidos um a um na sua situação concreta. Bem depressa, porém, se constatou que não poucos continuavam fortemente ligados a este uso do Rito Romano que, desde a infância, se lhes tornara familiar. Isto aconteceu sobretudo em países onde o movimento litúrgico tinha dado a muitas pessoas uma formação litúrgica notável e uma profunda e íntima familiaridade com a Forma anterior da Celebração Litúrgica. Todos sabemos que, no movimento guiado pelo Arcebispo Lefebvre, a fidelidade ao Missal antigo apareceu como um sinal distintivo externo; mas as razões da divisão, que então nascia, encontravam-se a maior profundidade. Muitas pessoas, que aceitavam claramente o carácter vinculante do Concílio Vaticano II e que eram fiéis ao Papa e aos Bispos, desejavam contudo reaver também a forma, que lhes era cara, da sagrada Liturgia; isto sucedeu antes de mais porque, em muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável. Falo por experiência, porque também eu vivi aquele período com todas as suas expectativas e confusões. E vi como foram profundamente feridas, pelas deformações arbitrárias da Liturgia, pessoas que estavam totalmente radicadas na fé da Igreja.

Por isso, o Papa João Paulo II viu-se obrigado a estabelecer, através do Motu Proprio «Ecclesia Dei» de 2 de Julho de 1988, um quadro normativo para o uso do Missal de 1962, que no entanto não contém prescrições detalhadas, mas fazia apelo, de forma mais geral, à generosidade dos Bispos para com as «justas aspirações» dos fiéis que requeriam este uso do Rito Romano. Naquela altura, o Papa queria assim ajudar sobretudo a Fraternidade São Pio X a encontrar de novo a plena unidade com o Sucessor de Pedro, procurando curar uma ferida que se ia fazendo sentir sempre mais dolorosamente. Até agora, infelizmente, esta reconciliação não se conseguiu; todavia várias comunidades utilizaram com gratidão as possibilidades deste Motu Proprio. Continuava aberta, porém, a difícil questão do uso do Missal de 1962 fora destes grupos, para os quais faltavam precisas normas jurídicas, antes de mais porque, nestes casos, frequentemente os Bispos temiam que a autoridade do Concílio fosse posta em dúvida. Logo a seguir ao Concílio Vaticano II podia-se supor que o pedido do uso do Missal de 1962 se limitasse à geração mais idosa que tinha crescido com ele, mas entretanto vê-se claramente que também pessoas jovens descobrem esta forma litúrgica, sentem-se atraídas por ela e nela encontram uma forma, que lhes resulta particularmente apropriada, de encontro com o Mistério da Santíssima Eucaristia. Surgiu assim a necessidade duma regulamentação jurídica mais clara, que, no tempo do Motu Proprio de 1988, não era previsível; estas Normas pretendem também libertar os Bispos do dever de avaliar sempre de novo como hão-de responder às diversas situações.

Em segundo lugar, nas discussões à volta do esperado Motu Proprio, manifestou-se o temor de que uma possibilidade mais ampla do uso do Missal de 1962 levasse a desordens ou até a divisões nas comunidades paroquiais. Também este receio não me parece realmente fundado. O uso do Missal antigo pressupõe um certo grau de formação litúrgica e o conhecimento da língua latina; e quer uma quer outro não é muito frequente encontrá-los. Por estes pressupostos concretos, já se vê claramente que o novo Missal permanecerá, certamente, a Forma ordinária do Rito Romano, não só porque o diz a normativa jurídica, mas também por causa da situação real em que se encontram as comunidades de fiéis.

É verdade que não faltam exageros e algumas vezes aspectos sociais indevidamente vinculados com a atitude de fiéis ligados à antiga tradição litúrgica latina. A vossa caridade e prudência pastoral hão-de ser estímulo e guia para um aperfeiçoamento. Aliás, as duas Formas do uso do Rito Romano podem enriquecer-se mutuamente: no Missal antigo poderão e deverão ser inseridos novos santos e alguns dos novos prefácios. A Comissão «Ecclesia Dei», em contacto com os diversos entes devotados ao usus antiquior, estudará as possibilidades práticas de o fazer. E, na celebração da Missa segundo o Missal de Paulo VI, poder-se-á manifestar, de maneira mais intensa do que frequentemente tem acontecido até agora, aquela sacralidade que atrai muitos para o uso antigo. A garantia mais segura que há de o Missal de Paulo VI poder unir as comunidades paroquiais e ser amado por elas é celebrar com grande reverência em conformidade com as rubricas; isto torna visível a riqueza espiritual e a profundidade teológica deste Missal.

