Textos catequéticos para a Vigília de Pentecostes

1.PENTECOSTES: HISTÓRICO

Pentecostes era uma das grandes festas judaicas em que muitos israelitas peregrinavam a caminho da Cidade Santa para adorarem a Deus no Templo. A princípio, celebrava o fim do tempo das colheitas, com cerimônias de ação de graças e oferecimento das primícias; posteriormente, acrescentou-se a recordação da promulgação da Lei, dada a Moisés no Sinai. Comemorava-se cinquenta dias (sete semanas) após a Páscoa. Hoje em dia comemoramos a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos no Cenáculo, com a manifestação pública da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.

2. ESPÍRITO SANTO

O Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Muito embora tenha sido a última pessoa a ser revelada, atua na história da humanidade desde o princípio. O Espírito Santo é consubstancial ao Pai e ao Filho e dEles procede. O conhecimento do Filho só é possível pela ação do Espírito Santo, através da Sua Graça (§684 CIC).

A palavra “Ruah” em hebraico quer dizer “sopro”. Nas Escrituras, é referido também como Paráclito, Consolador, Defensor (§692 CIC). Foi por sua inspiração que falaram os Profetas.

Como podemos conhecer o Espírito Santo? Na Igreja, na comunhão viva na fé dos Apóstolos que ela transmite (§688):

– nas Escrituras;

– na Tradição;

– no Magistério;

– na liturgia sacramental;

– na oração;

– através dos carismas e ministérios que edificam a Igreja;

– nos sinais de vida apostólica e missionária;

– no testemunho dos Santos.

O Pentecostes é perene, o Espírito Santo assiste a Igreja permanentemente. O que se renova é a nossa abertura, a nossa disponibilidade.

Cada lugar onde se reúnem os discípulos do Senhor é um prolongamento do primitivo cenáculo (João Paulo II, Hom. 25-V-1980).

Afastar-se da Igreja é rejeitar o Espírito Santo, e por conseguinte, excluir-se da vida. (Santo Ireneu, Adv. Haer III, 24,1).

3.NASCIMENTO DA IGREJA

Quando chegou o dia de Pentecostes, estavam todos juntos num mesmo lugar. E sobreveio de repente um ruído do céu, como de um vento impetuoso, que encheu toda a casa em que se encontravam. O Espírito Santo manifestou-se por meio dos elementos que costumavam acompanhar a presença de Deus no Antigo Testamento: o vento e o fogo – Voltamos a encontrar os elementos do vento e do fogo no Pentecostes do Novo Testamento, mas sem ressonâncias de medo. Em particular, o fogo adquire a forma de línguas que se pousam sobre cada um dos discípulos, que “ficaram todos cheios de Espírito Santo” e, em virtude de tal efusão, “começaram a falar outras línguas” (Act 2, 4). (SS Bento XVI, Hom. Pentecostes, 11-V-2008).

O fogo do Espírito, recebido pelos discípulos, vem da mesma fonte, repartindo-se sobre as cabeças; ilumina a inteligência, fazendo com que compreendam os ensinamentos de Jesus; inflama os corações de amor e coragem, fazendo com que preguem com valentia; purifica as almas do pecado.

Uma só fonte: Unidade na Diversidade […] professando juntos que “Jesus é o Senhor”, recebemos do mesmo Espírito Santo “uma variedade de carismas” e também uma “variedade de ministérios” (1 Cor 12, 13). Nesta variedade manifesta-se o único Senhor, “um só é o Deus, que opera tudo em todos” (1 Cor 12, 6). Através de muitos homens e de distintos modos de acção, realiza-se “o proveito comum” (1 Cor 12, 7) da salvação, em que se manifesta o Espírito Santo. Deste modo o Pentecostes continua sempre na Igreja neste mundo[…]. (João Paulo II, Hom. Pentecostes em Luanda, 7-VI-1992).

