“Filioque”: Pais da Igreja, Papas e Concílios (Parte 1/2)

Esta postagem é uma resposta aos três questionamentos seguintes do parágrafo quinto do livro “Mystagogy”, de Fócio o Grande:

  • “Quem de nossos sagrados e renomados Pais disse que o Espírito procede do Filho? Algum sínodo, reconhecido como ecumênico, proclamou-o? Qual assembleia de sacerdotes e bispos, inspirada por Deus, firmou esse entendimento?”.

1. FÓCIO E A TRADIÇÃO DOS PAIS DA IGREJA

Os Padres latinos, de modo unânime, ensinam o Filioque no sentido de uma processão hipostática; o ensinamento deles não se restringe, como sustenta Perry Robinson, a uma processão energética. Como os Padres gregos poderiam ter sustentado um entendimento sobre a processão do Espírito Santo antitético ao entendimento unânime dos Padres latinos que abertamente professavam o Filioque, com quem eles estiveram em comunhão por séculos e a quem a Ortodoxia venera como santos? O ensinamento da Igreja Católica, diverso do da Igreja Ortodoxa oriental, faz justiça aos Padres gregos e latinos. Deveríamos esperar algo diferente de uma Igreja que segue o ensino de Fócio, que, apesar de suas grandes virtudes e erudição, não compreendia o ocidente, desconhecia o latim e falhou em expressar a tradição verdadeiramente católica, pois não incluiu os latinos, São João de Damasco e santos antenicenos entre os Padres da Igreja? Aquilo a que vamos nos referir como monopatrismo fociano aparece, primeiramente, não em algum escritor ortodoxo, mas na obra do bispo nestoriano Teodoro de Mopsuéstia, um arqui-herético da escola antioquena, cujos escritos e cuja pessoa foram condenados pelo quinto Concílio Ecumênico (Segundo Concílio de Constantinopla) em 553.

2. DANDO SENTIDO À “PROCESSÃO HIPOSTÁTICA”

Os ortodoxos não têm preservado o verdadeiro entendimento sobre a processão do Espírito Santo desde que o que iniciou como uma disputa acerca da má compreensão de palavras se tornou uma teologia rígida e incompatível com o sagrado dogma católico de que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho; o ortodoxo, agora, no máximo concederá, seguindo o Patriarca Gregório II, o Cipriota de Constantinopla, que a υπόστασις (hypostasis) manifesta-se, eternamente, energeticamente através da υπόστασις do Filho. Os ortodoxos mantêm a posição patristicamente impossível de que o Pai e o Filho, juntos, não infundem a hypostasis do Espírito Santo. O filioque é necessário para fins de explicar inteiramente a distinção entre a pessoa do Filho e a pessoa do Espírito Santo, para preservar a correta τάξις (ordem). As Pessoas da Trindade distinguem-se pelas relações de origem, como o Patriarca São Gregório Nazianzo, o grande teólogo de Constantinopla, e o bispo São Gregório de Nissa ensinam. Já que o Espírito Santo é υπόστασις e dado que Ele de algum modo procede do Pai, Ele deve proceder como υπόστασις do Filho, ou seja, Sua υπόστασις é do Filho. Em outras palavras, a υπόστασις procede (é) do Filho eternamente, mas a fonte primordial/não gerada de Sua hypostasis divina é o Pai somente, pois o Pai somente é a πηγή (fonte) e a αἰτία (causa) da divindade (não gerada). O Espírito Santo recebe do Filho o ser e a oυσία (ousia = essência) do Pai, o que o Filho recebe como Unigênito.

3. OS DIFERENTES SENTIDOS DE “PROCESSÃO”

Os ortodoxos interpretam erroneamente as declarações acerca da μοναρχία (monarquia) do Pai, única πηγαία Θεότης (fonte da Divindade), para excluir o filioque. O Conselho Pontifício para Promoção da Unidade dos Cristãos salienta que o filioque não lida com a εκπόρευσις (ekporeusis) do Espírito Santo do Pai como o único ἀρχὴ-ἄναρχος (archê-anarchos = princípio sem princípio) e πηγή (peghe = fonte) da Divindade, mas revela a processão (em grego, το προείναι = proienai; em latim, processio) do Espírito Santo em comunhão consubstancial do Pai e do Filho, isto é, a comunicação da divindade consubstancial do Pai para o Filho e do Pai διά (através) e σύν (com) o Filho para o Espírito Santo. Essa processão não está contida na declaração dos Padres gregos – e.g., São Gregório, o Taumaturgo de Neocesareia, e o monge São João Damasceno – de que o Espírito Santo é a Imagem do Filho? Como pode uma pessoa divina compartilhar a essência de uma pessoa divina que (1) não tem existência Dele ou (2) que não é de Quem Ele tem existência?

4. COMPLEMENTO ÀS FÓRMULAS GREGAS E LATINAS

“A partir do Filho” e “Através do Filho” são diferentes modos de expressar a verdadeira doutrina da processão do Espírito Santo. Poucos Padres utilizaram as fórmulas de maneira intercambiável (e.g., Santo Hilário de Poitiers e São Cirilo de Alexandria). De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, §248, a fórmula grega expressa diretamente a ordem de acordo com a qual o Pai e o Filho são o único princípio do Espírito Santo e indica Sua igualdade enquanto princípio. A fórmula latina expressa diretamente a igualdade do Pai e do Filho enquanto princípio e indica a ordem. Os grandes Doutores e Padres bizantinos não tinham reservas a estarem em comunhão com os Doutores e Padres latinos que aberta e dogmaticamente professavam o filioque. As fórmulas, portanto, são complementares, não contraditórias.

 

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