Por Rafael Vitola Brodbeck
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO RITO ROMANO
Os ritos, ao longo da História Eclesiástica, diferem, em seus elementos acidentais, daquele praticado pela comunidade primitiva de Jerusalém. Isso por causa do grande e sadio desenvolvimento doutrinário que houve na Igreja Católica. Cada rito passou a significar uma profunda realidade teológica, sendo até mesmo a melhor catequese dos sagrados mistérios.
Entretanto, a essência da Missa, em todas as épocas, e em todos os lugares, permaneceu inalterada. Sempre foi um sacrifício, e, de igual forma, sempre contou com a presença real de Nosso Senhor nas espécies de pão e vinho consagradas pelos sucessores dos Apóstolos e pelos presbíteros validamente ordenados por eles. Para levar a essa consciência de que a Missa não se tratava de mera reunião de oração sob a presidência do sacerdote, e sim de um sacrifício verdadeiro, o mesmo do Calvário, novamente presente, tudo na celebração litúrgica apontava para a essência. No início, se pedia perdão, cantando Kyrie Eleison, Christe Eleison. Após, glorificava-se a Deus, lia-se perícopes bíblicas, oferecia-se as oblações a serem consagradas, e, no ápice da liturgia eucarística, o sacerdote fazia exatamente aquilo que Jesus Cristo fez e mandou fazer em Sua memória.
Essa é a essência. Os ritos foram adaptados conforme a consciência cultural de cada lugar. Dos primeiros ordos litúrgicos, evoluíram as preces para os tradicionais ritos hoje conhecidos: os orientais (armênio, bizantino, copta, maronita, siríaco, caldaico, etíope) e os ocidentais (romano, galicano, ambrosiano, bracarense).
Vamos nos ater ao desenvolvimento do Rito Romano. Para isso, transcreveremos o estudo do Pe. Raymond Dulac, sobre o Rito Romano até o Missal promulgado por São Pio V, o papa da Batalha de Lepanto e grande inimigo da heresia.
“Para bem compreender a Missa Romana, tal com se apresentava aos Padres Conciliares de Trento e ao Papa São Pio V, é necessário descobrir seu devido lugar dentro da evolução geral da liturgia eucarística.
1 – Os Apóstolos tinham recebido do Senhor, na véspera de sua Paixão, o poder e o mandamento de celebrar o Sacrifício da Nova Aliança. Deveriam para isso refazer, em memória dele, ISTO que Ele mesmo tinha feito naquele dia, oferecer sob as espécies do pão e do vinho transubstanciados no Seu Corpo e no Seu Sangue em virtude de Suas palavras, a Vítima propiciatória imolada na Cruz de uma maneira sangrenta.
2 – Os mais antigos documentos, nos mostram quão os Apóstolos e seus sucessores observaram fielmente esta ordem.
Pela própria natureza das coisas e com a autoridade recebida do próprio Cristo ou do Espírito de Pentecostes, os Apóstolos deviam completar a simples repetição dos gestos da Quinta Feira Santa com um conjunto de ritos. Iam eles tornar solenes sua “comemoração” e fazer dela uma verdadeira cerimônia religiosa.
Esta cerimônia não tinha por fim somente manter um sentimento interior de fidelidade à uma lembrança cujo mérito variasse segundo as disposições subjetivas do celebrante e dos participantes. Ela iria ter os efeitos objetivos de um ATO, efeitos esses realizados em virtude da própria instituição de Jesus Cristo, que quis estar presente sob as espécies sacramentais. Uma única condição: que o padre humano se faça instrumento exato do Sacerdócio único e soberano, conformando-se por sua fé e por sua intenção à Vontade Daquele que é Senhor de seus dons: “Fazei isto”
3 – Houve assim, na origem, em todas as igrejas locais do Oriente e do Ocidente, um rito mais ou menos uniforme, que vem atestado por alusões dos mais antigos Padres da Igreja: Doutrina dos Doze Apóstolos (Didachê), primeira Epístola de Clemente aos Coríntios, Epístola de Barnabé, cartas de Santo Inácio, de São Justino, Santo Irineu, etc.
Este rito, ainda um tanto indeterminado nos pormenores, deixando lugar a certas improvisações, iria, no correr dos três primeiros séculos, se cristalizar pouco a pouco em alguns ritos-típicos que deveriam se fixar numa determinada forma em conformidade ao gênio particular de cada povo.
