Ventos católicos na casa branca

Logo após a eleição do Papa Bento XVI em 2005, o presidente Bush encontrou-se com um círculo seleto de conselheiros na Sala Oval. Enquanto alguns mencionaram suas próprias origens religiosas, o presidente comentou que havia lido um dos livros do novo pontífice, sobre fé e cultura na Europa Ocidental.

A não ser por outra alma, Bush era o único não-católico na sala. Mas seu interesse nos escritos do papa não era surpresa para aqueles ao seu redor. Enquanto a Casa Branca se prepara para receber Bento na terça-feira (15/04/2008), muitos no círculo interno de relacionamentos de Bush têm a expectativa de uma afinidade entre o pontífice e o presidente. Porque se Bill Clinton pode ser chamado de primeiro presidente negro da América, alguns dizem então que George W. Bush poderia muito bem ser o primeiro presidente Católico.

Essa não é uma idéia tão estranha quanto parece. Sim, houve John F. Kennedy. Mas enquanto Kennedy procurava separar sua religião de sua gestão, Bush recebeu a doutrina e os ensinamentos Católicos Romanos na Casa Branca e neles baseou muitas decisões políticas.

“Não acho que haja dúvida a esse respeito”, diz Rick Santorum, ex-senador americano pela Pennsylvania e católico praticante, que foi o primeiro a dar o rótulo a Bush de “presidente católico”. “Ele é certamente muito mais católico que Kennedy”.

Bush freqüenta uma Igreja Episcopal em Washington, pertence a uma Igreja Metodista no Texas e sua base política é solidamente evangélica. Ainda assim, esse presidente protestante cercou-se de intelectuais, assessores, professores, padres, bispos e políticos católicos romanos. Esses católicos – e, portanto, o ensinamento social católico – tem modelado, pelos últimos oito anos, os discursos, políticas e legado de Bush a um ponto talvez sem precedentes na história da América.

“Eu costumava dizer que há mais católicos na equipe que redige dos discursos do presidente Bush que na escalação dos titulares da Notre Dame (1) no último meio século”, disse o ex-assessor de Bush – e católico – William McGurn.

Bush nomeou católicos para cargos proeminentes no governo federal e confiou na tradição católica para defender tudo, desde sua idéia de Iniciativa Baseada na Fé até legislação anti-aborto. Ele casou o intelectualismo católico com o tino político evangélico para forjar uma poderosa coalizão eleitoral.

“Há uma consciência na Casa Branca de que a rica tradição católica é um recurso para fazer a ponte entre fé cristã, julgamentos morais fundamentadas na religião e políticas públicas”, diz Richard John Neuhaus, um padre católico e editor do jornal “First Things”, que instruiu Bush sobre a doutrina social da Igreja por quase uma década.

No fim dos anos 50, o catolicismo de Kennedy era um empecilho político, e ele esforçou-se para distanciar-se de sua Igreja. Ao aceitar a nomeação pelos Democratas em 1960, ele declarou que sua religião “não era relevante”.

Bush e sua administração, ao contrário, não têm escrúpulos quanto a suas ligações católicas. Em algumas vezes, até mesmo pareceram ostentá-las por propósitos políticos. Mesmo antes de chegar à Casa Branca, Bush e seu guru político Karl Rove convidou intelectuais católicos ao Texas para instruir o candidato sobre a doutrina social da Igreja. Em janeiro de 2001, o primeiro compromisso de Bush como presidente na capital da nação foi um jantar com o então arcebispo de Washington, Theodore McCarrick. Poucos meses depois, Rove (que é membro da Igreja Episcopal) pediu ao ex-consultor da Casa Branca, o católico Deal Hudson, que trouxesse um padre para abençoar seu escritório da ala oeste.

“Havia uma consciência de que os conservadores religiosos tinham colocado Bush na Casa Branca e que [a administração] queria fazer aquilo para o qual tinha sido eleito”, diz Hudson.

Para os conservadores católicos, isso queria dizer sendo firme quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, eutanásia e pesquisas com células-tronco embrionárias, e trabalhar para limitar o aborto dentro e fora dos Estados Unidos, assim como nomeando juízes que iriam declará-lo ilegal. Para justificar-se, Bush freqüentemente utilizou-se do mantra do Papa João Paulo II de promoção de uma “cultura da vida”. Muitos católicos próximos a ele acreditam que aproximadamente 300 juízes que ele nomeou para a magistratura federal – mais notadamente os católicos John Roberts e Samuel Alito na Suprema Corte – podem ser seu maior legado.