Fogo que ilumina e mostra a Verdade. O Espírito é Aquele que nos faz reconhecer em Cristo o Senhor, e faz-nos pronunciar a profissão de fé da Igreja: “Jesus é o Senhor” (cf. 1 Cor 12,3b). Senhor é o título atribuído a Deus no Antigo testamento, título que na leitura da Bíblia ocupava o lugar do seu impronunciável nome. O Credo da Igreja é nada mais que desenvolvimento disto que se diz com esta simples afirmação: “Jesus é o Senhor”. Dessa profissão de fé, São Paulo diz-nos que se trata da palavra e da obra do Espírito Santo. Se desejamos estar no Espírito, devemos aderir a esse Credo. Fazendo-o nosso, aceitando-o como nossa palavra, adentramos na obra do Espírito Santo. A expressão “Jesus é o Senhor” pode-se ler nos dois sentidos. Significa: Jesus é Deus, e contemporaneamente: Deus é Jesus. O Espírito Santo ilumina esta reciprocidade: Jesus tem dignidade divina, e Deus tem o rosto humano de Jesus. Deus se mostra em Jesus e, com isso, dá-nos a verdade sobre nós mesmos. Deixar-nos iluminar no profundo por essa palavra é o evento de Pentecostes. Recitando o Credo, nós entramos no mistério do primeiro Pentecostes: da desordem de Babel, daquelas vozes que se chocam uma contra a outra, acontece uma radical transformação: a multiplicidade se faz multiforme unidade, do poder unificador da Verdade cresce a compreensão. (SS Bento XVI, Hom. Pentecostes, 12-VI-2011).

Fogo que inflama de coragem. Sabemos como os discípulos se tinham refugiado no Cenáculo depois do aprisionamento do seu Mestre e aí permaneceram segregados com o temor de padecer a mesma sorte. Depois da ressurreição de Jesus, este seu medo não desapareceu repentinamente. Mas eis que no Pentecostes, quando o Espírito Santo pairou sobre eles, os homens saíram sem temor e começaram a anunciar a todos a boa notícia de Cristo crucificado e ressuscitado. Não tinham medo algum, porque se sentiam nas mãos do mais forte. Sim, queridos irmãos e irmãs, onde entra, o Espírito de Deus afasta o medo; faz-nos conhecer e sentir que estamos nas mãos de uma Omnipotência de amor: independentemente do que acontece, o seu amor infinito não nos abandona. Demonstram-no o testemunho dos mártires, a coragem dos confessores da fé, o impulso intrépido dos missionários, a sinceridade dos pregadores e o exemplo dos missionários, alguns dos quais são inclusive adolescentes e crianças. Demonstra-o a própria existência da Igreja que, não obstante os limites e as culpas dos homens, continua a atravessar o oceano da história, impelida pelo sopro do Espírito e animada pelo seu fogo purificador. (SS Bento XVI, Hom. Pentecostes, 31-V-2009)

Fogo que purifica. O fogo de Deus, o fogo do Espírito Santo, é aquele da sarça que ardia sem se consumir (cf. Êx 3, 2). É uma chama que arde, mas não destrói; aliás, ardendo faz emergir a parte melhor e mais verdadeira do homem, como numa fusão faz sobressair a sua forma interior, a sua vocação à verdade e ao amor.

