Estende-se o Magistério infalível a certos fatos contingentes ocorridos depois de encerrada a Revelação. Por exemplo: proscritas como dissemos as 5 proposições de Jansênio, por Inocêncio X, em 1653, propalavam os fautores dessa heresia que o autor não lhes dava o sentido errôneo condenado pelo Papa. Para cortar o sofisma pela raiz, Alexandre VII, em 1656, definiu que as proposições incriminadas formulavam a doutrina genuína de Jansênio; esta era, por conseguinte, herética (cf. Denz., n. 1098) .Eis aí um dos chamados fatos dogmáticos.
Outro exemplo, mais familiar, tira-se da canonização dos santos. Ensinam, unânimes, os teólogos hodiernos que o Papa quando canoniza é infalível. Impossível, portanto, que eleve à glória dos altares uma alma que esteja, na realidade, sepultada no inferno.
Infalível também é o Romano Pontífice (ou o Concílio ecuménico) quando edita leis disciplinares para a Igreja universal. Por exemplo: a comunhão dos leigos e dos clérigos não-celebrantes, sob uma só espécie (cf. Denz., nn. 931, 935. Conc. Tridentino); a confissão e comunhão pascal (cf. Denz., n. 437. 4º. Conc. de Latrão); a aprovação definitiva pelo Papa das regras de Ordens religiosas..
Desde os tempos dos jansenistas, ensinam comumente os teólogos que os fatos dogmáticos depois de definidos são objeto não já de fé divina (pois não são formalmente revelados), nem tampouco de fé meramente humana (pois são infalivelmente certos, mas de uma fé denominada eclesiástica: repousa sobre a autoridade infalível da Igreja, e não diretamente sobre a autoridade de Deus que fala.
Ensinam esses teólogos, em consequência, que o Magistério infalível da Igreja tem por objeto primário as verdades de fé divina, e por objeto secundário as verdades de fé eclesiástica.
Vários teólogos mais antigos eram de opinião que ainda aqui caberia fé divina. Os fatos dogmáticos, diziam eles, estão realmente contidos, sob forma de aplicação particular, nos princípios gerais explicitamente revelados. O Magistério infalível, no caso, não mais explicita os dados de fé, senão aplica-os concretamente. A definição da Igreja vem assim mostrar, sem erro possível, a inclusão das aplicações particulares, nas premissas reveladas. Por exemplo: foi explicitamente revelado que toda doutrina herética, anatematizada pela Igreja, é, de fato, condenável. Nesse axioma de fé encontram-se objetivamente inclusas todas as aplicações passadas, presentes ou futuras, a esta ou àquela heresia.
Os fatos dogmáticos não são pois definidos como revelados, mas como necessariamente conexos (lógica ou moralmente) com o dado revelado, indispensáveis à sua integral conservação. A Igreja não cria tal conexão, descobre-a e no-la assinala.
Para tomar um outro exemplo: é de fé que a Igreja só pode mostrar um caminho de vida conforme ao evangelho; donde concluímos, aplicando: impossível que uma lei disciplinar universal, uma regra religiosa definitivamente aprovada, contrariem o evangelho. Impossível também que um santo canonizado não tenha vivido cristãmente.
A intervenção da Igreja, editando esta lei universal, aprovando esta regra religiosa, canonizando este santo, apenas desvenda que tais aplicações particulares estavam latentes, de fato, no princípio geral da fé.
Pelo mesmo motivo será de fé divina (ou de fé eclesiástica, segundo a opinião mais comum) que esta criança ainda não ba-tizada tem o pecado original; que Pio XII é legítimo sucessor de S. Pedro; que o Concílio Vaticano foi ecuménico, etc.
PENIDO, Pe. Dr. Maurílio Teixeira-Leite. Iniciação Teológica I: O Mistério da Igreja. Petrópolis: Ed. Vozes, 1956. Pg 290-291.