A revista Veja na edição de 13/12/95 apresentou no artigo “Fui uma morta-viva” a angústia de uma mulher, Joana, que após sofrer um estupro, decidiu fazer aborto.
Desejaria agora, baseado no direito de resposta assegurado na Constituição Federal no artigo 5º, inciso V, dar uma resposta proporcional ao agravo sofrido pela criança na referida publicação.
Como ela, indefesa e agora já morta, não pode exercer o legítimo “direito de resposta”, proponho-me fazer as vezes do nascituro, entrevistando-o e imaginando que respostas ele daria às minhas indagações. O nome fictício do entrevistado (que nem sequer pôde ser batizado) será Nonato, que significa “não nascido”.
JORNALISTA: Nonato, você foi gerado de um estupro que uma senhora casada sofreu de um ladrão desconhecido. Você era ou não era um ser humano?
NONATO: Desde que fui concebido, recebi de meu pai e minha mãe 46 cromossomas, nos quais estava gravado todo o meu código genético, desde a cor dos meus olhos até minhas impressões digitais. Recebi também de Deus naquele momento uma alma espiritual e imortal. Desde a fecundação eu já era gente. Quando me mataram, já estava com quase todos os órgãos formados.
JORNALISTA: Sua mãe Joana percebeu logo sua presença no seu útero?
NONATO: Não. Demorou quase três meses para suspeitar que eu estava lá, por causa do atraso da menstruação.
JORNALISTA: E depois que ela descobriu que trazia você dentro de si? Ela saltou de alegria?
NONATO: Não. O ódio pela agressão física de meu pai foi transferido para mim. Ela nunca quis me chamar de filho: “Isto aqui não vai nascer. Isto não é um filho”.
JORNALISTA: O que você passou a representar para ela?
NONATO: Uma “violência” a ser eliminada, uma sujeira a ser tirada. Dizia ela de mim: “essa coisa está violentando o meu corpo, está me matando”.
JORNALISTA: Qual foi a reação de sua mãe quando encontrou pessoas dispostas a assassiná-lo?
NONATO: Experimentou um grande alívio e alegria. Chamou-os de “anjos de branco”, por terem compreendido sua angústia e estarem dispostos a ajudá-la.
JORNALISTA: E ninguém pensou em você, Nonato?
NONATO: Não. A violência sofrida por mamãe deveria recair agora sobre mim, apesar de eu ser absolutamente inocente.
JORNALISTA: Foi dolorosa a sua morte?
NONATO: Dolorosíssima. Não apenas pela desintegração do meu corpo, aspirado em pedacinhos, mas pelo sentimento de rejeição de toda a humanidade. Para todos eu nunca passei de uma “coisa” a ser jogada fora.
JORNALISTA: Se você houvesse nascido, poderia fazer algo por sua mãe?
NONATO: Poderia dar-lhe tudo que dá um bom filho à mãe: desde gratidão e amor até o amparo em sua velhice. Quem sabe eu conseguisse superar em reconhecimento por ela todos os meus irmãos legítimos?
JORNALISTA: Sua mãe nega qualquer arrependimento pelo seu aborto. Você acha que ela não sofreu dano pela sua morte?
NONATO: Certamente que sim, por mais que ela queira negar. Sua consciência deve estar agora mais oprimida do que nunca. A angústia de sofrer violência transformou-se agora em angústia por ter causado violência. E isto vai acompanhá-la por toda a vida.
JORNALISTA: Após a sua morte, você teve direito a um velório e a um enterro?
NONATO: Não. Fui jogado numa lata de lixo do hospital. Não recebi lamentos nem flores. Mas mamãe entregou um ramalhete aos que me mataram, como forma de agradecimento.
JORNALISTA: Se você estivesse entre nós e pudesse falar, que diria aos deputados que querem legalizar o aborto em caso de estupro?
NONATO: Se eles ouvissem minha história, certamente pensariam diferente. Nas campanhas pelo aborto fala-se muito da mulher e esquece-se do único inocente no caso: a criança. E é ela quem vai ter que pagar com a morte pela aflição de sua mãe.
Transmissão: Jaime Francisco de Moura