Um Padre da Igreja, Orígenes, numa das suas Homilias sobre Jeremias, cita um dito atribuído a Jesus, não contido nas Sagradas Escrituras mas talvez autêntico, que reza assim: “Quem está comigo está junto do fogo” (Homilia sobre Jeremias l. I [III]). Com efeito, em Cristo habita a plenitude de Deus, que na Bíblia é comparado com o fogo. Há pouco pudemos observar que a chama do Espírito Santo arde mas não queima. E todavia, ela realiza uma transformação, e por isso deve consumir algo no homem, as escórias que o corrompem e o impedem nas suas relações com Deus e com o próximo. Porém, este efeito do fogo divino assusta-nos, temos medo de nos “queimar”, preferiríamos permanecer assim como somos. Isto depende do facto que muitas vezes a nossa vida é delineada segundo a lógica do ter, do possuir, e não do doar-se. Muitas pessoas crêem em Deus e admiram a figura de Jesus Cristo, mas quando se lhes pede que abandonem algo de si mesmas, então elas recuam, têm medo das exigências da fé. Existe o temor de ter que renunciar a algo de bonito, ao que estamos apegados; o temor de que seguir Cristo nos prive da liberdade, de certas experiências, de uma parte de nós mesmos. Por um lado, queremos permanecer com Jesus, segui-lo de perto, e por outro temos medo das consequências que isto comporta.[…]

Como Simão Pedro e os outros, temos que deixar que a sua presença e a sua graça transformem o nosso coração, sempre sujeito às debilidades humanas. Temos que saber reconhecer que perder algo, aliás, perder-se a si mesmo pelo Deus verdadeiro, o Deus do amor e da vida, é na realidade ganhar, encontrar-se mais plenamente a si próprio. […] Portanto, vale a pena deixar-se tocar pelo fogo do Espírito Santo! A dor que nos causa é necessária para a nossa transformação. É a realidade da cruz: não é por acaso que, na linguagem de Jesus, o “fogo” é sobretudo uma representação do mistério da cruz, sem o qual o cristianismo não existe. (SS Bento XVI, Hom. Pentecostes 23-V-2010).

O Livro dos Actos sublinha o facto de que “todos estavam unidos pelo mesmo sentimento, entregando-se assiduamente à oração” (1, 14). Por conseguinte, a oração é a principal actividade da Igreja nascente, mediante a qual ela recebe a sua unidade do Senhor, deixando-se orientar pela sua vontade, como demonstra também a opção de tirar à sorte para escolher aquele que passará a ocupar o lugar de Judas (cf. Act 1, 25).

Quando São Lucas fala de línguas de fogo para representar o Espírito Santo, relembra o antigo Pacto, estabelecido com base na Lei recebida por Israel sobre o Sinai. Assim, o evento de Pentecostes é representado como um novo Sinai, como o dom de um novo Pacto em que a aliança com Israel é estendida a todos os povos da Terra, em que caem todos os obstáculos da velha Lei e aparece o seu coração mais santo e imutável, isto é, o amor que exatamente o Espírito Santo comunica e difunde, o amor que abraça todas as coisas. Ao mesmo tempo, a Lei dilata-se, abre-se, também se tornando mais simples: é o Novo Pacto, que o espírito “escreve” nos corações de quanto creem em Cristo. A extensão do Pacto a todos os povos da Terra é representada por São Lucas através de um elenco de populações consideráveis por aquela época (cf. At 2,9-11). Com isso, nos é dita uma coisa muito importante: que a Igreja é católica desde o primeiro momento, que a sua universalidade não é o fruto da inclusão sucessiva de diversas comunidades. Desde o primeiro instante, de fato, o Espírito Santo a criou como a Igreja de todos os povos; essa abraça o mundo inteiro, supera todas as fronteiras de raça, classe, nação; abate todas as barreiras e une os homens na profissão do Deus uno e trino. Desde o início a Igreja é una, católica e apostólica: essa é a sua verdadeira natureza e como tal deve ser reconhecida. Ela é santa, não graças à capacidade dos seus membros, mas porque Deus mesmo, com o seu Espírito, cria-a, purifica- a e santifica-a sempre.(SS Bento XVI, Hom. Pentecostes, 12-VI-2011). Trata-se de um verdadeiro e próprio “baptismo” de fogo da comunidade, uma espécie de nova criação. No Pentecostes, a Igreja é constituída não por uma vontade humana, mas pela força do Espírito de Deus. E é imediatamente claro como este Espírito dá vida a uma comunidade que é uma só e, ao mesmo tempo, universal, superando deste modo a maldição de Babel (cf. Gn 11, 7-9). Com efeito somente o Espírito Santo, que cria unidade no amor e na aceitação recíproca das diversidades, pode libertar a humanidade da tentação constante de uma vontade de poder terreno que quer dominar e uniformizar tudo. (SS Bento XVI, Hom. Pentecostes, 11-V-2008).

