Uma semana emblemática para a igreja no brasil

Poucas semanas se mostraram tão emblemáticas para a Igreja Católica no Brasil quanto a semana de 12 a 18 de agosto de 2007. Algumas atitudes incompreendidas pela imprensa, iniciativas de certos bispos e uma denúncia com duas versões totalmente diferentes chamaram a atenção de quem acompanha o mundo católico.

Em primeiro lugar, veio a atitude do arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, ao vetar o uso da Catedral da Sé para o ato público do movimento Cansei!, no dia 17, quando se completou um mês do acidente com o Airbus da TAM. A decisão provocou indignação até entre católicos, e em um dos blogs mais lidos por opositores do governo Lula (não os opositores partidários, e sim cidadãos comuns revoltados com os rumos do Brasil) não faltaram citações a Pio XII (o Papa mais caluniado do século XX), Inquisição e outros clichês anti-católicos de plantão.

O que os críticos desconheciam é que dom Odilo estava coberto de razão: nos Lineamenta da XI Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (1) há uma proibição clara do uso de templos católicos para atos que não são ligados ao culto divino: “A liturgia da dedicação da Igreja recorda que a comunidade oferece o templo totalmente ao Senhor e que, portanto, não se pode destiná-lo a uma finalidade diferente daquela para que foi consagrado.” (n. 64). Chegou a ser feita uma comparação com uma missa “encomendada” pelas mulheres de líderes do grupo criminoso PCC, mas o caso era de uma intenção da costumeira missa de meio-dia celebrada na catedral paulistana.

Também houve quem lembrasse que, enquanto a Igreja “fechava as portas” aos críticos do governo, outros grupos de esquerda, como o MST, tinham livre trânsito entre as lideranças católicas. Um exemplo dessa permissividade seria o Grito dos Excluídos. Nesse sentido, é preocupante que, em 18 de agosto, a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da CNBB, tenha anunciado a organização, na Semana da Pátria, de uma consulta popular sobre a venda da Companhia Vale do Rio Doce. Diz o texto, assinado pelo bispo dom Pedro Luiz Stringhini:

“Estimulamos também a disponibilização de espaços para a realização deste exercício de cidadania em que as Pastorais Sociais são coordenadoras junto com movimentos e organizações da sociedade Civil.

O leilão de privatização está sendo julgado pelo Judiciário, mobilizado por mais de 100 ações que contestam a sua legalidade. E como definiu Dom Luciano Mendes de Almeida, de saudosa memória, em audiência pública pouco antes do leilão de 1997, esse ato não foi ético.”

Isso me trouxe à memória imediatamente um outro plebiscito realizado com apoio da CNBB, sobre a adesão do Brasil à Alca e o pagamento da dívida externa. Lembro-me de ouvir um padre, no momento dos avisos, falando não só da tal votação, mas gastando meia hora do tempo dos fiéis direcionando o voto ao demonizar a Alca e defender o calote na dívida. Na época, o então arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, deu um exemplo de coragem ao proibir a realização do plebiscito em sua arquidiocese.

Em 2007, a história se repete quando a carta de dom Pedro já adianta o modo como os católicos devem votar no tal “plebiscito”, ao citar dom Luciano Mendes de Almeida. Ora, se o bispo mineiro dizia que “esse ato não foi ético”, como poderão os católicos ousar votar a favor da tal privatização? E, assim, alguns bispos tentam elevar sua opinião pessoal ao nível de posicionamento católico sobre o tema – como se todo fiel devesse ser contra a privatização da Vale.

Um dos princípios da Doutrina Social da Igreja é o da subsidiariedade, que pode ser resumido na seguinte frase: “o grande só cuida daquilo que o pequeno não consegue cuidar”. Um exemplo da aplicação deste princípio é o “homeschooling”, aceito nos Estados Unidos: os pais têm o direito de educar um filho em casa, se quiserem; caso não queiram ou não possam, podem mandá-lo para uma escola, pública ou privada. Da mesma forma, o Estado (instância maior) só deveria ser dono de empresas se a iniciativa privada (esfera menor) não fosse capaz de administrá-las. Pode haver situações específicas em que seja mais conveniente que o controle de uma certa empresa permaneça nas mãos do Estado, mas, pelo princípio da subsidiariedade, um católico nunca poderá se opor às privatizações em si mesmas – já que a Doutrina Social da Igreja inclusive favoreceria que uma instância maior não se encarregasse do que pode ser feito por uma instância menor.