Bush também usou a doutrina e a retórica católica para incentivar sua Iniciativa Baseada na Fé, um movimento que concede verbas federais a grupos religiosos de ação local que prestam serviços sociais a suas comunidades. Muito dessa iniciativa é baseada no princípio católico da “subsidiariedade” – a idéia de que a população local é a que mais adequadamente pode solucionar problemas de âmbito local. “O presidente provavelmente não sabe quase nada sobre o catecismo católico, mas está bastante familiarizado com o princípio da solidariedade”, disse H. James Towey, ex-diretor da secretaria de Iniciativa Baseada na Fé da Casa Branca, que é atualmente o presidente de uma faculdade católica no sudoeste da Pennsylvania. “É a idéia de que o governo não é o salvador e que problemas como a pobreza tem raízes espirituais”.

Apesar de tudo, Bush também tem críticos entre os católicos. Alguns argumentam que sua retórica baseada na fé é somente Estado Mínimo travestido de religiosidade, e que suas políticas econômicas, que incluem redução de impostos para os mais ricos, criaram uma maior concentração de renda que claramente colide com o princípio católico de solidariedade para com os pobres.

John Carr, um diretor de políticas públicas da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos, chama o legado da administração Bush “um conto de duas políticas”.(2)

“O melhor da administração Bush pode ser visto no trabalho assistencial em relação ao HIV/AIDS na África”, diz Carr. “Em política interna, o conservadorismo triunfa sobre a compaixão

Outros católicos proeminentes acusam o presidente de desconsiderar as orientações de Roma quanto à guerra do Iraque e tortura. Mas mesmo quando agiu em desacordo com o Vaticano, como no caso da guerra do Iraque, Bush mostrou deferência com os ensinamentos da Igreja. Antes de mandar as tropas americanas a Bagdá para derrotar Saddam Hussein, ele se encontrou com “theocons”(3) para discutir a teoria da guerra justa. O conselheiro da Casa Branca Leonard Leo, que encabeça a bancada católica no Comitê Nacional Republicano, diz que Bush “dialoga com os católicos e dividia perspectivas com católicos de uma forma que creio única na política americana”.

Ademais, pessoas próximas a Bush dizem que ele tem professado uma admiração não tão secreta pela disciplina e está pessoalmente atraído pela abrangência e unidade de seus ensinamentos. Um padre de Nova Iorque que fez amizade com o presidente disse que Bush respeita a forma como o catolicismo começa pela base – com a noção de que o papado é desejado por Deus e de que o Papa é o sucessor de Pedro. “Eu acho que o que o fascina no catolicismo é sua plausibilidade histórica”, diz esse padre. “Ele admira a teologia sistemática, sua cogência intelectual e estabilidade”. O padre também diz que Bush “não ignora o quanto o evangelicalismo – em comparação com o catolicismo – parece mais limitado tanto teologicamente quanto historicamente”.

O Ex-assessor e redator de discursos de Bush Michael Gerson, outro evangélico com afinidade com a doutrina católica, diz que a chave para entender a política doméstica de Bush é olhá-la pelas lentes de Roma. Outros vão ainda mais longe.

Paul Weyrich, um arquiteto da direita religiosa, detecta em Bush traços do Ex-Primeiro Ministro britânico Tony Blair, que se converteu ao catolicismo ano passado [2007]. “Eu acho que intimamente ele já se converteu”, Weyrich diz a respeito de Bush. Da mesma forma, John Dilulio, o primeiro diretor de Iniciativa Baseada na Fé de Bush, chamou o presidente de “católico enrustido”. E não estava só brincando.

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Daniel Burke é um correspondente nacional para o Religion News Service.

Original em Inglês:

http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2008/04/11/AR2008041103327.html

Notas de Tradução:

(1) Notre Dame: Universidade de Notre Dame, Universidade Católica em Indiana, E.U.A. [http://www.nd.edu]. Cada time de futebol americano tem 33 jogadores titulares em média (11 no ataque, 11 na defesa, e 11 chamados special teams ).

(2) Referência à obra de Charles Dickens, “Um conto de duas Cidades”, em que situações opostas convivem.

(3) Theocons: Políticos conservadores e religiosos que crêem que a religião deve nortear as decisões estatais.

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