4. ESPÍRITO SANTO E ATUAÇÃO NA ALMA

O cumprimento de nossa missão depende de correspondermos às moções do Espírito Santo.

PARA SERMOS MAIS FIÉIS às constantes moções e inspirações do Espírito Santo na nossa alma, “podemos atentar para três realidades fundamentais: docilidade […], vida de oração e união com a Cruz.

Em primeiro lugar, docilidade, “porque é o Espírito Santo quem, com suas inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras. É Ele quem nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la com profundidade; quem nos dá luz para tomarmos consciência da nossa vocação pessoal e força para realizarmos tudo o que Deus espera de nós”

O Paráclito atua sem cessar na nossa alma: não dizemos uma só jaculatória se o Espírito Santo não nos move a dizê—La […].Ele está presente e inspira-nos quando lemos o Evangelho, quando oramos, quando descobrimos uma luz nova num conselho recebido, quando meditamos uma verdade de fé que talvez já tivéssemos considerado antes muitas vezes. Percebemos que essa luz não depende da nossa vontade. Não é coisa nossa, mas de Deus. É o Espírito Santo quem nos move suavemente a abeirar-nos do sacramento da Penitência, a levantar o coração a Deus num momento inesperado, a realizar uma boa obra. É Ele quem nos sugere um pequeno sacrifício ou nos faz encontrar a palavra adequada que anima uma pessoa a ser melhor.

Vida de oração, “porque a entrega, a obediência, a mansidão do cristão nascem do amor e para o amor se orientam.E o amor leva à vida de relação, à conversa assídua […]. A vida cristã requer um diálogo constante com Deus Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito Santo nos con-duz […]. Acostumemo-nos a procurar o convívio com o Espírito Santo, que é quem nos há de santificar; a confiar nEle, a pedir a sua ajuda, a senti-lo perto de nós. Assim se irá dilatando o nosso pobre coração, teremos mais ânsias de amar a Deus e, por Ele, a todas as criaturas”.

União com a Cruz, “porque na vida de Cristo, o Calvário precedeu a Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo se deve reproduzir na vida de cada cristão […]. O Espírito Santo é fruto da Cruz, da entrega total a Deus, da procura exclusiva da sua glória e da completa renúncia a nós mesmos”.

Para chegarmos a um convívio mais íntimo com o Espírito Santo, nada tão eficaz como aproximar-nos de Santa Maria, que soube secundar como ninguém as inspirações do Espírito Santo.

5. ESPÍRITO SANTO E MARIA: «ALEGRA-TE, Ó CHEIA DE GRAÇA»

Do Catecismo da Igreja Católica:

721. Maria, a santíssima Mãe de Deus, sempre virgem, é a obra-prima da missão do Filho e do Espírito na plenitude do tempo. Pela primeira vez no desígnio da salvação e porque o seu Espírito a preparou, o Pai encontra a morada na qual o seu Filho e o seu Espírito podem habitar entre os homens. É neste sentido que a Tradição da Igreja muitas vezes lê, em relação a Maria, os mais belos textos sobre a Sabedoria (90): Maria é cantada e apresentada na Liturgia como «o Trono da Sabedoria». Nela começam a manifestar-se as «maravilhas de Deus», que o Espírito vai realizar em Cristo e na Igreja:

722. O Espírito Santo preparou Maria pela sua graça. Convinha que fosse «cheia de graça» a Mãe d’Aquele em Quem «habita corporalmente a plenitude da divindade» (Cl 2, 9). Ela foi, por pura graça, concebida sem pecado, como a mais humilde das criaturas, a mais capaz de acolher o dom inefável do Omnipotente. É a justo título que o anjo Gabriel a saúda como «Filha de Sião»: «Ave» (= «Alegra-te») (91). É a acção de graças de todo o povo de Deus, e portanto da Igreja, que ela faz subir até ao Pai, no Espírito Santo, com o seu cântico (92) , quando já portadora, em si, do Filho eterno.

