Cristo e a riqueza

Os habitantes da pequena aldeia bávara de Oberammergau fizeram no século XVII, durante a epidemia da peste, a promessa de representar a Paixão de Cristo de dez em dez anos se o flagelo desaparece. Em 1930 milhares de espectadores de todas as partes do mundo foram assistir com alma comovida às piedosas representações da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. A cena que sempre causa profunda impressão no espectador, preocupado com os problemas sociais atuais, não é o caminho da cruz nem a crucifixão ou a morte de Cristo; sem dúvida, essas cenas são comovedoras; é o lava-pés durante a Ceia a parte mais apreciada pelo público.

Quando o Salvador se levanta da mesa e calmamente lava os pés dos apóstolos, empreende uma revolução, subverte todos os conceitos que até então a humanidade possuía sobre poder e grandeza. O Salvador não proclama que os ricos irão para o inferno, que os capitalistas devem desaparecer, que não deve haver senhores. O Filho de Deus, Criador do mundo, levanta-se silenciosamente e ajoelha-se diante de simples pescadores para lavar-lhes os pés. Essa comovedora lição deve iluminar como um clarão o céu escuro do mundo atual. Cristo indica que é impossível suprimir as diferenças de classes entre os homens. Sempre haverá na terra: sábios e ignorantes, fortes e fracos, sadios e enfermos, ricos e pobres, patrões e operários. Não é correto incitar as classes umas contra as outras, semeando ódio e destruindo autoridade; cabe incutir nos superiores e mais fortes, nos mais instruídos e ricos, a idéia de que devem trabalhar praticando o amor caritativo, somente assim as lutas entre as classes sociais desaparecerão.

O Filho de Deus lavando os pés dos homens!

Não é o progresso que resolverá a questão social, a solução definitiva pode ser encontrada quando o patrão lavar os pés do empregado, isto é, quando o exemplo de Cristo elevar a vida cotidiana, enobrecendo o procedimento de agir e falar. A distância entre o trabalho e o capital, a riqueza e a miséria, preocupa o mundo atual. Chamei a atenção sobre o fato: todas as instituíções procuram reinvicar Jesus Cristo para si. A Sua personalidade é de tal grandeza que cada tendência deseja que Jesus pertença ao seu quadro. Houve quem achasse que Cristo foi o primeiro comunista, porque pronunciou esta ameaça: Ai de vós, ricos! Alguns viram como redentor social, o primeiro socialista. Consideremos o que Cristo ensinou sobre a propriedade privada, a riqueza e os bens do mundo. A atitude do Salvador perante a riqueza é especialmente posta em relevo nos episódios do jovem rico e no Sermão da Montanha.

Certo dia, um jovem rico encontrou-se com Cristo e cheio de entusiasmo disse: Bom Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna? Jesus respondeu-lhe: Se queres entrar na vida eterna , observa os mandamentos. O jovem falou: Tenho observado tudo isso desde a minha infância. Que me falta ainda? Nosso Senhor olha profundamente. Percebe que este jovem rico tem sede de um grau mais alto de perfeição, então lhe responde: Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me. Esse sacrifício era demasiado para aquele jovem, que então prefere deixar o divino Mestre. Cristo lamenta: É difícil para um rico entrar no Reino do céus!

Os discípulos ficarm surpresos, não esperavam isso (na mentalidade judaica daquele tempo, acreditava-se que quem era rico e tinha saúde, estava na graça de Deus; pelo contrário quem era pobre ou possuía enfermidades era considerado pecador, por isso Deus o estava castigando. Jesus demonstrou como essa mentalidade era deturpada).Então os ricos não são felizes? Não são filhos queridos de Deus os que acumulam bens terrenos? Jesus acrescenta: É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus.. A estas palavras seus discípulos, pasmados, perguntaram: Quem poderá então se salvar? Jesus olhou para eles e disse: Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível (Mt 19,24-26).

Para melhor compreender o pensamento do Salvador sobre a riqueza, analisemos o Sermão da Montanha. Este sermão proclama com clareza indiscutível a idéia de Cristo sobre a excelência da pobreza e da renúncia voluntária. Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis fartos! Bem-aventurados vós que agora chorais, porque vos alegrareis! Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos ultrajarem, e quando e repelirem o vosso nome com infame por causa do Filho do homem! Alegrai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu(Lc 6, 20-23).Quem ler superficialmente essas importantes declarações de Jesus Cristo, talvez se escandalize. Mas quem reflete a fundo sobre o sentido dessas palavras e acrescenta as declarações feitas noutras partes pelo divino Mestre, nota que não condenou a civilização; apenas mostrou onde reside a riqueza verdadeiramente civilizadora e digna do homem.