4 – Assim é que, a partir do século IV, se conhecem quatro tipos gerais de liturgia eucarística’ das quais três tiveram sua formação ao redor das grandes igrejas patriarcais: Antioquia, Alexandria e Roma.
São estes os “ritos-fontes”. Com um quarto, o rito dito “galicano”, estão na origem dos ritos “derivados” que serão finalmente celebrados em todo o mundo católico.
O rito romano era, na origem, apenas o rito celebrado somente na cidade de Roma. Foi somente depois do século VIII que se espalhou por todo o Ocidente com algumas exceções, suplantando os outros ritos ocidentais dos quais sofrera influências e aos quais emprestara detalhes.
São estes ritos ocidentais, latinos mas não romanos, que foram reunidos sob a apelação genérica de rito galicano. Título comum que compreende tanto o rito observado na Gália quanto, com algumas variantes, na Espanha, na Bretanha, no norte da Itália e em outras regiões.
Os historiadores não estão de acordo sobre as origens desse rito, mas parece certo que o mesmo constitui um uso diferente do de Roma. Os dois de desenvolvem paralelamente, sofrendo influências recíprocas, dos séculos VI ao VIII, até o momento em que o galicano é absorvido pelo romano sob a influência de grandes missionários: Santo Agostinho, na Inglaterra (597) e São Bonifácio na Germânia (+754); sob a influência também de Carlos Magno que, desejando para seu reino uma uniformidade litúrgica, deu-lhe como base o rito observado em Roma.
Os únicos sobreviventes do rito galicano comum foram o rito dito “mozarábico”, usado em toda a Espanha até o século XI e que subsiste ainda em Toledo e do rito denominado “ambroziano”, ainda hoje observado em Milão.
5 – Tendo se imposto definitivamente em todo o Ocidente entre os séculos XI e XII, o rito Romano deveria no entanto sofrer em diferentes graus depois dessa data, influências locais que iriam produzir certas variantes as quais se podem a rigor qualificar como ritos mas que, na verdade, são somente formas variadas muito secundárias oriundas da mesma fonte. Assim em Lião, Treves, Salisbury, etc.
Essas formas variadas que aqui mencionamos, são mais conhecidas devido à importância das cidades, mas o estudo dos Missais da Idade Média nos mostra que quase cada uma das catedrais tinha suas particularidades litúrgicas cuja prática se estendia mais ou menos pelas regiões vizinhas.
Em que consistiram? Em acréscimos exuberantes puramente ornamentais ou piedosos: festas locais, procissões, cerimônias simbólicas, orações e cantos acrescentados, textos “recheados”, Sequências, Prefácios suplementares…
A estas variedades segundo os lugares, se ajuntavam outras próprias das famílias religiosas: Carmos, Cartuxos, Dominicanos.
Mas frisamo-lo bem: nenhuma delas constituía um rito distinto. Todos pertenciam indubitavelmente ao tronco comum original do rito Romano tal como fora fixado no tempo do Papa São Gregório (590-604), se bem que com alguns acréscimos “galicanos” posteriores. Os antigos “sacramentais” romanos, o “Leonino”, o “Gelasiano”, o “Gregoriano”, que são como ancestrais do nosso Missal e que foram escritos respectivamente entre o V e o VII séculos, nos dão uma ordenação da Missa idêntica a que São Pio V devia canonizar na sua Bula.
Segundo o liturgista inglês Fortescue:
“Desde o tempo de São Gregório, considera-se o texto, a ordem e a disposição da Missa como uma tradição sagrada à qual ninguém ousa tocar, senão em detalhes sem importância.
6 – Posta em paralelo a Missa Romana com todas as liturgias orientais, sem exceção, tanto as “cismáticas” quanto as “uniáticas”, constata-se que certas cerimônias são rigorosamente idênticas quanto ao essencial: intocadas, verdadeiramente sagradas porque pertenciam à instituição de Jesus Cristo ou dos Apóstolos. Reconhecidas como essencialmente necessárias para que o padre pudesse realizar “ISTO” que o Senhor realizara na Ceia.
E verdadeiramente indispensáveis para que a Missa fosse e parecesse um sacrifício no sentido próprio e pleno do termo, isto é, uma oblação atual, pessoal, feita em nome da Igreja por um padre ordenado, da vítima imolada no Calvário; estando esta vítima realmente presente sobre o altar em virtude da consagração do pão e do vinho que os converte substancialmente no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo pelas palavras da instituição repetidas, “em memória” Dele.
