Os deuses do Mormismo

George Orwell, em seu livro 1984 fez um grande favor aos apologistas católicos ao cunhar a expressão “pensamento duplo”*, por ele definida como “o poder de, simultaneamente, cultivar duas crenças contraditórias dentro da mente de alguém, aceitando a ambas.” Esta é a forma mais sucinta de descrever certas crenças religiosas. Para se ter uma ilustração do que seja um “pensamento duplo”, basta que se olhem as doutrinas mormonistas sobre Deus.

 

Joseph Smith, fundador do Mormonismo, ensinou a doutrina da “Pluralidade de Deuses” – politeísmo – como crença fundamental de sua igreja. Ele desenvolveu, anos a fio, esta doutrina para refletir sua crença pessoal na existência de muitos deuses, e no fato de que os mesmos já foram homens mortais que desenvolveram suas virtudes até atingirem um grau de conhecimento e merecerem a divindade.

 

A Igreja de Mórmon usa o termo “progressão eterna” para este processo, referindo-se à divindade como “exaltação”. Tais eufemismos são usados pelo fato de que a idéia de homens transformando-se em deuses é considerada blasfema para cristãos ortodoxos. Obviamente, Smith enfrentou grandes hostilidades contra esta doutrina e achou sábio distingui-las com termos pouco comuns.

 

Apesar de ter adocicado os termos, Smith não poupou palavras para explicar suas doutrinas. ” Ensinarei a pluralidade de deuses. Explicarei como Deus se tornou Deus. Sempre imaginamos que Deus foi Deus desde toda a eternidade. Eu refutarei esta idéia, e tirarei o véu, para que todos vocês possam enxergar.” (Discurso de King Follet)

 

O fundador do Mormonismo concluiu que seu rebanho não compreendia a natureza de Deus. Nenhum mortal o compreende inteiramente, mas este grupo particular foi prejudicado (e não ajudado) pelas estranhas teorias expostas por Smith.

 

Fiel à sua palavra, Smith tirou o véu do engano, substituindo-o por um muro monolítico de “pensamento duplo”. Afinal, a afirmação de que o Deus soberano, o ser infinito e supremo, o Criador e Senhor de todo o Universo é, meramente, um homem exaltado é um exemplo acabado daquilo que Orwell tinha em mente.

REVELAÇÃO PROGRESSIVA DE SMITH

Em 1844, pouco antes de sua morte num tiroteio ocorrido na prisão de Carthage, Illinois, Joseph Smith fez um sermão para o funeral de um mórmon chamado King Follet. O Discurso de King Follet transformou-se na matriz das crenças da Igreja de Mórmon acerca do politeísmo e da progressão eterna. É um texto curto e pode ser comprado, em qualquer loja mórmon, por cerca de um dóllar. Pode ser lido em meia hora.

 

Para que se aquilate o quanto Smith se afastou dos ensinamentos cristãos tradicionais, é importante saber que suas doutrinas não foram reveladas à sua igreja de uma só vez da forma que se encontram hoje. Desde sua primeira visão, em 1820, até sua morte, em 1844, Joseph Smith moldou e modificou suas doutrinas. Freqüentemente, alterava-as tão drasticamente que se tornavam algo inteiramente diverso à medida que os anos passavam.

 

Da próxima vez que você falar com um missionário Mórmon, cite os seguintes versículos:

Sei que Deus não é um Deus parcial, nem um ser passível de mutações; ele é imutável desde a eternidade para toda a eternidade.” (Moroni 8, 18)

Não lemos que Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre, e que nele não há variação nem sombra de mudança? E agora, se vós imaginais, dentro de vossas mentes, um Deus que varia, e no qual há sombra de variação, então, imaginais um deus que não é o Deus dos milagres.” (Mórmon 9, 9-10)

 

É difícil ser mais explícito. Nos primeiros anos, Smith não acreditava na “lei da eterna progressão”. Tinha uma fé ortodoxa acerca da natureza imutável de Deus. Mas, em algum ponto da sua odisséia teológica, ele mudou, mergulhando no “pensamento duplo”.

VISÕES CONTRADITÓRIAS

Lembrando, Smith sustentava a inspiração e veracidade do Livro de Mórmon, ao mesmo tempo em que acreditava no seguinte: “O próprio Deus já foi como somos agora, e é um homem exaltado, e se assenta num trono além dos céus! Este é o grande segredo. Se o véu hoje se rasgasse, e o grande Deus, que sustenta todos os mundos e todas as coisas com o seu poder, se tornasse visível (eu digo que se você pudesse vê-lo hoje, vê-lo-ia numa forma humana), como vocês mesmos em pessoa, imagem e forma humana; pois Adão foi criado à maneira, imagem e semelhança de Deus, dele recebeu instruções, com ele caminhou, conversou e se entreteu, como qualquer homem conversa e se comunica com outro homem.” (Discurso de King Follet)

 

Este é um dos casos mais espetaculares de “pensamento duplo” que se pode achar em Joseph Smith. Quatorze anos após escrever o Livro de Mórmon, ele contradiz seus primeiros escritos com este sermão, mas não abandonou seu ensinamento primitivo. Ambos são aceitos.