Com efeito, as palavras do Salvador servem de equilíbrio à natureza humana, exageradamente inclinada para a matéria; para que possa se elevar do círculo egoísta dos instintos terrenos para o círculo dos interesses celestes.

Qual é a fonte mais terrível de qualquer maldade e insensiblidade humana no mundo? Que separa os amigos, os parentes, os irmãos e transforma em inferno a vida? O egoísmo. É nisso precisamente que as palavras de Cristo dão o golpe mortal, porque essas importantes palavras significam uma afirmação corajosa: o culto do Mammon (palavra hebraica que significa a personificação do mal; deus do dinheiro)não poderá ser banido, os excesos do capitalismo não poderão ser suprimidos, senão quando a tirania da cobiça for refreada. Também um milionário pode ser cristão e não se sujeitar ao domínio do dinheiro e um proletário, o mais pobre, pode ser escravo da riqueza. As palavras de Cristo mostram claramente que ninguém está obrigado a distribuir os bens; indica o perigo de o homem por facilmente nas riquezas toda a esperança, toda a confiança, todos os desejos, esquecendo-se de Deus. Para quem o dinheiro é deus, o Deus verdadeiro não pode entrar. Ai de vós, ó ricos!

Cristo teve discípulos com boas condições financeiras: Marta e Maria, Salomé, Nicodemos, José de Arimatéia, Mateus. Um dos amigos mais queridos, Lázaro, possuía uma residência grande, onde Jesus frequentemente descansava. Hospedou-se de boa vontade na casa do rico Zaqueu. Jesus não condena o rico que sabe colocar a salvação acima da riqueza, que usa o dinheiro para o bem, socorrendo os necessitados.Esse ensinamento traz sérias consequências. O amor de Cristo nos constrange (2Cor5,14). Nisso consiste a ação social; é unicamente na concepção religiosa que descobrimos o pobre, o abandonado, a alma imortal.

Tolstoi conta num romance, o pensamento de uma condessa sobre as criadas: “É verdadeiramente espantoso que estas serviçais façam nossas camas, enquanto tocamos Chopin! É verdadeiramente espantoso que a caridade de Cristo, com o exemplo do Lava-pés fique apenas como algo sentimental, porém não será espantoso quando o comunismo chegar, destruindo o piano e as partituras de Chopin”.

Ser cristão significa olhar ciosamente o céu? Esperar com suspiros o reino dos céus? Ficar de braços cruzados esperando as coisas acontecerem? De jeito nenhum, se assim fosse, o cristianismo seria o inimigo do progresso e do trabalho.

O bom cristão reza, confessa-se, comunga, jejua, assiste à Missa, pratica tudo isso; domina também os instintos, a dureza de coração, a preguiça, a impaciência e o egoísmo; é amável e indulgente com o próximo e severo consigo mesmo, acima de tudo cumpre os deveres com dedicação. Mesmo que uma pessoa reze muito e comungue todos os dias, se é indisciplinada, manhosa, insuportável, egoísta, nada esquece e perdoa, é negligente com os deveres, certamente não é cristã.

Para que um dia seja possível resolver a questão social, a humanidade deve estar impregnada do espírito cristão, viver como cristão é a única solução.

A associação russa dos sem-Deus publicou em Moscou um jornal em que aparecia uma gravura com o título: O guarda-vento. Via-se Cristo triste, estendendo as mãos para um grupo de infelizes: mulheres esqueléticas, crianças famintas, operários curvados e sujos pelo trabalho. Cristo parece dizer: Louve o trabalho, não se revoltem contra os exploradoress, não busquem uma vida melhor e mais humana para os filhos, tenham paciência. Atrás da imagem de Jesus está um gordo burguês – que a multidão não vê por causa de Cristo – com os dedos cheios de anéis de diamante, segurando uma corda que enforca o proletário indefeso. Diante desta imagem revoltante, não basta a indignação e o protesto, precisamos refletir com humildade e fazer um exame de consciência.