São quatro as partes imutáveis da liturgia eucarística mas com diferentes graus de importância quanto à essência do rito:
1 – O ofertório: é a dedicatória prévia do pão e do vinho, que assim se tornam “oblatas”.
2 – O cânon, também chamado ação. É a “prex” dos latinos e “anáfora” para os gregos: oração consecratória que começa em forma de ação de graças para se conformar ao gesto de Nosso Senhor que “deu Graças” a Seu Pai antes de “abençoar” o pão e o vinho e de os consagrar.
Nesta oração é que estão inseridas as outras partes do rito consecratório, a saber:
– O memorial da Ceia que precede as palavras da instituição: “Tomai… isto é meu Corpo”.
– Antes ou depois uma invocação mais ou menos explícita ao Espírito Santo, o epiclésio. Este é difícil de ser situado de modo exato na Missa Romana.
– Depois das palavras da instituição que consagra as oblatas, encontra-se uma oração que vem afirmar que o padre e todos os participantes ao sacrifício agem, cada um em sua posição essencialmente diferente, “em memória de Jesus Cristo como Ele próprio ordenou”. É a anamnese.
3 – Segue a fração: para repetir o gesto do Senhor que “rompeu” o pão antes de distribui-lo aos Apóstolos.
A Fração é acompanhada da commixão, pela qual um fragmento do pão sagrado é mergulhado no vinho consagrado.
4 – Finalmente a comunhão. A maneira de dá-la e de recebê-la, os cânticos ou orações que a precedem, a acompanham e a sucedem variam segundo os ritos locais.
Aos quatro ritos que acabamos de descrever e que estão diretamente ligados ao ato do Sacrifício, se ajuntavam outros que os enquadravam, completando ou ornamentando sua significação religiosa e inspiração cristã. Ritos que todo o mundo reconhecia como secundários mesmo quando a fidelidade, fortalecida pelo uso, deles faria questão.
Primeiramente: O ósculo da paz. Está quase sempre presente com atribuições e maneiras variadas de fazê-lo. Em seguida: leituras, ladainhas, procissões, hinos e a homilia. (…)
Para bem compreender a Missa Romana, tal com se apresentava aos Padres Conciliares de Trento e ao Papa São Pio V, é necessário descobrir seu devido lugar dentro da evolução geral da liturgia eucarística.
1 – Os Apóstolos tinham recebido do Senhor, na véspera de sua Paixão, o poder e o mandamento de celebrar o Sacrifício da Nova Aliança. Deveriam para isso refazer, em memória dele, ISTO que Ele mesmo tinha feito naquele dia, oferecer sob as espécies do pão e do vinho transubstanciados no Seu Corpo e no Seu Sangue em virtude de Suas palavras, a Vítima propiciatória imolada na Cruz de uma maneira sangrenta.
2 – Os mais antigos documentos, nos mostram quão os Apóstolos e seus sucessores observaram fielmente esta ordem.
Pela própria natureza das coisas e com a autoridade recebida do próprio Cristo ou do Espírito de Pentecostes, os Apóstolos deviam completar a simples repetição dos gestos da Quinta Feira Santa com um conjunto de ritos. Iam eles tornar solenes sua “comemoração” e fazer dela uma verdadeira cerimônia religiosa.
Esta cerimônia não tinha por fim somente manter um sentimento interior de fidelidade à uma lembrança cujo mérito variasse segundo as disposições subjetivas do celebrante e dos participantes. Ela iria ter os efeitos objetivos de um ATO, efeitos esses realizados em virtude da própria instituição de Jesus Cristo, que quis estar presente sob as espécies sacramentais. Uma única condição: que o padre humano se faça instrumento exato do Sacerdócio único e soberano, conformando-se por sua fé e por sua intenção à Vontade Daquele que é Senhor de seus dons:
“Fazei isto”
3 – Houve assim, na origem, em todas as igrejas locais do Oriente e do Ocidente, um rito mais ou menos uniforme, que vem atestado por alusões dos mais antigos Padres da Igreja: Doutrina dos Doze Apóstolos (Didachê), primeira Epístola de Clemente aos Coríntios, Epístola de Barnabé, cartas de Santo Inácio, de São Justino, Santo Irineu, etc.
