O que mais impressiona nas primeiras comunidades é o fervor e a coragem dos cristãos. Diante das autoridades e dos líderes religiosos do seu tempo, os fiéis não temem confessar que Jesus é o Messias. A presença do Espírito Santo é muito viva. Cada igreja local tinha seus ministros, apóstolos, profetas, doutores… Todo o fiel recebia de Deus carismas especiais, que devia colocar à disposição da comunidade (dom de línguas, sabedoria, cura, ensino…).
A atuação feminina era expressiva, mas não havia confusão entre o papel do homem e o papel da mulher (a sociedade romana era muito machista e tratava a mulher como se fosse propriedade do marido; as crianças também eram desprezadas, podendo ser rejeitadas ou abandonadas à própria sorte pelo pai – tudo isto muda entre os cristãos). Em Cristo não há diferença de dignidade entre grego e judeu, homem e mulher, escravo (a sociedade romana era escravocrata) e livre. Todos se reuniam para celebrar a eucaristia (ou fração do pão) especialmente no domingo (que substituiu o sábado como o sétimo dia dos cristãos, por causa da ressurreição do Senhor), oravam em comum, partilhavam seus bens, ajudavam os pobres. O rito de iniciação cristã era o batismo, no qual os efeitos da morte redentora de Cristo eram aplicados sobre o crente. Havia ainda a imposição de mãos, ou Crisma, através da qual o fiel confirmava o seu compromisso e assumia uma missão na comunidade, e a unção dos enfermos, que servia para curar e confortar os doentes.
Uma fonte importante sobre a vida das comunidades cristãs do final do séc. I e início do séc. II é a Didaqué, ou Instrução dos Doze Apóstolos, uma espécie de catecismo primitivo. A primeira parte da Didaqué apresenta os dois caminhos que o homem pode escolher: o da vida e o da morte. Seguem-se orientações para a conduta dos fiéis e exortações. Na segunda parte há uma descrição da vida sacramental e da oração. O batismo é feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e, quando a imersão não é possível, a água pode ser simplesmente derramada três vezes sobre a cabeça de quem vai receber o sacramento. Os crentes devem jejuar duas vezes na semana e rezar o Pai Nosso três vezes por dia. A celebração dominical (Missa) é o sacrifício verdadeiro que cumpre a profecia de Ml 1,10s. Antes de se realizar a fração do pão os fiéis fazem uma espécie de ato penitencial (exomologese). A Didaqué também fala de apóstolos, profetas inspirados pelo Espírito Santo (os quais chama de sumo sacerdotes) e mestres que percorrem as igrejas. Bispos e diáconos são escolhidos pelos fiéis, com a mesma dignidade dos profetas e dos mestres. Por último, adverte contra os “falsos profetas e corruptores”, e contra o anticristo que virá quando o fim estiver próximo. Aqueles que perseverarem na fé durante a grande tribulação serão salvos. Depois que o céus se abrirem, após o soar da trombeta e a ressurreição dos mortos, “o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu”.
Sobre a penitência, já lemos no evangelho de João (Jo 20,21-23) que Cristo conferiu aos apóstolos o poder de perdoar pecados. Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, condena um caso de incesto e excomunga os responsáveis, esperando que com isto eles se arrependam e retornem para o Senhor. Na epístola de Tiago há uma exortação para a confissão dos pecados (Tg 5,16-18). Há casos, porém, de faltas graves para as quais se hesita em reconhecer a possibilidade de remissão (Hb 10,26ss; ver também a distinção que o apóstolo João faz entre pecados que levam à morte e pecados que não levam à morte, 1Jo 5,16). Quem renega a fé não encontrará misericórdia para seu crime, segundo o autor da carta aos Hebreus.
Os primeiros cristãos eram geralmente gente simples, das camadas sociais mais baixas. Exteriormente não se distinguiam das outras pessoas do seu tempo, mas viviam de modo honesto e digno. Procuravam ser obedientes às autoridades e oravam pelos governantes.
À frente de cada comunidade havia epíscopos, ou então um colégio de presbíteros. Havia também diáconos, que cuidavam da administração e da distribuição dos bens entre os necessitados. Tanto os epíscopos como os presbíteros e os diáconos eram ordenados através da imposição de mãos. Esta estrutura ministerial, ainda não muito precisa, deu origem à hierarquia da Igreja tal como a conhecemos hoje.
Com Santo Inácio de Antioquia as coisas ficarão mais claras: “Que todos, assim como reverenciam Cristo, reverenciem os diáconos, o bispo, que é a imagem do Pai, e os presbíteros, que são o Senado de Deus, a Assembléia dos Apóstolos”. No início do século II, este regime se imporá naturalmente entre as igrejas da Ásia.
O que não se pode negar é que, desde os seus primórdios, a Igreja possui uma constituição hierárquica, formada pelos apóstolos e por Pedro, e que esta constituição foi transmitida sempre e ininterruptamente através do sacramento da Ordem. Os apóstolos fundaram comunidades e ordenaram pessoas para presidi-las. Estas, por sua vez, ordenaram outras como sucessoras, e o processo prosseguiu em uma cadeia contínua que permite ligar cada bispo, cada padre, cada diácono da Igreja de hoje aos apóstolos e, dos apóstolos, ao próprio Jesus Cristo.
De modo particular, o bispo de Roma é o sucessor do apóstolo Pedro e, portanto, responsável por garantir a unidade e a integridade da fé da Igreja.
Outra característica relevante dos primeiros cristãos era a ansiedade pelo retorno do Senhor, a Parusia. Pelas cartas de Paulo vemos que a volta iminente de Jesus era crença comum. Nas assembléias litúrgicas ouvia-se freqüentemente a exclamação cheia de esperança: “Maranatha! Vem Senhor Jesus!” Com o tempo percebeu-se que a vinda de Jesus não era tão iminente.
O cristianismo se aproveitou da imensa rede de estradas que interligava o Império. Desenvolveu-se principalmente no meio urbano. De boca em boca, através de escravos, mercadores, viajantes, judeus helenizados, artesãos, a Boa-Nova ia chegando aos lugares mais distantes. O Império de Roma tornou-se, logo, a “pátria do cristianismo”.