Cheguei assim à razão positiva que me motivou para actualizar através deste Motu Proprio o de 1988. Trata-se de chegar a uma reconciliação interna no seio da Igreja. Olhando para o passado, para as divisões que no decurso dos séculos dilaceraram o Corpo de Cristo, tem-se continuamente a impressão de que, em momentos críticos quando a divisão estava a nascer, não fora feito o suficiente por parte dos responsáveis da Igreja para manter ou reconquistar a reconciliação e a unidade; fica-se com a impressão de que as omissões na Igreja tenham a sua parte de culpa no facto de tais divisões se terem podido consolidar. Esta sensação do passado impõe-nos hoje uma obrigação: realizar todos os esforços para que todos aqueles que nutrem verdadeiramente o desejo da unidade tenham possibilidades de permanecer nesta unidade ou de encontrá-la de novo. Vem-me à mente uma frase da segunda carta aos Coríntios, quando Paulo escreve: «Falámo-vos com toda a liberdade, ó Coríntios. O nosso coração abriu-se plenamente. Há nele muito lugar para vós, enquanto no vosso não há lugar para nós (…): pagai-nos na mesma moeda, abri também vós largamente o vosso coração» (2 Cor 6, 11-13). É certo que Paulo fala noutro contexto, mas o seu convite pode e deve tocar-nos também a nós, precisamente neste tema. Abramos generosamente o nosso coração e deixemos entrar tudo aquilo a que a própria fé dá espaço.

Não existe qualquer contradição entre uma edição e outra do Missale Romanum. Na história da Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura. Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar. Obviamente, para viver a plena comunhão, também os sacerdotes das Comunidades aderentes ao uso antigo não podem, em linha de princípio, excluir a celebração segundo os novos livros. De facto, não seria coerente com o reconhecimento do valor e da santidade do novo rito a exclusão total do mesmo.

Em conclusão, amados Irmãos, tenho a peito sublinhar que as novas normas não diminuem de modo algum a vossa autoridade e responsabilidade sobre a liturgia nem sobre a pastoral dos vossos fiéis. Com efeito, cada Bispo é o moderador da liturgia na própria diocese (cf. Sacrosanctum Concilium, n.º 22: «Sacræ Liturgiæ moderatio ab Ecclesiæ auctoritate unice pendet quæ quidem est apud Apostolicam Sedem et, ad normam iuris, apud Episcopum»).

Por conseguinte, nada se tira à autoridade do Bispo, cuja tarefa, em todo o caso, continuará a ser a de vigiar para que tudo se desenrole em paz e serenidade. Se por hipótese surgisse qualquer problema que o pároco não pudesse resolver, sempre poderia o Ordinário local intervir, mas em plena harmonia com quanto estabelecido pelas novas normas do Motu Proprio.

Além disso, convido-vos, amados Irmãos, a elaborar para a Santa Sé um relatório sobre as vossas experiências, três anos depois da entrada em vigor deste Motu Proprio. Se verdadeiramente tiverem surgido sérias dificuldades, poder-se-á procurar meios para lhes dar remédio.

Amados Irmãos, com ânimo grato e confiante, entrego ao vosso coração de Pastores estas páginas e as normas do Motu Proprio. Tenhamos sempre presente as palavras dirigidas pelo Apóstolo Paulo aos anciãos de Éfeso: «Tomai cuidado convosco e com todo o rebanho, do qual o Espírito Santo vos constituiu vigilantes para apascentardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com o sangue do seu próprio Filho» (Act 20, 28).

Confio à poderosa intercessão de Maria, Mãe da Igreja, estas novas normas e de coração concedo a minha Bênção Apostólica a vós, amados Irmãos, aos párocos das vossas dioceses, e a todos os sacerdotes, vossos colaboradores, como também a todos os vossos fiéis.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 7 de Julho de 2007.

Bento XVI Papa

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