Carta aberta ao teólogo Sr. Fernando Altemeyer

INTRODUÇÃO

Recentemente eu recebi diretamente do Sr. Fernando Altemeyer cópia de uma carta aberta que ele compôs para o Professor Felipe Aquino e que foi enviada a muitas pessoas (clérigos e leigos) .  A legislação canônica nos permite expressar a própria opinião sobre o que afeta o bem da Igreja (cân. 212§ 3) .  Mas isso só é lícito se nossa expressão estiver em conformidade com o respeito que devemos à doutrina da Igreja , ao seu Magistério e à dignidade das pessoas .  Neste sentido , eu pretendo expor aqui , com sincera humildade , algumas considerações sobre certas interpretações , afirmações e especulações feitas pelo referido teólogo Sr. Fernando Altemeyer . Peço que minhas observações sejam acolhidas  dentro da esfera do diálogo fraterno . Meu objetivo , portanto , não é alimentar divergências e discussões intermináveis , mas sim estimular uma compreensão mais apurada dos fatos e da própria doutrina católica .

A carta aberta do Sr. Fernando encontra-se anexada no fim deste trabalho : (este anexo visa facilitar a observação das minhas citações) .

A CARTA

Do ponto de vista da fé católica , percebe-se que muitas considerações do Sr. Fernando Altemeyer conduz necessariamente ao relativismo , sobretudo dogmático .   Na carta há também uma tentativa de estabelecer  um pluralismo teológico em detrimento da unidade da fé católica em sentido objetivo .  Também percebi algumas errôneas interpretações que ele expôs sobre   certos documentos eclesiais (por exemplo : sobre a Declaração Mysterium Ecclesiae da Congregação para a Doutrina da Fé) .   Vejamos :

O relativismo dogmático :    Escrevendo sobre a suposta necessidade de alteração dos termos das fórmulas dogmáticas , o Sr. Fernando acaba relativizando os próprios dogmas porque ignora que qualquer nova expressão (com o objetivo de se adeqüar a um novo contexto lingüistico) , jamais poderá alterar o sentido do dogma .  Além disso , João Paulo II nos explicou que “a história do pensamento mostra que certos conceitos básicos mantêm , através da evolução e da variedade das culturas , o seu valor cognoscitivo universal e , conseqüentemente , a verdade das proposições que os exprimem “ 1.   Na Encíclica Humani generis o Papa Pio XII adverte sobre o erro de se querer abandonar aqueles conceitos e expressões que a Igreja sancionou nos Concílios e que foram compostos por homens de grande talento e santidade , sob a vigilância do sagrado Magistério 2 .   É verdade , porém , que a Igreja pode aperfeiçoar e enriquecer , sempre sob a vigilância do Magistério , algumas expressões .  Mas isso não alteraria o sentido imutável do dogma .   O memorável João XXIII assim nos explicou : “ Uma coisa é a substância do “depositum fidei” , isto é , as verdades contidas na nossa doutrina , e outra é a formulação com que são enunciadas , conservando-lhes , contudo , o mesmo sentido e o mesmo alcance “ (Discurso de João XXIII na abertura do Concílio Vaticano II : 11/10/1962) .  Também entendo que juntos devemos recordar aquela palavra de Pio XII : “Eis porque nosso predecessor de imortal memória , Pio IX , ao ensinar que é dever nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja está contida nas fontes , não sem grave motivo acrescentou aquelas palavras : “com o  mesmo sentido com o qual foi definida pela Igreja “ 3 .  No parágrafo 9 da carta do Sr. Fernando , encontra-se uma tentativa de justificar os desvios do teólogo Jon Sobrino (recentemente censurado pela Santa Sé) .  Segundo o Sr. Fernando , Sobrino quis apenas contextualizar as antigas definições conciliares . Na realidade , Sobrino , segundo o juízo autorizado da Santa Sé , desvaloriza os concílios antigos e os considera válidos apenas  dentro do contexto cultural antigo . Para não caírmos neste grave erro , entendo que , mais uma vez , devemos recordar aquilo que nos ensinou João Paulo II através das seguintes palavras : “ A palavra de Deus não se destina apenas a um povo ou só a uma época . De igual modo , também os enunciados dogmáticos formulam uma verdade permanente e definitiva, ainda que às vezes se possa notar neles a cultura do período em que foram definidos “ (João Paulo II : Encíclica Fides et ratio nº 95) . Conseqüentemente: “Quanto ao próprio significado das fórmulas dogmáticas , este permanece , na Igreja , sempre verdadeiro e coerente , mesmo quando se torna mais  claro e melhor compreendido. Por isso , os fiéis devem rejeitar a opinião segundo a qual as fórmulas dogmáticas (ou uma parte delas) não podem manifestar exatamente a verdade , mas apenas aproximações variáveis que , de  certa forma , não passam de deformações e alterações da mesma “ (Congregação para a Doutrina da Fé: Declaração Mysterium Ecclesiae , 5).