723. Em Maria, o Espírito Santo realiza o desígnio benevolente do Pai. É pelo Espírito Santo que a Virgem concebe e dá à luz o Filho de Deus. A sua virgindade torna-se fecundidade única, pelo poder do Espírito e da fé (93).

724. Em Maria, o Espírito Santo manifesta o Filho do Pai feito Filho da Virgem. Ela é a sarça ardente da teofania definitiva: cheia do Espírito Santo, mostra o Verbo na humildade da sua carne; e é aos pobres (94) e às primícias das nações (95) que Ela O dá a conhecer.

725. Finalmente, por Maria, o Espírito começa a pôr em comunhão com Cristo os homens que são «objecto do amor benevolente de Deus» (96); e os humildes são sempre os primeiros a recebé-Lo: os pastores, os magos, Simeão e Ana, os esposos de Caná e os primeiros discípulos.

726. No termo desta missão do Espírito, Maria torna-se a «Mulher», a nova Eva «mãe dos vivos», Mãe do «Cristo total» (97). É como tal que Ela está presente com os Doze, «num só coração, assíduos na oração» (Act 1, 14), no alvorecer dos «últimos tempos», que o Espírito vai inaugurar na manhã do Pentecostes, com a manifestação da Igreja.

A seguir, Meditação de Francisco Carvajal (“Falar com Deus”nº 95 – sugerida para o Sábado véspera de Pentecostes):

I. ENQUANTO ESPERAVAM A VINDA do Espírito Santo prometido, todos perseveravam unanimemente na oração juntamente com as santas mulheres e Maria, a Mãe de Jesus…1Todos estão num mesmo lugar, no Cenáculo, animados pelo mesmo amor e por uma só esperança. No centro deles, encontra-se a Mãe de Deus. A Tradição, ao meditar nesta cena, viu refletida nela a maternidade espiritual de Maria sobre toda a Igreja. “A era da Igreja começou com a “vinda”, quer dizer, com a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos reunidos no Cenáculo de Jerusalém, junto com Maria, a Mãe do Senhor”2.

Nossa Senhora vive uma espécie de segundo Advento, uma espera que prepara a comunicação plena do Espírito Santo e dos seus dons à Igreja nascente. Este novo Advento é ao mesmo tempo muito semelhante e muito diferente do primeiro, daquele que preparou o nascimento de Jesus. Muito semelhante porque em ambos estão presentes a oração, o recolhimento, a fé na promessa, o desejo ardente de que esta se realize. Maria, quando trazia Jesus oculto no seu seio, permanecia no silêncio da sua contemplação. Agora, Nossa Senhora vive profundamente unida ao seu Filho glorificado3.

Mas esta segunda espera é também muito diferente da primeira. No primeiro Advento, a Virgem é a única que vive a promessa realizada no seu seio; agora, aguarda-a em companhia dos Apóstolos e das santas mulheres. É uma espera compartilhada, a da Igreja que está a ponto de manifestar-se publicamente em redor de Nossa Senhora: “Maria, que concebeu Cristo por obra do Espírito Santo, do amor do Deus vivo, preside ao nascimento da Igreja no dia de Pentecostes, quando o próprio Espírito Santo desce sobre os discípulos e vivifica na unidade e na caridade o Corpo místico dos cristãos”4.