Este rito, ainda um tanto indeterminado nos pormenores, deixando lugar a certas improvisações, iria, no correr dos três primeiros séculos, se cristalizar pouco a pouco em alguns ritos-típicos que deveriam se fixar numa determinada forma em conformidade ao gênio particular de cada povo.
4 – Assim é que, a partir do século IV, se conhecem quatro tipos gerais de liturgia eucarística’ das quais três tiveram sua formação ao redor das grandes igrejas patriarcais: Antioquia, Alexandria e Roma.
São estes os “ritos-fontes”. Com um quarto, o rito dito “galicano”, estão na origem dos ritos “derivados” que serão finalmente celebrados em todo o mundo católico.
O rito romano era, na origem, apenas o rito celebrado somente na cidade de Roma. Foi somente depois do século VIII que se espalhou por todo o Ocidente com algumas exceções, suplantando os outros ritos ocidentais dos quais sofrera influências e aos quais emprestara detalhes.
São estes ritos ocidentais, latinos mas não romanos, que foram reunidos sob a apelação genérica de rito galicano. Título comum que compreende tanto o rito observado na Gália quanto, com algumas variantes, na Espanha, na Bretanha, no norte da Itália e em outras regiões.
Os historiadores não estão de acordo sobre as origens desse rito, mas parece certo que o mesmo constitui um uso diferente do de Roma. Os dois de desenvolvem paralelamente, sofrendo influências recíprocas, dos séculos VI ao VIII, até o momento em que o galicano é absorvido pelo romano sob a influência de grandes missionários: Santo Agostinho, na Inglaterra (597) e São Bonifácio na Germânia (+754); sob a influência também de Carlos Magno que, desejando para seu reino uma uniformidade litúrgica, deu-lhe como base o rito observado em Roma.
Os únicos sobreviventes do rito galicano comum foram o rito dito “mozarábico”, usado em toda a Espanha até o século XI e que subsiste ainda em Toledo e do rito denominado “ambroziano”, ainda hoje observado em Milão.
5 – Tendo se imposto definitivamente em todo o Ocidente entre os séculos XI e XII, o rito Romano deveria no entanto sofrer em diferentes graus depois dessa data, influências locais que iriam produzir certas variantes as quais se podem a rigor qualificar como ritos mas que, na verdade, são somente formas variadas muito secundárias oriundas da mesma fonte. Assim em Lião, Treves, Salisbury, etc.
Essas formas variadas que aqui mencionamos, são mais conhecidas devido à importância das cidades, mas o estudo dos Missais da Idade Média nos mostra que quase cada uma das catedrais tinha suas particularidades litúrgicas cuja prática se estendia mais ou menos pelas regiões vizinhas.
Em que consistiram? Em acréscimos exuberantes puramente ornamentais ou piedosos: festas locais, procissões, cerimônias simbólicas, orações e cantos acrescentados, textos “recheados”, Sequências, Prefácios suplementares…
A estas variedades segundo os lugares, se ajuntavam outras próprias das famílias religiosas: Carmos, Cartuxos, Dominicanos.
Mas frisamo-lo bem: nenhuma delas constituía um rito distinto. Todos pertenciam indubitavelmente ao tronco comum original do rito Romano tal como fora fixado no tempo do Papa São Gregório (590-604), se bem que com alguns acréscimos “galicanos” posteriores. Os antigos “sacramentais” romanos, o “Leonino”, o “Gelasiano”, o “Gregoriano”, que são como ancestrais do nosso Missal e que foram escritos respectivamente entre o V e o VII séculos, nos dão uma ordenação da Missa idêntica a que São Pio V devia canonizar na sua Bula.
Segundo o liturgista inglês Fortescue:
“Desde o tempo de São Gregório, considera-se o texto, a ordem e a disposição da Missa como uma tradição sagrada à qual ninguém ousa tocar, senão em detalhes sem importância.
6 – Posta em paralelo a Missa Romana com todas as liturgias orientais, sem exceção, tanto as “cismáticas” quanto as “uniáticas”, constata-se que certas cerimônias são rigorosamente idênticas quanto ao essencial: intocadas, verdadeiramente sagradas porque pertenciam à instituição de Jesus Cristo ou dos Apóstolos. Reconhecidas como essencialmente necessárias para que o padre pudesse realizar “ISTO” que o Senhor realizara na Ceia.