No fim do parágrafo 6 de sua carta , o Sr. Fernando chega a insinuar que Bento XVI até poderia negar a perenidade dos dogmas (para tanto Sr. Fernando cita um antigo suposto texto do então Pe. Ratzinger) . Logo depois , meio impreciso em suas citações , o Sr. Fernando parece criticar a constituição divina da Igreja e a validade do Concílio de Trento .

Será que o Sr. teólogo Fernando não leu ao longo de sua vida) o quanto os Papas exaltaram a imutabilidade e a perenidade dos dogmas e a permanente validade dos 21 Concílios Ecumênicos ? Ora , um concílio nunca exclui um outro mais antigo e os 21 concílios permanecem como “pontos luminosos da história da Igreja” (segundo a expressão de João XIII) 4 .

No parágrafo 9-b , o Sr. Fernando diz que quando se produz Teologia Católica é preciso abrir o coração e a mente para todos os que pensam diferente . Contudo, resta saber que diferença é esta que ele pretende legitimar . Vale lembrar que as heresias, os cismas e as apostasias não são expressões legítimas de liberdade cristã . O pluralismo teológico só é legítimo na medida em que é salvaguardada a unidade da fé no seu significado objetivo. Portanto, não se pode admitir (em nome de uma suposta liberdade) uma diversidade de opiniões que chegue ao ponto de contrariar aquilo que a Igreja verdadeiramente ensina em sua doutrina autorizada .  Escrevendo sobre a unidade da fé, João XXIII nos diz :   “ A Igreja Católica manda crer fiel e firmemente tudo o que Deus revelou , isto é , o que está contido na Sagrada Escritura e na Tradição tanto oral como escrita e , no decurso dos séculos , desde o tempo dos apóstolos foi estabelecido e definido pelos Sumos Pontífices e pelos legítimos Concílios Ecumênicos . Sempre que alguém se afastou desta verdade, a Igreja com a sua materna autoridade não deixou de o chamar repetidamente ao reto caminho . Pois sabe muito bem e defende que há uma só verdade e que não podem admitir-se “verdades” contrárias entre si ; faz sua a afirmação do Apóstolos das gentes : “Nada podereis contra a verdade , mas pela verdade “ (2Cor 13,8) .  Há porém não poucos pontos em que a Igreja Católica deixa liberdade de discussão aos teólogos , porque se trata de coisas não de todo certas e também porque , como notava o celebérrimo escritor inglês , Cardeal Newman , tais disputas não quebram a unidade da Igreja , mas pelo contrário levam a maior e mais profunda inteligência dos dogmas , pois aplanam e tornam mais seguro o caminho para este conhecimento ; da oposição de várias sentenças sai sempre nova luz .  Mas é preciso manter também a norma comum que , expressa com palavras diversas , se atribui a diferentes autores : nas  coisas necessárias , unidade ; nas duvidosas , liberdade ; em todas , caridade “  (João XXIII : Encíclica Ad Petri Cathedram nº 37) .

