– “Como provar que a inteligência humana não é apenas uma das etapas conquistadas pela matéria na sua evolução e no seu progresso através dos tempos?” (Melania – Belo Horizonte-MG).
Sua pergunta leva-nos para o árduo campo da Filosofia. Entremos nele decididamente.
Se a inteligência humana representasse apenas uma etapa da evolução da matéria, ela seria uma realização ou função da matéria; e, já que a inteligência é uma faculdade do espírito, o espírito mesmo seria matéria, matéria evoluída; o espírito seria corpo.
A sua questão, portanto, em última análise, se formula: há distinção real entre matéria (corpo) e espírito?
Em resposta, digamos em primeiro lugar o que se entende por matéria e por espírito.
Por matéria (matéria segundo o sentido aristotélico, ou corpo) entende a Filosofia perene (iniciada por Aristóteles, +322 a.C.) todo ser caracterizado por determinada quantidade (dimensões), por qualidades (como cheiro, colorido, sabor, peso…), por certa posição no espaço, etc.
Espírito é o ser que carece de tais notas ou, mais brevemente, o ser que não possui quantidade nem dimensões, mas que nem por isto é irreal.
O fato de que a matéria ou o corpo está ligado à quantidade ou a dimensões é o motivo pelo qual os órgãos materiais (corpóreos) de um ser vivo só podem conhecer objetos dimensionais ou objetos que têm tamanho, cor, sabor, cheiro. Tal é o caso dos nossos sentidos: o olho só pode conhecer o que é colorido com tais dimensões, com tal posição no espaço, etc.; o ouvido só pode apreender o que é sonoro, regido por tais leis de vibração, da matemática, etc.; o tato só pode atingir o que tem extensão, tamanho ou temperatura…
O fato de que o espírito, por definição, carece de quantidade ou dimensões, possibilita-lhe conhecer seres abstratos, ou seja, conceber a idéia da Beleza, emancipada de tais dimensões ou cores, a ideia da Bondade, desembaraçada desta ou daquela nota contingente; o espírito percebe a relação que existe entre dois ou mais conceitos e daí deduz consequências; ao perceber um efeito, conjectura e indica a causa respectiva. Em suma, o espírito vê o invisível, o essencial, oculto debaixo de notas acidentais, ao passo que a matéria (a potência corpórea) só vê o concreto ou acidental, sempre variável.
Não há dúvida de que o espírito, dotado de tais propriedades, representa uma ordem de ser (um grau ontológico) mais perfeito do que a matéria.
Lembremo-nos agora do adágio: “Ninguém dá o que não tem” ou “O que é menos não pode ser fonte do que é mais”. Aplicando este princípio ao nosso tema, os filósofos costumam concluir que a matéria não pode ser fonte geradora do espírito; este não pode estar contido na potencialidade evolutiva da matéria, ou ainda: “a inteligência humana não é uma etapa conquistada pela matéria na sua evolução”. Tem origem independente da matéria; por isto, tem também sua sobrevivência e seu fim supremo, independentemente da matéria. Transcendendo a matéria no seu modo de existir e de agir, transcende-a também no seu modo de se originar.
Corroborando este raciocínio, o Santo Padre Papa Pio XII declarou na sua Encíclica “Humani generis” (1950) ser lícito admitir que a matéria rudimentar tenha evoluído até atingir a perfeição do corpo humano; será necessário, porém, afirmar a intervenção especial do Criador que a essa matéria haja infundido a alma humana.
- Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 1:1957 – mar-abr/1957.