E verdadeiramente indispensáveis para que a Missa fosse e parecesse um sacrifício no sentido próprio e pleno do termo, isto é, uma oblação atual, pessoal, feita em nome da Igreja por um padre ordenado, da vítima imolada no Calvário; estando esta vítima realmente presente sobre o altar em virtude da consagração do pão e do vinho que os converte substancialmente no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo pelas palavras da instituição repetidas, “em memória” Dele.
São quatro as partes imutáveis da liturgia eucarística mas com diferentes graus de importância quanto à essência do rito:
1 – O ofertório: é a dedicatória prévia do pão e do vinho, que assim se tornam “oblatas”.
2 – O cânon, também chamado ação. É a “prex” dos latinos e “anáfora” para os gregos: oração consecratória que começa em forma de ação de graças para se conformar ao gesto de Nosso Senhor que “deu Graças” a Seu Pai antes de “abençoar” o pão e o vinho e de os consagrar.
Nesta oração é que estão inseridas as outras partes do rito consecratório, a saber:
– O memorial da Ceia que precede as palavras da instituição: “Tomai… isto é meu Corpo”.
– Antes ou depois uma invocação mais ou menos explícita ao Espírito Santo, o epiclésio. Este é difícil de ser situado de modo exato na Missa Romana.
– Depois das palavras da instituição que consagra as oblatas, encontra-se uma oração que vem afirmar que o padre e todos os participantes ao sacrifício agem, cada um em sua posição essencialmente diferente, “em memória de Jesus Cristo como Ele próprio ordenou”. É a anamnese.
3 – Segue a fração: para repetir o gesto do Senhor que “rompeu” o pão antes de distribui-lo aos Apóstolos.
A Fração é acompanhada da commixão, pela qual um fragmento do pão sagrado é mergulhado no vinho consagrado.
4 – Finalmente a comunhão. A maneira de dá-la e de recebê-la, os cânticos ou orações que a precedem, a acompanham e a sucedem variam segundo os ritos locais.
Aos quatro ritos que acabamos de descrever e que estão diretamente ligados ao ato do Sacrifício, se ajuntavam outros que os enquadravam, completando ou ornamentando sua significação religiosa e inspiração cristã. Ritos que todo o mundo reconhecia como secundários mesmo quando a fidelidade, fortalecida pelo uso, deles faria questão.
Primeiramente: O ósculo da paz. Está quase sempre presente com atribuições e maneiras variadas de fazê-lo. Em seguida: leituras, ladainhas, procissões, hinos e a homilia.
(…)
Tal era então a Missa romana, a que o Papa Gregório o Grande tinha celebrado, e Agostinho de Canterbury, Ambrósio de Metz, Bernold de Constance, João Beletk, Tomás de Aquino, Durand de Mende, Gerson e uma multidão de padrezinhos do interior cujos nomes estão inscritos no Livro da Vida.
…E também o monge Martinho Lutero, durante quinze anos, antes que seu demônio de guarda lhe revelasse que esta Missa era a abominação da desolação (como ele próprio contou em narração inimaginável que seria interessante publicar novamente nesses tempos perturbados).
Mil anos de posse pacífica, feliz, a reconciliar, consolar, confortar iluminar e santificar milhões de almas através das mais variadas circunstâncias de uma história da Igreja por vezes catastrófica.
Sobre um monte, um ostensório imóvel e intacto.
Então veio Lutero com sua tropa disparatada e equívoca.
É preciso dizer, o que ainda não se fez suficientemente, que a revolução protestante foi antes de tudo uma revolução laicista e anti-sacerdotal. Se o monge agostiniano e os seus se lançaram tão furiosamente contra a economia dos Sacramentos e da Missa, é principalmente porque sua grande gana era o sacerdócio.
(…)
Ao mesmo tempo proliferação de ceias, serviços, cultos, sem regra nem controle que iria fornecer um veículo excepcional para os cismas e heresias. Era urgente unificar e purificar.
Foi o que fez o Concílio de Trento.
Aqui, como em outras matérias, os padres puseram como principal atenção à sua solicitude a obra doutrinal antes da reforma disciplinar.
Ensinar a teologia da Missa e do Sacerdócio: de uma maneira, em primeiro lugar, positiva (os “capítulos”) seguida das condenações das heresias correspondentes (os anátemas dos “cânones”).
