Educação religiosa é oportuna?

– “O adolescente tem que escolher ele mesmo as suas crenças ao atingir a idade do discernimento. Por conseguinte, não deve ser educado na religião católica, para que não se torne um renegado, caso na idade madura não esteja de acordo com a fé católica” (A.A.P. – São Paulo-SP).

Para esclarecer a dificuldade, tenhamos em vista que a criança é essencialmente um ser dependente de seus pais, e dependente (à diferença do que se dá com a prole de irracionais) até idade mais ou menos adiantada. Aos pais, portanto, que deram a vida à prole, cabe a obrigação de fornecer todo o necessário à consolidação e ao aperfeiçoamento dessa vida.

Ora, a prole precisa evidentemente de sustento físico (alimento, teto e roupa) que garanta a vida de seu corpo; isto, os pais, ao menos em teoria, não o sonegam a seus filhos. Mas, além de valores corpóreos, há em todo ser humano, mesmo infantil, valores espirituais; com outras palavras, há tendência a um termo supremo que não seja limitado como a matéria e que proporcione o Bem-estar, a Felicidade simplesmente dita.

Sendo assim, incumbe aos pais e educadores atender também a esses valores espirituais da criança e proporcionar-lhe tudo (instruções e exemplos) que os possa desenvolver e encaminhar para seu termo autêntico. Isto implica, entre outras coisas, educação religiosa e, falando-se objetivamente (independentemente das concepções que os pais possam nutrir de boa fé), educação religiosa católica.

Mas “não se poderia desejar que a formação espiritual da criança conste apenas do ensino de ciências e letras e de certas normas éticas, como se verifica na escola dita «neutra»? As questões religiosas, as quais dependem de fé, não parecem necessárias à formação de um bom cidadão…”

– Este raciocínio procede do errôneo conceito de religião.

“Religião” significa “cultivo de relações do homem com Deus”, com Aquele que, por definição, é o Bem Supremo; a religião, portanto, tende a levar o homem à sua perfeição simplesmente dita; ela interessa o homem todo, ser corpóreo dotado de inteligência e amor. Ao contrário, qualquer ciência ou arte que o indivíduo possa cultivar, aperfeiçoa-o apenas sob um aspecto, tornando-o “bom físico”, “bom matemático”, “bom médico”, mas não necessariamente “homem bom” (um bom médico pode ser um homem mau, ao passo que um homem sinceramente religioso é bom como homem; é homem bom).

Por conseguinte, vê-se que a formação religiosa é o ponto culminante para o qual converge qualquer educação de valores; é ela que dá consistência à formação profissional e moral do indivíduo. Com efeito, nem mesmo os preceitos da ética mais nobre são capazes de construir uma autêntica personalidade humana, se são separados de Deus e da religião; a moral leiga, moral que apela para um ideal meramente humano a conquistar, cedo ou tarde mostra-se impotente para dirigir o homem, pois a autoridade da ética sem Deus não pode deixar de ser relativa, sujeita a ser controvertida e reformada, como tudo que é criado.

A titulo de ilustração, vão aqui citados alguns testemunhos de pensadores modernos a respeito da “moral leiga”:

– T. Dostoieswsky, psicólogo dos mais finos e profundos, introduz em um dos seus romances um jovem ateu, Ivã Fedorovitch, deduzindo da sua incredulidade todas as consequências imorais; o egoísmo passaria a ser a lei universal e necessária, lei incontestavelmente nobre e louvável. Um dos servos, que lhe ouvia a lição, aproveitou-a e pouco depois, num crime friamente premeditado, rouba e assassina o pai de Ivã. “Por que o mataste?” – pergunta-lhe o jovem, inquieto e sobressaltado; “Eu pensava com este dinheiro começar vida nova em Moscou ou talvez no estrangeiro; era a minha ideia de que tudo é permitido. Fostes vós que me ensinastes isto; e vós me ensinastes muitas coisas; se Deus não existe, não há virtude, porque seria inútil. Isto me pareceu verdade” (episódio transcrito da obra de Leonel Franca, “Ensino Religioso e Ensino Leigo”, Rio de Janeiro, 1931, p.12).