O propósito da nossa oração de hoje, véspera da grande solenidade de Pentecostes, é esperarmos a chegada do Paráclito muito unidos à nossa Mãe, “que implora com as suas preces o dom do Espírito, o qual já na Anunciação a havia coberto com a sua sombra”5, convertendo-a no novo Tabernáculo de Deus. Nos começos da Redenção, Maria dera-nos o seu Filho; agora, “através das suas eficacíssimas súplicas, conseguiu que o Espírito do divino Redentor, já outorgado na Cruz, se comunicasse com os seus prodigiosos dons à Igreja, recém-nascida no dia de Pentecostes”6.

“Quem nos transmite esse dado é São Lucas, o evan-ge-lis-ta que mais longamente narrou a infância de Jesus. É como se quisesse dar-nos a entender que, assim como Maria teve um papel primordial na Encarnação do Verbo, de modo análogo esteve também presente nas origens da Igreja, que é o Corpo de Cristo”7. Para podermos estar bem preparados para uma maior intimidade com o Paráclito, para sermos mais dóceis às suas inspirações, o caminho é Nossa Senhora. Os Apóstolos assim o entenderam; por isso os vemos ao lado de Maria no Cenáculo.

II. NO DIA DE PENTECOSTES, a Santíssima Virgem recebeu o Espírito Santo com uma plenitude inigualável porque o seu coração era o mais puro, o mais desprendido, o que amava de modo incomparável a Santíssima Trindade. O Paráclito desceu sobre a alma da Virgem e inundou-a de uma maneira nova. Ele é o “doce Hóspede” da alma de Maria. O Senhor havia prometido a todo aquele que amasse a Deus: Viremos a ele e nele faremos a nossa morada8. Esta promessa realiza-se sobretudo em Nossa Senhora.

Ela, “a obra prima de Deus”9, fora preparada com imensos cuidados pelo Espírito Santo para ser tabernáculo vivo do Filho de Deus. Por isso o Anjo a cumprimentou no momento da Anunciação: Ave, cheia de graça10. E aquela que já estava possuída pelo Espírito Santo e cheia de graça, recebeu nesse instante uma nova e singular plenitude: O Espírito Santo virá sobre ti e te cobrirá com a sua sombra11. “Redimida de um modo eminente e em previsão dos méritos do seu Filho, e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, Maria é enriquecida com a sublime missão e a dignidade de ser a Mãe do Filho de Deus e, por isso, Filha predileta do Pai e Sacrário do Espírito Santo, com o dom de uma graça tão extraordinária que supera de longe todas as criaturas celestes e terrenas”12.

Depois, ao longo da sua vida, Nossa Senhora foi crescendo no amor a Deus Pai, a Deus Filho (seu Filho Jesus), a Deus Espírito Santo. Correspondeu a todas as inspirações e moções do Paráclito e, de cada vez que era dócil a essas inspirações, recebia novas graças. Em momento algum opôs a menor resistência a Deus, nunca lhe negou nada; o seu crescimento nas virtudes sobrenaturais e humanas (que estavam sob uma especial influência da graça) foi contínuo.

No dia de Pentecostes, o Espírito Santo, que já habitava em Maria desde o mistério da sua Imaculada Conceição, veio fixar nEla a sua morada de uma maneira nova. Todas as promessas que Jesus tinha feito acerca do Paráclito – Ele vos recordará todas estas coisas13, Ele vos conduzirá à verdade completa14– cumprem-se plenamente na alma da Virgem.