 

O TESTEMUNHO DOS MISSIONÁRIOS

Se você questionar um missionário mórmon, ele estará familiarizado com o Discurso de King Follet (ou, pelo menos, deveria estar), e vai “testemunhar” a veracidade da doutrina da eterna progressão. Se, além deste discurso, você ainda tiver o Livro de Mórmon em mãos, leia-lhe as passagens citadas, observe sua reação e peça uma explicação. Pergunte-lhe como seria possível ambas as posições. Os mórmons reverenciam Joseph Smith como sendo a maior autoridade em sua igreja. O que ele disse tem valor de escritura, e eles não abrem mão disto. Estas duas passagens do “profeta”, obviamente, contradizem uma à outra. É aqui que o “pensamento duplo” entra. Se os mórmons não puderem acreditar, ao mesmo tempo, em duas doutrinas contraditórias, eles seriam obrigados à reconhecer a confusão.

 

Eles não podem acreditar que Deus é, ao mesmo tempo, imutável e mutável, que, desde a eternidade, ele já era como é, e, ao mesmo tempo, que ele evoluiu de um simples homem. Para os Mórmons, estas contradições teológicas não representam problemas, pois eles não pensam nas ramificações destas posições. Seu trabalho como apologista é mostrá-los que existe um problema e oferecer-lhes uma solução.

 

Não basta dizer que Deus é eterno e parar por aí. Temos que levar sua perfeição infinita em conta. É aqui que os mormons vacilam. Eles acreditam que, apesar de Deus ser perfeito agora, não o foi desde sempre. Ele já foi imperfeito, como qualquer mortal, e teve que atingir a perfeição por seu próprio esforço (posição que poderia ser chamada de hiper-pelagianismo).

 

JESUS CRISTO

De acordo com os ensinamentos do mormonismo, em algum momento na eternidade, este homem-que-se-tornou-Deus, ou “Pai Celestial”, gerou o corpo espiritual de seu filho primogênito. Juntamente com sua esposa celestial, o pai elevou seu filho ao conjunto dos deuses.

 

Antes da criação deste mundo, Jesus Cristo mostrou ao seu pai um plano de salvação que permitiria a milhões dos futuros seres humanos passarem da mortalidade e retornarem aos céus, para tornarem-se deuses de seus próprios mundos. Concomitantemente, outro filho deste Pai celestial (e irmão de Jesus Cristo), ofereceu um plano alternativo. Quando o plano de Cristo foi o escolhido, o rejeitado Lúcifer liderou uma rebelião envolvendo um terço da população dos céus e, de lá, foi expulso.

 

Em tempo, os Mórmons acreditam que o Pai celestial veio à Terra e manteve intercurso físico, sexual com a Virgem Maria. Rejeitando tanto o testemunho das Escrituras (Lc 1, 34-35), quanto o incessante ensinamento da Igreja Cristã, os Mórmons acreditam que Jesus foi concebido pelo Pai, e não pelo Espírito Santo. (Journal of Discourses 1:268)

 

Além disto, eles acreditam que Cristo é um deus secundário e inferior. Ele não existe desde a eternidade (aliás, nem o seu Pai). Ele surgiu da união celestial de seus progenitores. Depois de ter sido criado e ensinado nos céus, ele atingiu uma certa estatura divina. Através de relações carnais com o Pai celestial, a Virgem engravidou deste deus menor.

 

Os mórmons acreditam que, agora, a divindade de Cristo é virtualmente igual a de seu Pai. Como se pode observar, isto é uma divindade em cadeia: Jesus Cristo é apenas o ponto final de uma longa lista de deuses que o precederam, numa regressão infinita de seres divinos cuja origens os mórmons não podem explicar (aliás, também não podem explicar o seu fim , como se pôde notar quando discutimos a doutrina dos homens que viram deuses).

O ESPÍRITO SANTO

A Igreja de Mórmon ensina que todos os homens devem passar pela mortalidade em corpos humanos antes de atingirem a divindade. No entanto, o seu terceiro deus separado, chamado de Espírito Santo, ainda não recebeu um corpo mortal, mas é considerado um outro deus. A teologia Mórmon não costuma abordar esta contradição.