Do próprio culto, o mais urgente a dizer o fora feito a propósito do Cânon, da língua litúrgica e da comunhão em uma só espécie.
Mas não era só isso: era preciso deter o processo da desagregação protestante dos ritos da Missa. Esta estava favorecida pela enorme variedade dos missais católicos e pelos abusos que os padres designavam com nitidez e que enfeixavam em 3 principais: a superstição, a irreverência e a avareza.
Já em Bolonha em 28 de novembro 1547, uma Comissão fora encarregada pelo Concílio de destacar os abusos ou erros “relativos à Missa, às indulgências, ao Purgatório e aos votos monásticos”.
Mas foi sobretudo em 1562 que as preocupações ganharam precisão: uma nova Comissão de sete padres é formada em Julho, que cataloga abusos de toda sorte, redige um resumo e por fim uma lista de nove cânones que são submetidos em Setembro à discussão do Concílio.
No se tratava mais do Missal como nos projetos anteriores, onde se podia ler:
“que o sacrifício (res sacra) seja realizado segundo o mesmo rito em toda a parte e por todos, para que a Igreja de Deus tenha somente uma linguagem (unius labii sit) e que não se possa encontrar, entre nós, a menor diferença (dissentio) nessa matéria. Para que se possa chegar a este ponto desejado será talvez necessário tomar as seguintes providências: que todos os Missais, depois de terem sido purificados de orações supersticiosas e apócrifas sejam propostos a todos perfeitamente puros e nítidos (nitida) sem defeitos (íntegra); que sejam idênticos, pelos menos entre todos os padres seculares, salvaguardando os costumes legítimos não abusivos”.
“Que certas rúbricas bem fixadas (certae) sejam determinadas; os celebrantes deverão observá-las de maneira uniforme, a fim de que o povo não possa ficar chocado ou escandalizado por ritos novos ou diferentes”.
Para resumir: “Que os Missais sejam restaurados segundo o uso e costume antigo da Santa Igreja Romana”. (2)
O Concílio se separou antes de ter podido realizar por si próprio as resoluções tomadas. Decidiu confiar a tarefa ao Santo Padre para que ele terminasse a obra “segundo o que julgasse bom e sob sua autoridade”.
O Papa que era então Pio IV, instituiu para isso uma Comissão especial, mas morreu antes que os trabalhos estivessem concluídos.
Seu sucessor, Pio V, devia confirmá-la a fim de que viesse a realizar as decisões do Concílio nos próprios termos em que foram expressas:
– unificar os Missais;
– purificá-los de qualquer erro;
– reconduzir o rito romano ao tipo exemplar de sua origem;
– torná-lo obrigatório para todos e;
– respeitar, no entanto, os costumes legítimos.
A graça de realizar esta obra eminentemente religiosa fora reservada pela Divina Providência ao Papa do Santo Rosário.
O organizador da vitória de Lepanto, deveria ser, ele próprio, o restaurador do Missal.”
Em 1962, foi editada versão típica do Missal Romano, seguindo ainda o ordo aprovado por São Pio V e pelo Concílio de Trento, o chamado “rito tridentino”.
Convocado o Concílio do Vaticano II, aprovada sua constituição sobre a Sagrada Liturgia, o Santo Padre, Paulo VI, aprovou, em 1970, uma nova forma no rito romano. O Missal de 1970 introduziu várias reformas naquilo que é acidental, para melhor preservar o essencial e comunicar a Tradição católica aos homens dos novos tempos. Não foi uma adaptação à modernidade, como propagam os inimigos do Concílio, pois ela seria errônea. Foi, isso sim, um resgate daquilo que melhor garantiria a traditio aos fiéis. O ordo tridentino não servia mais para comunicar a realidade por trás da celebração: o sacrifício, pelo menos não para a maioria dos fiéis. Era necessário preservar a fé católica pura, e isso foi conseguido pelo Novus Ordo de 1970.