Há alguma verdade nessa cena blasfema? Esses revolucionários vermelhos estarão certos? É possível falar de cristianismo enquanto milhões trabalham como escravos para o capitalismo? Quem está com a razão: o comunismo ou o capitalismo? Onde encontramos Cristo, do lado daqueles que com avidez querem monopolizar tudo, ou daqueles que através de revoluções sangrentas querem tirar tudo?

Vejamos o que Cristo pensa da riqueza, antes vamos entender claramente o que é riqueza.

O que é necessário para viver não é riqueza, é meio indispensável de existência. O salário ganho honestamente, não é riqueza. O sustento não pode ser entendido apenas como alimentação, moradia e vestuário. Não sou homem pelo fato de me alimentar e sim pelo fato de possuir uma vida intelectual e igualmente necessidades intelectuais. Riqueza é tudo aquilo que está acima das necessidades.

Na parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31) Jesus não condena o rico porque possuía riquezas, condena porque não tinha compaixão do pobre. Em nenhuma parte, o Senhor condena aqueles que possuem riquezas e propriedades; como já demosntramos, possuía entre os discípulos, pessoas de posses, apenas insistiu no perigo da riqueza.

Jesus, certa vez, disse: ”Ai de vós, ó ricos! Em outra ocasião: “Bem-aventurados os pobres!” Parece que amaldiçoa os ricos e abençõa os pobres. Isso seria por um lado uma severidade incompreensível e de outro lado não poderia haver progresso humano e social. Quem trabalharia, se não pudesse guardar as economias para no futuro pudesse comprar uma morada? O Senhor condena apenas os “ricos”, que veem na fortuna o bem único; em contrapartida, os “pobres” bem-aventurados são aqueles, que perante os gozos da vida, consideram preciosa a liberdade, aspiram e trabalham para introduzir na vida um valor verdadeiro. O conceito de Cristo, não é o mesmo do mundo. A sociedade se inclina diante dos ricos e este é o seu pensamento: tens muitos bens em depósito para muitíssimos anos; descansa, come, bebe e regala-te(Lc 12,19). É para estes que se aplicam as maldições do Senhor; dificilmente conseguirão entrar no reino dos céus.

Em compensação, os pobres entrarão facilmente no reino dos céus? Certamente os pobres de espírito, que não são apegados aos bens terrenos, sejam ricos ou pobres, e que colocaram os olhos no fim eterno. Diante de Deus o rico e o pobre possuem o mesmo valor; a única vantagem do pobre é não estar exposto ao perigo das grandes riquezas, embora possa estar extremamente apegado ao pouco que possui. Peçamos a Deus a graça de saber usar os bens com sobriedade, em favor da família, da Igreja, da Sociedade e dos mais necessitados.

O homem é por natureza egoísta e cobiçoso. O cristianismo, há vinte séculos, combate a falta de compaixão dos ricos, que estão muito longe do ideal cristão.Cristo ensinou que todos devem socorrer o próximo na parábola do bom samaritano, no entanto, a esmola não é a essência do cristianismo, apenas meio auxiliar. O fundamento é o trabalho digno, tanto que quem não trabalha não deve comer; é necessário acrescentar que não podemos falar de reino de Cristo, enquanto um homem que deseje trabalhar honestamente, não encontre emprego e morra de fome.

Exorta os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos nem ponham sua esperança nas riquesas volúveis [/i] (1Tm 6,17). Muitos que tinham posses, depois de uma queda do câmbio, de uma falência, acordaram pobres no dia seguinte. Vários milionários viajavam num transatlântico luxuoso, divertindo-se com danças e jogos. O rádio de repente deu a seguinte notícia: “Quebra na bolsa de Nova Iorque”. Estes magnatas que estavam tão alegres, ficaram empalidecidos, quando embarcaram eram milionários, agora apenas homens falidos no meio do mar. Já aconselhava São Paulo: Exorta os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos nem ponham sua esperança nas riquezas volúveis. O que torna o homem rico é a imitação da generosidade de Deus.

Recordemos as palavras dirigidas por São João Crisóstomo aos ricos sem coração, feitas há quinze séculos, e que servem perfeitamente para o homem de hoje : Vocês se banqueteiam e Cristo nem sequer tinha o necessário para comer; vocês comem iguarias deliciosas e Jesus não tinha sequer pão seco; vocês bebem vinho de Tharos e sequer dão um copo de água para Jesus; vocês descansam em leitos aconchegantes enquanto Cristo morre no frio; e não falo daqueles que convidam para suas casas mulheres de má vida, não me dirijo a estes, pois não tenho costume de falar com os cães; não falo daqueles que enriquecem injustamente, que enchem o estômago dos aduladores, porque não tenho nada a fazer com eles, como não tenho nada com os suínos; falo àqueles que gozam de suas riquezas, mas não tornam os outros participantes, consumindo somente para eles a herança. Estes cometeram pecados. Estão com medo por causa destas palavras? Pois bem! Tremam por causa de suas ações. (Sermão sobre o Evangelho de São Mateus 48 – homilias 78-79).