– R. Baden-Powell, o famoso fundador dos escoteiros, benemérito pela sua obra de psicólogo e educador, afirmava que a incredulidade constitui, ao lado do jogo, do vinho o do prazer, um dos grandes perigos para a juventude, e acrescentava: “Se você está realmente decidido a se encaminhar para o sucesso, isto é, para a felicidade, deve tratar não somente de não ser absorvido pela mistificação irreligiosa, mas de dar uma base religiosa à sua vida” (“Rovering to Success”, Londres, sem data, p.176).

A ineficácia da formação técnica e principalmente da formação moral que não estejam associadas à educação religiosa, se manifesta bem nas estatísticas de criminalidade infantil. Verifica-se que a laicização do ensino acarreta, como uma de suas consequências palpáveis, o progresso da criminalidade entre as crianças.

Com efeito, em 1880 foi o ensino laicizado na França, em virtude da Lei Ferry. Pois bem: em 1887, A. Guillot, juiz de instrução em Paris, podia escrever:

– “Há uma dezena de anos os crimes cometidos pelos jovens multiplicaram-se em proporção assustadora. As estatísticas mostram que o número de delinquentes de menos de 20 anos se quadruplicou: de cerca de 5.000 elevou-se a 20.000. A nenhum homem sincero, quaisquer que sejam as suas opiniões, pode escapar que este aumento espantoso da criminalidade coincidiu com as modificações introduzidas na organização do ensino público. Para a consciência dos que julgaram encontrar um progresso nestes novos caminhos, deve ser uma preocupação grave este espetáculo da jovem geração que se distingue pela sua perversidade brutal” (“Paris qui souffré”, Paris, 1887, p.250).

Em 1896 o mesmo autor testemunhava no jornal «Figaro» (19.08.1896):

– “Nada há de que nos maravilhemos (…) Desde 1887, inclinado continuamente sobre a miséria moral da infância, as minhas opiniões se vêm dia para dia confirmando (…) A criança que não é dirigida para as coisas superiores — que não se sente sob o olhar e a ação de Deus – uma vez homem, irá ao prazer e ao interesse. Nem espera chegar a homem. Desde cedo, começa a tratar como velhas ficções tudo o que lhe custa, tudo o que lhe pesa: o sacrifício, o dever, a própria honra. Com o ideal religioso desaparece qualquer outro ideal. E os sem-pátria nascem do mesmo tronco que os sem-Deus. No peito das crianças sopram já os ódios, as invejas, os ciúmes, a sede de prazeres que consomem os seus maiores. Se o mal não é maior, devemo-lo às escolas livres que conservam na França um núcleo de homens que temem e servem a Deus; devemo-lo às inumeráveis obras de caridade – religiosas na sua maioria – que se ocupam da infância e se esforçam, com os meios mais engenhosos, por preservá-la, defendê-la e salvá-la”.

Outros depoimentos frisantes se podem ler na obra de Franca, “Ensino Religioso e Ensino Leigo”, pp.35-57.

As considerações acima habilitam-nos a concluir que subtrair às crianças o ensinamento religioso é crime não menos grave (para não se dizer: mais hediondo) do que lhes sonegar o pão cotidiano; equivale a deixar de alimentar não o seu corpo mortal, mas o seu espírito e a sua personalidade, que consequentemente se tornarão atrofiados ou monstruosos.