Nossa Senhora é a Criatura mais amada por Deus. Pois se a cada um de nós, apesar de tantas ofensas, o Senhor nos recebe como o pai do filho pródigo; se a nós, sendo pecadores, nos ama com amor infinito e nos enche de bens de cada vez que correspondemos às suas graças, “se procede assim com quem o ofendeu, o que não fará para honrar a sua Mãe imaculada, Virgo Fidelis, Virgem Santíssima, sempre fiel? Se o amor de Deus se mostra tão grande, quando a capacidade do coração humano – com freqüência traidor – é tão pequena, como não se manifestará no Coração de Maria, que nunca opôs o menor obstáculo à Vontade divina?”15

III. TUDO O QUE SE TEM levado a cabo na Igreja desde o seu nascimento até os nossos dias é obra do Espírito Santo: a evangelização do mundo, as conversões, a fortaleza dos mártires, a santidade dos seus membros… “O que a alma é para o corpo do homem – ensina Santo Agostinho –, isso é o Espírito Santo no Corpo de Cristo que é a Igreja. O Espírito Santo realiza na Igreja o que a alma realiza nos membros de um corpo”16: dá-lhe vida, desenvolve-o, é o seu princípio de unidade… Por Ele vivemos a vida do próprio Cristo Nosso Senhor, em união com Santa Maria, com todos os anjos e santos do Céu, com os que se preparam no purgatório e os que ainda peregrinam na terra.

O Espírito Santo é também o santificador da nossa alma. Todas as inspirações e desejos que nos animam a ser melhores, todas as nossas boas obras, bem como as ajudas necessárias para terminá-las…, tudo é obra do Paráclito. “Este divino Mestre estabeleceu a sua escola no interior das almas que lho pedem e desejam ardentemente tê-lo por Mestre”17. “A sua ação na alma é suave, a sua experiência é agradável e aprazível, e o seu jugo é levíssimo. A sua vinda é precedida pelos raios brilhantes da sua luz e da sua ciência. Vem com a verdade do genuíno protetor, pois vem salvar, curar, ensinar, aconselhar, fortalecer, consolar, iluminar, em primeiro lugar a mente daquele que o recebe e depois, pelas obras deste, a mente dos outros”18.

E assim como aquele que se achava rodeado de trevas, em saindo o sol recebe a sua luz nos olhos corporais e contempla claramente o que antes não via, assim também aquele que é achado digno do dom do Espírito Santo fica com a alma iluminada e, elevando-se acima da razão natural, vê aquilo que antes ignorava.

O Espírito Santo não cessa de atuar na Igreja, fazendo surgir por toda a parte novos desejos de santidade, novos filhos e, ao mesmo tempo, melhores filhos de Deus, que têm em Jesus Cristo o Modelo perfeito, pois Ele é o primogênito de muitos irmãos. E Nossa Senhora, pela sua colaboração ativa com o Espírito Santo nas almas, exerce a sua maternidade sobre todos os seus filhos. Por isso é proclamada Mãe da Igreja, “quer dizer, Mãe de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis como dos Pastores, que a chamam Mãe amorosa. Queremos – proclamava Paulo VI – que de agora em diante seja honrada e invocada por todo o povo cristão com esse título gratíssimo”19.Santa Maria, Mãe da Igreja, rogai por nós e ajudai-nos a preparar a vinda do Paráclito às nossas almas.

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NOTAS:
(1) At 1, 14; * (2) João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 18-V-1986, 25; * (3) cfr. M. D. Philippe, Mistério de Maria, Rialp, Madrid, 1986, págs. 348-349; * (4) Paulo VI, Discurso, 25-X-1969; * (5) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 59; * (6) Pio XII, Enc. Mystici Corporis, 29-VI-1943; * (7) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 141; * (8) Jo 4, 23; * (9) cfr. Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 292; * (10) Lc 1, 28; * (11) Lc 1, 35; * (12) Conc. Vat. II, op. cit., 53; * (13) cfr. Jo 14, 26; * (14) cfr. Jo 16, 13; * (15) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 178; * (16) Santo Agostinho, Sermão 267; * (17) F. Javiera del Valle, Decenario al Espíritu Santo, 4º dia; * (18) São Cirilo de Jerusalém, Catequese 16 sobre o Espírito Santo, 1; * (19) Paulo VI, Discurso ao Concílio, 2-IX-1964. * OBS: Catecismo e Homilias dos Papas obtidos no site http://www.vatican.va

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