Uma das tarefas do teólogo , é certamente a de interpretar corretamente os textos do Magistério , e para isso ele dispõe de regras hermenêuticas , entre as quais figura o princípio segundo o qual o ensinamento do Magistério – graças à assistência divina – vale mais que a argumentação , que às vezes é tomada de uma teologia particular , da qual ele se serve 5 .

Se a Santa Sé decidiu , de caso pensado , emitir uma censura contra as teses de alguém , resta a todos os fiéis acatar com absoluto respeito – interno e externo – esta decisão .    Esta missão do Magistério é libertadora porque oferece (à própria pessoa censurada) a oportunidade de retomar o necessário vínculo da liberdade com a verdade . Além disso , “agindo dessa forma , o Magistério entende ser fiel à sua missão , porque defende o direito do Povo de Deus a receber a mensagem da Igreja na sua pureza e na sua integridade , e assim , a não ser perturbado por uma perigosa opinião particular “6.

Em relação à pessoa do Prof. Felipe Aquino , eu considero ele um bom homem e é inegável o grande mérito dele de expor incansavelmente a doutrina da Igreja através dos seus programas televisivos .  Eu também reconheci que o Prof. Aquino foi infeliz ao citar aqueles bispos de maneira imprudente e mesmo indelicada .  Contudo, ele agiu no calor da discussão e isso atenua (não justifica) o erro dele . Todos nós, às vezes , e sobretudo quando estamos indignados, cometemos excessos. Isso não significa que somos  perversos ou malfeitores. O Prof. Aquino tem um passado honroso e todos sabem o quanto ele sempre foi fiel à Igreja. O que ele tenta combater na Teologia da Libertação é o lado do marxismo cujo problema fora condenado pela Santa Sé.

Por isso, eu escrevi ao Dom Joviano (Bispo de Ribeirão Preto) na tentativa de propor uma avaliação mais justa e ponderada , com a finalidade de não esquecermos os méritos do Prof. Felipe Aquino , que sempre lutou pela ortodoxia .  Lutar pela ortodoxia não é uma mera opção pessoal entre outras tantas .  Antes , é um dever de todos enquanto princípio de fé .  Ser fiel à Igreja é um princípio de fé porque se baseia na própria vontade de Cristo     que tanto a amou e se entregou por ela para santificá-la .

OBS > Segue agora a minha Carta ao Dom Joviano , a Carta do Sr. Fernando Altemeyer ao Prof. Felipe Aquino , e, por fim , um artigo que escrevi sobre as antigas e imutáveis definições conciliares.

[Veritatis Splendor: Por razões práticas não reproduzimos as referidas cartas, porém as mesmas podem ser acessadas conforme notas a) e b).]

Que Maria, Mãe de Deus e da Igreja , nos abençoe.

Respeitosamente e fraternalmente,

Luís Eugênio Sanábio e Souza

ESCRITOR / Juiz de Fora – MG – [email protected]

NOTAS :

1 – João Paulo II : Encíclica Fides et ratio nº 96 ;

2 – Pio XII : Encíclica Humani generis nº 16 e 17 ;

3 – Pio XII : Encíclica Humani generis nº 21 ;

4 – João XXIII : Discurso na abertura solene do Concílio Vaticano II ;

5 – Instrução Donum veritatis nº 34 da Congregação para a Doutrina da Fé ;

6 – Instrução Donum veritatis nº 37 .

Notas do Veritatis Splendor

a) Luís Eugênio Sanábio e Souza. Apostolado Veritatis Splendor: CARTA ABERTA ao Reverendíssimo Arcebispo Metropolitano de Ribeirão Preto. Disponível em https://www.veritatis.com.br/article/4241. Desde 25/4/2007.

b) Carta do Prof. Felipe Aquino ao teólogo Fernando Altemeyer e resposta dada pelo mesmo. Acessível http://www.oraetlabora.com.br/mail_recebidos/fernando_altemeyer.htm.]

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