Mas – dir-se-á os pais e educadores que tomam atitude neutra e silenciosa perante a religião, não querem em absoluto sufocar os sentimentos religiosos dos jovens; apenas desejam que estes se desenvolvam espontaneamente, de sorte a se evitar ruptura ou apostasia por parte do adolescente… Na verdade, é impossível a neutralidade em matéria de religião. Quem educa sem mencionar o nome de Deus, já profere uma tese a respeito de Deus: dá a entender que é plenamente concebível a vida humana sem Deus, e que Este, quando sobrevém, sobrevém acidentalmente, dando como que uma modalidade; não, porém, a estrutura à existência do indivíduo. Uma 1ª atitude no educador significa atribuir igual valor à afirmação e à negação de Deus, significa praticamente negar a Deus; é tomar a posição do ateísmo sem o nome respectivo, como dizia Leão XIII:

– “Istud ab atheismo, si nomine aliquid differt, re nihil differt” (encíclica “Immortale Dei”). Deus por definição é tudo, e merece lugar primacial na orientação da vida humana; ou simplesmente é banido, pois seria contraditório ao conceito mesmo de Deus atribuir a Este o papel de rótulo ou cartaz complementar de uma realidade já feita.

Note-se ainda: na prática é impossível aos pais e mestres mencionar os objetos e valores abordados pelas ciências (o corpo humano, a história da civilização, a economia…) sem que toquem indiretamente a questão mais profunda atinente à origem e à finalidade desses valores; e esta é a questão religiosa, à qual só se pode dar resposta afirmativa ou negativa (jamais neutra), pois o homem, sempre que age, age ao menos virtualmente em vista de um Fim último (que é o verdadeiro Deus ou um fantoche de Deus); é a ideia de Deus ou do Fim supremo que, em última análise, dá a estrutura a cada um dos atos humanos, por mais insignificante que pareça.

Aos que propugnam o silêncio em matéria religiosa, será preciso lembrar mais o seguinte: dificilmente a criança, por suas reflexões pessoais apenas, chegará à verdade no terreno religioso. É fato reconhecido que, para a aquisição de ciências profanas (matemática, física, história…), a inteligência necessita de uma pedagogia; a criança vai à escola. Com muito mais razão, a necessidade de um guia se impõe a fim de que ela distinga claramente a Deus e para Este se encaminhe; pois a natureza humana se ressente do desequilíbrio da concupiscência e das paixões, que lhe obscurecem o intelecto e debilitam a vontade; as desordens morais desviam o raciocínio do seu objetivo lógico, impedindo-o de reconhecer devidamente a Deus; é o que a experiência comprova sobejamente.

Seria, por conseguinte, utópico julgar que a criança, destituída de guia em matéria religiosa, chegaria por si mesma à Verdade neste terreno. Em relação ao último Fim, que fala à personalidade inteira, todo um mundo de interesses particulares se agita, devida ou indevidamente, dentro de cada indivíduo; requer-se, pois, uma sábia direção extrínseca que ponha ordem dentro desse mundozinho da criança.

Em consequência, incumbe imperiosamente aos pais e mestres propor a Luz sobre tal questão. E esta Luz — repita-se — provém não de qualquer crença religiosa, mas exclusivamente da fé católica, pois há um só Deus; em consequência há uma só concepção autêntica de Deus e da via pela qual os homens vão a Deus; brevemente, há uma só religião: a religião monoteísta que Cristo, rematando a História antiga, veio ensinar aos homens, e que se transmite ininterruptamente de Cristo a nós por meio da Santa Igreja Católica (o assunto já foi abordado no artigo “Jesus Cristo deve ser considerado um mártir, um santo, um profeta ou um líder?”).

Não há dúvida: a manifestação da verdade católica, assim como pode concorrer para o bem do adolescente, pode também provocar da parte deste uma repulsa explícita, dando ocasião a que se torne um degenerado. Isto, porém, caso aconteça, acontece independentemente da intenção de pais e mestres, em virtude de um abuso que o jovem faz de sua liberdade. O caso do apóstata da fé ou de quem extingue a sua vida sobrenatural é análogo ao do suicida, que põe fim à sua vida natural: não é por causa de um hipotético suicídio da futura prole que os casais deixam de comunicar a vida ou gerar seus filhos. O perigo de abusos não deve impedir que se proporcionem aos homens os bens capazes de os tornar dignos e felizes nesta vida e na futura.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 5 – mai/1958
Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.