É moralmente lícito deixar-se hipnotizar?

– “O hipnotismo pode acarretar algum mal? Será lícito ao cristão deixar-se hipnotizar frequentemente pela mesma pessoa?” (Maria Cláudia – Rio de Janeiro-RJ).

A hipnose é um estado de sono em que o paciente fica sujeito às sugestões ou à vontade de um operador (podendo perdurar a influência deste mesmo depois de cessado o transe). Em estado de hipnose, portanto, o indivíduo perde a sua personalidade em grau maior ou menor, pois é, até certo ponto, destituído da sua faculdade de raciocinar e da sua vontade própria. Em tais circunstâncias, arrisca-se a cometer atos que não cometeria em estado de lucidez. Tem sido muito debatida a questão: será que o hipnotizador possui poder sugestivo necessário para obrigar o paciente a realizar até mesmo ações que contrariem a sua consciência?

O Dr. Júlio Camino (“Como se Hipnotiza”, Madri), médico que tem a experiência de milhares de casos de hipnotismo, afirma categoricamente que o hipnotizador pode induzir o paciente a crimes gravíssimos. Cita, por exemplo, o caso de uma senhora hipnotizada a quem ele sugeriu que no dia seguinte envenenasse toda a sua família, lançando na respectiva comida um pó que o hipnotizador lhe consignou (e que naturalmente era inofensivo). Pois bem, chegada a hora prevista, a senhora, já liberta da hipnose, julgando que ninguém a via, atirou nos alimentos de seus familiares o presumido veneno; entrementes os interessados e o médico às ocultas a espreitavam! Não todos os autores são do parecer do Dr. Camino; há quem assegure que o conflito psíquico provocado no paciente por uma ordem imoral pede chegar a despertá-lo do sono hipnótico. Contudo, a tese de Camino parece demais comprovada pelos fatos para que dela se possa duvidar.

Além disso, sabe-se que a hipnose tem consequências psíquicas e físicas daninhas para o paciente: pode deformar-lhe a personalidade, reduzir-lhe a liberdade de arbítrio, excitar-lhe paixões para com o hipnotizador, assim como influir nocivamente sobre o coração e as grandes artérias do organismo.

Tais efeitos justificam as graves restrições que a Moral cristã faz ao uso da hipnose. Não é lícito ao homem alheiar-se à sua responsabilidade e colocar-se abaixo do nível da moralidade, pois Deus tendo feito o homem animal racional, deseja que ele proceda como ser racional e consciente. Sem razões imperiosas não se justifica que alguém se arrisque a cometer atos degradantes ou a servir aos interesses pecaminosos de outrem, manifestando segredos, revelando nomes que deveriam ficar ocultos etc.

A consciência cristã veda, por conseguinte, a hipnotização praticada a título de mero divertimento. Não se lhe opõe, porém, desde que se tenha em mira curar ou aliviar um caso patológico, como a alucinação, a loucura, a insônia, a neurastenia, as dores resultantes de intervenção cirúrgica.

Em tais casos, devidamente diagnosticados, o cuidado do hipnotizar só poderá ser confiado a médico perito, comprovadamente honesto, que trabalhe em presença de testemunhas moralmente idôneas e com o consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

A liceidade da hipnotização nessas circunstâncias foi reconhecida por declarações do Santo Ofício promulgadas em 1840, 1847 e 1899, as quais ao mesmo tempo não deixavam de chamar a atenção para os perigos da dita praxe. O Santo Padre Pio XII, aos 24 de fevereiro de 1957, num discurso dirigido a médicos, pronunciou-se sobre a anestesia em geral, considerando explicitamente a hipnose; eis um dos trechos que aqui nos interessam:

– “Pretendo-se obter uma baixa da consciência e, por meio dela, das faculdades superiores, de maneira que se paralisem os mecanismos psíquicos de domínio utilizados constantemente pelo homem para se governar e dirigir, este abandona-se então sem resistência ao jogo das associações de ideias, dos sentimentos e impulsos volitivos. Os perigos de tal estado são evidentes: pode acontecer que se libertem assim impulsos instintivos imorais (…) Suspender os dispositivos de domínio torna-se especialmente perigoso, quando se chega a provocar a revelação dos segredos da vida privada, pessoal ou familiar, e da vida social (…) Há certos segredos que se não devem revelar a ninguém, nem sequer, como diz uma fórmula técnica, ‘uni viro prudenti et silentii tenaci!’ (…) Por isto, não se pode deixar de aprovar o uso de narcóticos na medicação pré-operatória, para evitar tais inconvenientes (…) Não queremos que se estenda pura e simplesmente à hipnose em geral o que dizemos da hipnose a serviço do médico. Com efeito, esta, como objeto de investigação científica, não pode ser estudada por quem quer que seja, mas só por um sábio sério e dentro dos limites morais que valem para toda atividade científica. Não é este o caso de qualquer círculo de leigos ou eclesiásticos que a praticassem como coisa interessante, a título de pura experiência ou mesmo por simples passatempo” (texto transcrito da Revista Eclesiástica Brasileira 17, 1957, p.477-478).

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 8:1957 – dez/1957
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