A tentativa de transformar em “doutrina” a opinião de alguns bispos sobre uma privatização em particular (em relação à qual um católico é livre para se opor ou para apoiar) revela como o pensamento de alguns setores da hierarquia católica brasileira continua dominado por ideologias de esquerda. Só isso explica como alguns bispos dão seu apoio ao MST e a seus métodos mesmo depois que as invasões de terra foram condenadas por João Paulo II (2), ou que, nas últimas eleições presidenciais, bispos e padres tivessem apoiado Lula, apesar de suas políticas favoráveis ao aborto e à “cultura da morte” denunciada também por João Paulo II, e apesar de o Decreto Contra o Comunismo (3), da época de Pio XII, continuar em vigor até hoje.

Por último, destaco a polêmica sobre o documento da V Conferência do Celam, em Aparecida. Movimentos ligados às Comunidades Eclesiais de Base conseguiram emplacar em um grande jornal de circulação nacional a denúncia de que dois bispos, um chileno e um argentino, teriam alterado o documento final aprovado pela conferência. Na verdade, o vazamento do texto logo após o fim da conferência nunca deveria ter acontecido, pois ele só teria validade depois da aprovação do Papa. Antes disso, o que se viu foi um texto elogioso às CEBs, que denunciava a “discriminação contra as mulheres na Igreja” e continha algumas outras afirmações que mostravam uma forte influência da Teologia da Libertação. Quando o texto voltou de Roma modificado, houve uma reação de certos grupos – o Conselho Nacional do Laicato do Brasil chegou a propor o descarte do texto aprovado pelo Papa e a adoção do texto anterior. No entanto, depois soube-se que havia uma outra versão para as alterações (4): na verdade, foram os defensores das CEBs que alteraram o documento final, votado rapidamente, e a armação foi percebida pelos bispos.

São fatos como esses que deixam católicos perplexos em todo o Brasil: enquanto um arcebispo fecha as portas da Catedral da Sé (corretamente, como vimos) a um movimento de oposição ao governo, outros padres e bispos deixam o MST, a CUT e o PT passearem livremente pelas igrejas, e movimentos inspirados pela Teologia da Libertação (já condenada pela Igreja) se acham no direito de modificar textos aprovados por uma conferência episcopal e, ainda por cima, acusar outros de manipulação. Já passou da hora de padres e bispos voltarem a ser primeiramente pastores de almas e deixar de lado militâncias partidárias de esquerda.

(1) http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20050707_instrlabor-xi-assembly_po.html

(2) “(…) mas recordo, igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que ‘nem a justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto’ (Rerum Novarum, 55). A Igreja não pode estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades agrícolas.” (discurso aos bispos da Regional Sul l da CNBB, em visita ad limina Apostolorum de 13 a 28 de março de 1996)

“Para alcançar a justiça social se requer muito mais do que a simples aplicação de esquemas ideológicos originados pela luta de classes como, por exemplo, através da invasão de terras – já reprovada na minha viagem pastoral em 1991 – e de edifícios públicos e privados, ou por não citar outros, a adoção de medidas técnicas extremas, que podem ter conseqüências bem mais graves do que a injustiça do que pretendiam resolver.” (discurso aos bispos do Brasil em 26 de novembro de 2002)

(3) https://www.veritatis.com.br/article/1377

(4) http://www.acidigital.com/noticia.php?id=10914; em http://rorate-caeli.blogspot.com/2007/07/aparecida-notes-final-note.html há uma análise sobre outras mudanças realizadas por Bento XVI no documento final da conferência de Aparecida. O documento final está em http://www.celam.info/download/Documento_Conclusivo_Aparecida.pdf

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