 

No entanto, não se deve dizer que o Espírito Santo não tenha um corpo. Na verdade, ele tem um corpo espiritual, com forma verdadeiramente humana, possuindo cabeça, torso e lábios. Ele pode estar apenas num único lugar ao mesmo tempo (e, nisto, ele não é diferente de seu superiores do panteão Mórmon).

 

Ainda que se atribua ao Espírito Santo o poder do testemunho individual de cada mórmon, ou a percepção individual da verdade das doutrinas do mormonismo, ele não foi sempre tão honrado. Na verdade, Joseph Smith, no princípio, reconhecia apenas dois personagens divinos, referindo-se ao Espírito Santo como sendo, meramente, a “mente” dos dois. (Lectures on Faith, 48-49)

 

Os Santos dos últimos Dias não acreditam que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são os únicos deuses existentes. Ao contrário, eles acreditam numa pluralidade de deuses (embora não adorem senão a Trindade), deuses inumeráveis, cada qual governando sua própria criação. Portanto, os três deuses que governam nosso universo são finitos em poder – eles sustentam e governam apenas uma pequena porção de tudo o que existe.

 

Os demais deuses precederam ou sucederam o Pai Celestial, que organizou nosso mundo. De fato, os homens que hoje vivem em nosso planeta, um dia, tornar-se-ão deuses de seus próprios universos. Assim, eles se unirão a esposas celestiais, gerarão filhos espirituais, povoarão novos mundos, e receberão a adoração e o louvor que, hoje, devemos prestar ao nosso atual deus particular.

SMITH – E TODOS OS HOMENS – SERÃO DEUSES

Smith ensinou que o Mórmon fiel pode ascender à divindade. No discurso de King Follet, Joseph Smith disse: “Meu Pai modelou o Seu reino com medo e tremor, e assim devo eu fazer. Quando eu conquistar o meu reino (divindade), devo apresentá-lo ao meu Pai, então, ele obterá reino sobre reino, e será exaltado em sua glória. E terá uma maior exaltação, e eu tomarei o seu lugar, e, assim, exaltarei a mim mesmo”.

 

Numa discussão com um mórmon acerca do conflito entre os ensinamentos de sua igreja acerca da natureza de Deus, deixe de lado as camuflagens. Vá direto aos fatos centrais. É, realmente, muito simples. Mostre-lhes como O Livro de Mórmon contradiz ao ensinamentos posteriores de Smith. Se ele tinha razão acerca de Deus, então, quando teve esta razão? Faça sua escolha, mas não escolha ambas as possibilidades, pois é impossível sem o “pensamento duplo”. Se um mórmon admitir um destes ensinamentos e rejeitar o outro, a credibilidade de Smith como profeta entra em colapso.

NÃO QUEIRA VENCER UMA DISCUSSÃO

 

Saiba desde já que uma primeira discussão acerca da natureza de Deus não produzirá qualquer alteração visível no comportamento de seu mórmon. Ele não está pronto para admitir a força e simplicidade de seu argumento. Provavelmente, ele usa de boa fé, sendo sincero em sua crença. Psicologicamente, você estará em desvantagem, pois ele quererá manter sua fé tal como a conhece. Seja paciente, à medida que o ajuda a enxergar todo este “buraco negro” teológico.

 

Tenha em mente que o objetivo principal não é vencer uma discussão, mas ganhar uma alma para Cristo. O que os apologistas católicos têm a oferecer não é apenas lógica ou preponderância bíblica, nem mesmo as bobagens feitas por Joseph Smith. O que eles têm a oferecer é a verdade da fé Católica.

 

Mas é essencial que você use de boa lógico, reforçada com profundos estudos. Use de paciência reforçada de caridade. Sobre tudo, reze para que Deus utilize seus esforços para preparar seu espírito para o dom da fé. O “pensamento duplo” não é invencível. É, apenas, um obstáculo intelectual, e pode ser superado.

 

Naturalmente, você deve estudar. É necessário um sólido entendimento da natureza de Deus. Recomendamos a leitura das passagens sobre o tema no Catolicismo da Igreja Católica, no Catecismo Católico de Fr. John Hardon, e de Teologia e Santidade de Frank Sheed.

 

Estes livros estão disponíveis em livros de capa mole bastante baratos, e deveriam compor a biblioteca de todos os católicos. Você deverá ter, igualmente, uma cópia d? O Livro de Mórmon e do Discurso de King Follet. Se você tiver as referências acima já marcadas nestes livros, estará pronto da próxima vez que um missionário Mórmon adentrar pela tua porta.

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*N. do T. : O original é doublethink que não possui correnpondente em português. No livro 1984, George Orwell cria uma língua nova, da qual doublethink seria um termo. Algumas versões em português traduzem-no por duplipensar.

Traduzido para o Veritatis Splendor por Alexandre Semedo.

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