Palavras do Papa:
“Mas, desde que começou a crescer e a fortificar-se entre o povo cristão o desejo de promover a Sagrada Liturgia – desejo que, segundo a palavra de nosso predecessor de venerável memória, Pio XII, deve ser considerado um sinal favorável da Divina Providência para com os homens do nosso tempo e uma passagem salutar do Espírito Santo pela sua Igreja – tornou-se evidente que as fórmulas do Missal Romano deviam ser restauradas e enriquecidas. O mesmo Pontífice deu início a esta obra, restaurando a Vigília Pascal e o Ordinário da Semana Santa, que se tornou assim o primeiro passo para adaptação do Missal Romano à nova mentalidade do nosso tempo. (…) Por fim, queremos dar força de lei a tudo que até aqui expusemos sobre o novo Missal Romano.” (Sua Santidade, Paulo VI; Constituição Apostólica “Missale Romanum”)
A grande infelicidade, entretanto, foi que, concomitante à reforma litúrgica, uma onda de modernismo, liberalismo, pseudo-ecumenismo e marxismo inundou a Igreja. Como há muitos anos não se via, o inimigo, desta vez, vinha de dentro da Igreja. Sobrevieram abusos litúrgicos. Alguns colocaram a culpa no novo ordo, e, se afastando da comunhão da Igreja, foram excomungados com o Monsenhor Marcel Lefevbre e outros ultra-tradicionalistas. Outros, legitimaram o uso do ordo, mas não seguiram aquilo que suas instruções ordenam. O resultado foi a confusão litúrgica, que reflete, de maneira especial, na doutrina e no ensino do povo.
O Santo Padre, o Papa João Paulo II, admitiu o uso do Missal Romano de 1962, desde que seus celebrantes não atacassem o de 1970, voltassem à plena comunhão com os bispos locais e por eles fossem autorizados mediante um indulto. Através da Carta Apostólica Ecclesia Dei, muitos lefevbrianos retomaram seus postos na Igreja Católica. Os dois ordos passaram a co-existir, embora o uso oficial seja o de 1970.
“Além disso, em toda a parte deverá ser respeitado o espírito de todos aqueles que se sentem ligados à tradição litúrgica latina, mediante uma ampla e generosa aplicação das diretrizes, já há tempos emanadas pela Sé Apostólica, para o uso do Missal Romano segundo a edição típica de 1962.” (Sua Santidade, João Paulo II; Moto Proprio “Ecclesia Dei”)
Qual a diferença entre os dois? Num, o padre fica de frente para o altar, que é o mesmo santuário onde está o tabernáculo. No outro, o tabernáculo fica atrás e o altar pode ficar entre o sacerdote e o povo. Num, há certas orações, no outro, algumas diferentes. Num, a celebração é em língua latina. No outro, pode ser em latim ou no vernáculo. O calendário de leituras é diferente, e há partes que não são comuns às duas (Cânon, Ofertório etc). Todavia, nota-se que o Missal Romano renovado é um filho do Missal Romano tradicional, mantendo sua estrutura básica: ritos iniciais, liturgia da Palavra, liturgia Eucarística, ritos finais; com aclamações semelhantes, e mesmo com elementos presentes em ambos de maneira igual.
Outrossim, peremptoriamente a culpa dos abusos não está no Novus Ordo, e sim na não observação daquilo que ele prescreve em suas Instruções Gerais do Missal Romano (IGMR).
E esses abusos comportam, podemos comprovar, em que a grande maioria dos fiéis da Igreja do Brasil, não sabe o que é a Missa!
Para ajudar a Igreja, o Papa tem buscado dar regras precisas para a celebração da Santa Liturgia no Rito Romano. E os leigos, como povo de Deus, devem auxiliar o clero, servindo-lhes obedientemente, mas também dando pistas para um melhor acolhimento e celebração.
Servimo-nos, pois, das prerrogativas dadas aos fiéis leigos pelo Código de Direito Canônico, em vigor na Igreja Latina, em seu cânon 212:
“§2 – Os fiéis têm o direito de manifestar aos pastores da Igreja as próprias necessidades, principalmente espirituais, e os próprios anseios.
§3 – De acordo com a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, têm o direito e, às vezes, até o dever de manifestar aos pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da Igreja e, ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os Pastores, levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, dêem a conhecer sua opinião também aos outros fiéis.”
Celebrando conforme as IGMR, os frutos retro descritos são dados em abundância. A santidade toma conta da paróquia, a vida litúrgica é animada, as vocações multiplicadas, os apostolados florescem, e o amor à santa doutrina católica enche os corações de todos, com uma filial reverência aos sacerdotes. Valorizando as rubricas, estamos valorizando a Santa Missa e, como ela é um sacrifício, também valorizamos o sacerdote que o oferece: o padre, o pároco!