A Igreja fiel à doutrina de Cristo sempre exortou os fiéis como podemos ver nesta circular dos Bispos húngaros : Deus deu os bens deste mundo a todos, para serem bem usados e não adorados.

Deus distribuiu os bens entre todos indistintamente, não criou pobres e ricos, simplesmente homens; Deus os abençoou: Frutificai, disse ele e multiplica-vos, enchei a terra e submetei-a (Gen 1,28). Em conformidade com a lei divina, todos possuem direitos aos bens da terra, utilizando-os para a existência; aquele que exclui o próximo está contra essa lei.

Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer (1 Ts 3,10). Aqueles que desejam trabalhar, obedecendo à ordem imposta por Deus, não podem ser excluídos por causa se um sistema econômico egoista. Hoje vemos milhões de homens estendendo as mãos em busca do pão de cada dia, a esses se aplicam as palavras da Escritura: Não rejeteis o pedido do aflito, não desveis o rosto do pobre (Eclo 4,4). Então é preciso recordar aos ricos, que a obrigação de fornecer trabalho honesto e alimentação é uma lei divina; o Estado tem obrigação de tornar medidas e promulgar leis que fornecam trabalho aos que querem trabalhar e pão para os que têm fome.

O rico chega facilmente a pensar que não precisa de nada, mesmo de Deus. Por isso, Jesus disse na parábola do semeador que os ricos são sufocados pelos cuidados, riquezas e prazeres da vida e assim seus frutos não amadurecem (Lc 8,14)

Também a miséria é perigosa para a salvação. A pobreza material é companheira do pecado. O homem torturado pela fome, facilmente se revolta e deixa de rezar.

Com o capitalismo selvagem e o proletariado anfrajoso não são os ideias do cristianismo, então qual será esse ideal?

A Sagrada Escritura fornece este ideal: Não me dês nem pobreza nem riqueza, concede-me o pão que me é necessário(Pr 30,8), porque nada trouxemos ao mundo, como tampouco nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentamo-nos com isto. Aqueles que ambicionam tornar-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos da ruína e da perdição, porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. (1Tm 6, 7-10)

O mundo luta entre o capitalismo e o comunismo, porém o remédio é o cristianismo. A ordem social e econômica não pode ser baseada no vértice das pirâmides do Egito, onde milhões trabalhavam como escravos; a justiça e a propriedade particular são reconhecidas pelo ideal cristão, cuidado, pois ninguém pode servir a dois senhores…Não podeis servir a Deus e à riqueza(Mt 6,24-25) No cemitério de cães em Paris, há monumentos cujo valor bastaria para sustentar dezenas de famílias pobres; enquanto a ossada de uma cadela jaz abrigada do inverno, centenas de pessoas morrem de frio nos arredores de Paris. O cristão não pode aceitar semelhente coisa. Diante do esbanjamento insensato dos ricos, o mundo está repleto de crianças subnutridas e desabrigadas.

Recentemente um hotel americano organizou um jantar de mil dólares por pessoa. Enquanto no mundo milhões de operários sem trabalho passam fome, existem pessoas cuja consciência permite comer de entrada um prato que representa um castelo construído por fatias de caviar e pastéis de fígado de ganso, regado por champagne. Eis a solução social sem Cristo!

Santa Isabel da Hungria era bastante rica, possuía um castelo e poderia tomar parte em um banquete de mil dólares; ao contrário distinguiu-se destes milionários americanos, aceitando a doutrina de Cristo, não fez uma refeição de mil dólares, preferiu alimentar os pobres; descia voluntariamente do castelo para o profundo vale do sofrimento, da mortificação e da humilhação, para se elevar depois às alturas do amor de Deus e do próximo, com isso resolveu a questão social do povo de sua época.

Toth Tihamer – Bispo – Extratos da Obra: Quem é Cristo? Editora Formatto – Texto: Cristo e a Riqueza.

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.